Entrevista - The Vain
por Leonardo Vinhas
Foto: Divulgação
lvinhas1@yahoo.com.br
07/03/2005

Uma série de curiosidades anedóticas fulguram na biografia do The Vain: três dos seis integrantes têm o mesmo nome, o baterista é filho do compositor de A Festa de Santo Reis (famosa na voz de Tim Maia), sua base de operações é a terra que deu ao mundo Hebe Camargo e Monteiro Lobato (Taubaté) e, espiritual e visualmente, o vocalista parece uma mistura de Mike Mills (baixista do R.E.M.) com Sérgio Mallandro.

Esgotadas as piadinhas e a vontade do jornalista de ser cretino, sobra o trabalho da banda. E Vanilla Vane, EP de quatro faixas lançado esse ano, atesta a qualidade que há tempos é enaltecida por bandas, promotores e espectadores de shows do Vale do Paraíba e região. Wellington Dias, proprietário do selo-zine Gramophone Multimídia, diz que o grupo "progride dia-a-dia, tem princípios e é muito profissional, traçando metas e sempre procurando outras maiores após conquistarem as primeiras". Seus conterrâneos do Seamus os elegem como melhor show dentre as bandas locais. Até os Forgotten Boys, para quem o Vain abriu em uma de suas primeiras apresentações, já se rasgaram em elogios aos moleques (entre 17 e 20 anos).

O que há de tão especial no The Vain? Acima de tudo, sua energia. Sei que isso soa um tanto vago, mas não há em uma única composição deles qualquer indício de frouxidão. Mesmo na power ballad Umbrella (que ficou de fora do EP porque o vocalista Bruno Bottossi não decorou a letra que ele próprio escreveu) há uma garra perceptível à primeira audição, amparada por um gancho melódico que a transforma em hit instantâneo - não um sucessinho de bares abafados, mas algo digno de ser tema da novela das oito.

Outro fator de destaque é sua "inclassificabilidade". Pegue Age of Pisces, que encerra Vanilla Vane e, juntamente com Umbrella, é incessantemente pedida e aguardada nos shows: seria ela um mambo? Há quem diga que sim. Outros a definem como uma salsa roqueira. Bottossi jura que é um baião, encontrando concordâncias e discordâncias entre seus companheiros. Esse ouvinte e articulista acha que é o mais perto que chega do Radiohead tocando um mambo. E não há quem não goste dela.

Ao vivo, esses dois fatores somam-se, multiplicam-se, copulam entre si e resultam num show empolgante, divertidíssimo, quase performático - não fosse nada ensaiado ou mesmo combinado previamente. Tudo - as dancinhas instantaneamente coreografadas de Bottossi e do tecladista Fábio Gagliotti, os brinquedinhos à guisa de percussão, as caras, bocas & solos do guitarrista Fábio Andrade, as viradas constantes do baterista Lourenço Jeans, que se levanta da banqueta a toda hora; os movimentos totalmente assíncronos e desembestados do baixista Julio Cavalcante e do guitarrista Fábio Figueira - acontece na hora, sem roteiro e cada vez de um jeito diferente.

Abriram para o Nada Surf e não foram poucos os que disseram que ficaram no empate com os gringos. Ganharam destaque na segunda edição do Festival Sinfonia de Cães, em meio a outras 21 (!) bandas. Agremiam novos fãs a cada apresentação, mesmo entre o entediado e aborrecido público taubateano, que costuma ser o pior possível quando se trata uma banda não-consagrada tocando material próprio (toque covers do repertório da Jovem Pan e ganhe muitos aplausos).

A esbórnia melódica do The Vain não encontra tradução fácil, mas merece as tentativas de fazê-lo. Como deveria ser da praxe jornalística, a voz é dada a quem sabe falar. É Bruno Bottossi quem conversa com o S&Y para aguçar as percepções de ouvintes antigos ou em potencial.


Como você definiria o som do The Vain?
Desde que começamos com a banda dois anos atrás, nossa proposta era estar sempre progredindo, evoluindo. Quem acompanhou nossa primeira fase sabe o quanto éramos dispersos em nossas composições, cada música era uma coisa. Atualmente, tentamos manter um padrão, uma sonoridade que faça com que qualquer pessoa que escute qualquer música saiba que é o The Vain que está rolando. Sinceramente… não conseguimos.

Então definimos nosso som como uma nova oportunidade ao pop underground, ao mesmo tempo em que somos uma banda ultra-rock, e em dados momentos sabemos usar nosso mel. Pode parecer confuso, mas quem tem acompanhado sabe que pelo menos a nossa posição sobre a "constante evolução" está sendo cumprida. Mas o que mais costuma agradar é o fato de não estarmos presos a uma constante (por isso a desistência de um padrão ideal), temos muita influência de bandas inglesas e do grunge americano, mas quem vai ao show se depara com um baião, com um funk e também com um estouro psicodélico, por isso o termo "ROCK" define bem a proposta da banda.

