Entrevista - Uakti"
por André Azenha
Foto: Divulgação /Fernando Fiúza
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05/04/2006

"O grupo brasileiro que mais gosto é o Uakti, que produz suas próprias percussões
e tem uma sonoridade própria".


A frase acima, de 1997, pertence a Stewart Copeland, eterno baterista do Police, e retrata o prestígio do grupo mineiro Uakti. Formado por Artur Andrés Ribeiro (flauta e percussão), Paulo Sérgio dos Santos (percussão e cordas), Décio de Souza Ramos (percussão e sopro) e Marco Antônio Guimarães (diretor musical e fabricador dos instrumentos), o projeto é algo que não se encaixa nos padrões musicais convencionais.

Chegando aos 28 anos de existência, o Uakti conseguiu algo praticamente inimaginável para a maioria dos artistas: são eles que fabricam os próprios instrumentos, alcançaram uma sonoridade própria, possuem uma extensa agenda de shows pelo Brasil afora; e hoje contam com um reconhecimento que vai muito além das divisas brasileiras, amparados em uma discografia que já conta com onze álbuns.

O projeto nasceu em 1978 a partir de reuniões de músicos que aconteciam na Fundação de Educação Artística de Belo Horizonte visando dar vida aos instrumentos construídos por Marco Antônio. A primeira apresentação ao vivo aconteceu em junho de 1980, no Museu de Arte da Pampulha (mesmo local que o Pato fu gravou seu "Ao vivo MTV"). Diferente do que existia na música nacional da época, a banda soou estranha ao público, como explica Décio: "Eu lembro que na época bem do início, havia uma reação até de riso de platéia. A platéia morria de rir".

Mas a guinada na carreira aconteceu após o convite de Milton Nascimento para que eles participassem do álbum Sentinela. "Fomos convidados para participar dos arranjos de algumas músicas que ele estava fazendo na época, e como era para tocar com instrumentos convencionais, com afinação convencional, houve a necessidade de mudar a afinação dos nossos instrumentos. O Marco fez uma marimba diferente com teclados de vidro, cada uma delas afinadas com um tom, com escala convencional, e além de fazer as partes harmônicas, ela faz a parte melódica. A partir daí, passamos a ter uma cara diferente", explica Ramos.

Após essa colaboração, a formação passou a contribuir com muitos outros nomes do cenário tupiniquim indo de Skank e Zélia Duncan até Maria Betânia e Ney Matogrosso; e internacional, como Paul Simon, Philip Glass (responsável pelo selo Poin-Music, de NY, que distribui os discos da turma na gringa) e o próprio Stewart Copeland. "Geralmente os músicos ficam conhecendo nosso trabalho através de alguém e nos procuram. Foi assim com o Copeland e com o Philip", comenta Paulo. O Uakti também produziu trilhas de filmes.

A originalidade e o reconhecimento conquistados fizeram com que o quarteto recebesse do Ministério da Cultura, em 1996, o prêmio de Melhor Grupo de Música. "Esse tipo de premiação sempre faz com que haja uma maior procura por shows", lembra Décio. Eles já excursionaram pelos EUA, Europa e Japão. "Todos os anos tocamos fora", diz o percussionista.

Os instrumentos construídos por Marco Antônio Guimarães são feitos dos mais diversos materiais. São utilizados vidros, tubos de PVC, pedaços de madeira, pedra e até água. O diretor-musical aprendeu a fazê-los com seu professor Stemak, quando ainda morava em Salvador. Ao vivo, os músicos produzem um som que lembra desde rios e animais, a ruídos de uma cidade, variando em tons e texturas. As músicas duram geralmente uns dez minutos - ou mais - e a platéia mantém a atenção.

Mesmo sendo um trabalho diferente do que é feito por aí, a estranheza da música criada pela formação poderia soar repetitiva. "Não nos preocupamos com a repetição. Acho que isso é mais para os artistas pop, que são efêmeros. O sucesso é muito rápido e logo pode cair no esquecimento como um É o Tchan. Nós sempre soamos inéditos para o público", analisa Paulo.

Guimarães batizou o projeto com o nome de Uakti após ter conhecido a lenda do herói dos índios Tukano, do rio Tiquiê (afluente do Alto Rio Negro), que se chamava assim, e que tinha um corpo aberto em buracos. O vento, ao passar pelo seu corpo, como diz a história, criava sons lúgubres e soturnos. E no local onde foi enterrado, depois de ter sido morto e capturado por violar as mulheres, foram plantadas três palmeiras altas, para que passassem a guardar o espírito do herói. Desde então, os instrumentos de Uakti são feitos do caule dessas palmeiras e produzem sons que lembram o barulho do vento ao atravessar-lhe o corpo.

Com onze álbuns lançados no Brasil e lá fora - e a idéia de produzir mais um disco que deve sair ainda esse ano, o principal projeto para 2006 é a gravação de um DVD. "O que o nosso público mais nos cobra é o DVD, nosso registro ao vivo. A gravação deve ser esse ano e acontecerá provavelmente em Belo Horizonte, que é a nossa casa", lembra Paulo. O Uakti é um exemplo de arte independente que conquistou respeito e reconhecimento, com originalidade e perseverança, que não precisou seguir os moldes da indústria musical.


Site Oficial do Uakti