"Take Fountain", do Wedding Present
por
Marcelo Costa
maccosta@hotmail.com
07/10/2005
Apesar
de serem queridos nas ilhas britânicas, a banda Wedding Present
praticamente inexiste no Brasil. Um dos grandes nomes da Class
86', cena inglesa que se formou após a "derrocada" da pós-punk,
o Wedding Present permaneceu inédito em digital no País até 2004,
quando a Sum Records colocou no mercado nacional o excelente George
Best Plus, versão especial do álbum de estréia dos ingleses,
originalmente lançado em 1987, e relançando com vááááárias bônus
tracks. Antes, apenas o excelente Bizarro havia ganho edição nacional, ainda em vinil, em 1989. Take Fountain, novo disco do quarteto liderado
por David Gedge, também não ganhou edição nacional (e nem vai
ganhar, visto que foi lançado em fevereiro no velho mundo e até
agora nada aqui), e não só é um dos álbuns do ano,
como traz uma das canções de amor mais arrasadoras de 2005 (a
cortante e matadora Interstate 5) e ainda mantém o pique
nas outras nove faixas seguintes. A rigor, Take Fountain
quebra um silêncio de nove anos do Wedding Present.
Neste
intervalo, Gedge montou o Cinerama ao lado da namorada Sally Murrel,
e lançou ao menos um disco maravilhoso, Va Va Voom, em
1998. Porém, após três bons álbuns de estúdio (e duas coletâneas
de singles, dois álbuns vivo e dois CDs de John Pell Sessions),
quando começavam a trabalhar no que seria o quarto disco do grupo,
Sally e David romperam o namoro. Como resultado, Gedge recriou
o Wedding Present com a mesma formação do Cinerama, deixando a
ex de fora, enfiou guitarras onde antes havia orquestração e chorou
as pitangas em forma de boa música. O resultado é um dos discos
apaixonadamente mais fortes do ano. Mais um capítulo do quanto
é importante para a arte um bom pé na bunda.
O vocalista exibe o coração partido logo na faixa que abre Take
Fountain, a poderosa Interstate 5, que ousa unir a
porrada de Perfect Strangers do Deep Purple com orquestrações
à la Burt Bacharah. Na letra, Gedge planeja sair dirigindo pela
rodovia Interestadual 5 após um rompimento, mas pensa (como todos
sempre pensamos): "Eu preciso permanecer próximo caso ela se lembre
que estou vivo". Ele lamenta imaginar que talvez ela quisesse
apenas sexo, que ela não se lembrará mais dele no próximo ano,
que ele queria mais do que uma noite. O baterista Kari Paavola
esmaga seu kit enquanto as guitarras reverberam até o sexto minuto.
É quando, na versão estendida, surge um solo quase country alternado
com orquestrações burtbacharianas. Um porrada, mas com muito sentimento. Sensacional.
Após a tempestade épica da abertura que honra o nome Wedding Present,
Gedge volta a soar como Cinerama na maioria das faixas de Take
Fountain. "Here's the funny part, I wouldn't know where to
start / That's cos I'm always the quiet one, you've already gone",
canta o vocalista na faixa seguinte, Always The Quiet One,
que lembra o Cinerama de Va Va Voom, mas sem as orquestrações.
Já o romantismo doce de I'm From Further North Than You
chega a causar arrepios. "Eu admito que tivémos alguns
dias memoráveis, mas não foram muitos", relembra o cantor. "Eu
penso que necessitávamos mais, mas não podemos ignorar o quão
infelizes éramos", continua, finalizando: "A primeira vez que
compramos coisas pornográficas, yeah, foi um bom dia; E quando
você colocou seu biquíni vermelho, eu só podia ficar olhando fixamente;
E quando nós contamos planetas no céu, eu fui feliz: você estava
lá".
Marks Sparkles Down On Me mantém o clima de romantismo
em alta, novamente mais Cinerama do que Wedding Present. "Você
diz que quer se encontrar comigo / Mas como posso apertar sua
mão / Se já estive inteiro sobre sua pele". As guitarras marcam
presença em Ringway To Seatac, outra das grandes canções
do álbum, que fala de abandono, o amor que continua após o fim,
e ódio. Don't Touch That Dial começa arrastada, e recebe
doses maçicas de guitarradas no meio, chegando até a microfonar
nos fones. It's For You é carregada por uma linha de baixo
escancaradamente suja enquanto Larrys flagra o lamento
de Gedge chegando ao fundo do poço romântico: "Eu preciso aprender
a viver sem você". Queen Anne alterna bateria seca, riffs
de guitarra, cantar melancólico e as mesmas orquestrações do final
de Interstate 5. Para fechar, Perfect Blue flagra
o amor apaixonado por olhos azuis. "Quanto mais te tenho, mais
te quero", diz a letra.
Fins de relacionamentos sempre foram grandes parceiros da arte.
Todos nós, indistintamente, sempre tendemos a achar que
o fim de um romance é algo próximo à morte. Tirando uma pequena
dose de exagero, e de fatalismo romântico, estamos quase certos.
O fim de uma história de amor é o fim de uma vida a dois. É quando
uma alma se separa da outra e volta a caminhar sozinha contra
a "crueldade do mundo". A perda da rotina, da presença
da pessoa amada e da inevitável segurança da acomodação parece
ser o fim do mundo. Não é. Por mais que acreditemos que vamos
morrer de amor, não morremos, mas caminhamos no inferno por noites
em claro e dias no escuro. Questionamos erros. Relembramos histórias.
Refazemos o percurso por vezes e vezes. Até cansarmos, dormirmos
e acordarmos de novo para um novo dia.
Take Fountain narra esse período de lembranças, questionamentos
e inevitáveis "como é que não deu certo se nós nos amávamos?".
Apesar do amor ter sido sempre uma fonte de inspiração para David
Gedge em sua carreira, o vocalista explicou, em entrevistas, que
foi fácil escrever as letras do novo disco porque a maioria das
histórias eram sobre ele mesmo. Jason Pierce, do Spiritualized,
que viveu uma história de rompimento semelhante, também
fez da música seu remédio pessoal, chegando ao ponto de embalar
o próximo disco de sua banda (Ladies and Gentlemen We Are Floating
in Space) em cápsulas farmacêuticas, fazendo do encarte do
CD uma bula e da música um remédio para o "tratamento do coração
e da alma". Gedge apenas desenha um painel irretocável
de fim de romance. Se você quiser saber (ou relembrar; ou comparar)
o que acontece no fim de uma história de amor, Gedge conta
nas dez faixas de Take Fountain. Mas não pense que o disco
se trata de uma ode a depressão. Em uma análise mais apurada,
seu lançamento confirma que, mesmo após quase morrermos, a vida
segue em frente. E estamos prontos para sermos felizes de novo...
Ps. David Gedge já encontrou uma nova pessoa...
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"Royal Albert Hall October
10 1997 Live", do Spiritualized, por Marcelo Negromonte
Links
Casa Oficial do Cinerama
e do Weeding Present
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