Vocês têm uma primeira demo, chamada Rock'n'Roll, que vocês renegam.
Dá para explicar essa história?

O fato é que nós não renegamos este EP. Para um primeiro registro, acreditamos que o resultado tenha sido satisfatório, ele demonstra bem essa nossa discrepância musical. Mas como costumo dizer: se eu ouvir e não me sentir satisfeito, eu não vendo. E eu não estou satisfeito com o que eu fiz, então por esse motivo acabamos criando este isolamento. O Rock'n'Roll possui boas composições, músicas das quais realmente gostamos, mas que atualmente não seriam cabíveis pra efeito de divulgação. Provavelmente, nos dias vindouros, lançaremos um Rock'n'roll 2.0. Mas pra quem se interessar, estamos lançando aos poucos as faixas do EP no Tramavirtual. Mas lembro: o Rock'n'Roll é o período cenozóico da banda!

Esse novo EP, Vanilla Vane, é bem melhor produzido. Como foi a produção desse disco?
A primeira diferença entre ele e o Rock’n’Roll fica no estúdio. Gravamos Vanilla Vane num ambiente calmo e de confiança. Este EP foi gravado no estúdio Hocus Pocus em São José dos Campos, e o responsável pela masterização e mixagem foi o Marcelo D'Angelo, da banda Elegia – então, sabíamos que, no mínimo, teria uma puta qualidade de som (nota: Dangelo já produziu – e bem – Zumbis do Espaço e o próprio Elegia). A segunda diferença: a banda estava muito mais preparada para as gravações, talvez pelas experiências anteriores com gravações e até porque todos os músicos da banda foram estudar um pouco [de música]. Bem, o resultado, pra nós, está muito mais do que satisfatório: é um trabalho do qual nos orgulhamos muito, por isso todo o cuidado. Terceira diferença: pra ele selecionamos nossas quatro músicas mais conhecidas, de maneira que ele fosse facilmente reconhecível, e claro, que proporcionasse uma boa degustação a toda a clientela. Basicamente foram estes três pontos que fizeram a diferença, é um puta registro nosso.

Me parece que, no caso do Vanilla Vane, muita gente elogia mas poucos compram.
Por que, na sua opinião, isso acontece?

Porque não temos CDs à venda. Sério. A banda, em toda a sua afinidade pela preguiça, popular entre os membros, acabou se tornando meio anti-mídia, por esse motivo acabamos nos tornando relaxados quanto à preocupação com a divulgação dos EPs, dos shows e do site. Mas agora estamos nos empenhando novamente pra iniciar uma divulgação capaz de tirar o atraso, temos alguns planos de marketing para a venda desses CDs. Mas são secretos...(risos).

Os shows de vocês são bem divertidos, até meio anárquicos.
É algo espontâneo ou entra já como uma idéia pré-concebida?

Assim como César aplicava a política do teatro e do pão para agradar ao seu povo, nós aplicamos a política do rock pro povão. Somos seis rapazes de classe média, filhos de pais que se esforçaram para ter o que têm e nos sentimos na obrigação de levar ao povo a felicidade merecida. Somos uma banda bem comum, sempre aos fins dos shows você vai encontrar alguém da banda conversando com alguém do público e por aí vai. Essa nossa energia sobre o palco não é pré-concebida (tudo bem, Crystal do New Order tem uma certa influência), o que acontece é que nós resolvemos curtir os shows - já que não podemos nos assistir, aproveitamos do mesmo jeito. Gostamos de dançar, fazer performances "rock" e tudo o mais, e dessa maneira a gente acaba passando ao público uma imagem carismática de banda "do bem". Atualmente estamos pregando o slogan "DO POVO, COM O POVO E PARA O POVO" para definir nossas intenções, daí você já pode nos imaginar invadindo o público, tirando garotas pra dançar e curtindo a vida adoidado.

A entrada de um tecladista mudou a concepção do som da banda, ou o teclado só está ali para fazer intervenções, sem participar direto da composição?
A princípio, o teclado faria apenas intervenções, mas a "química" rolou legal, e a intenção é que ele continue fazendo as intervenções, porém participando direto das composições. Inclusive já estamos compondo coisas com base em teclados. O Fábio Gagliotti adicionou muito à banda, ele deu um gás num momento em que estávamos precisando de motivação. Ele conseguiu pegar direitinho o jeito The Vain de compor e de se comportar, temos atitudes parecidas no palco e tudo isso faz com que o som se torne cada vez mais completo, como pode ser visto nos shows. Com essa adição a banda se torna capaz de voar mais longe, de compor mais livremente e de dar um passo maior na direção da tão desejada "musicalidade perfeita".

Apesar da descontração, os arranjos de vocês são muito bem cuidados.
Quem cuida do que na banda?

A banda é uma putaria. Cada um é responsável por sua parte, compomos os arranjos juntos. Há um tempo atrás, o Fabio Figueira aparecia com as bases e em cima delas montávamos as músicas. Hoje em dia, as composições se dão de uma maneira pouco convencional. É o seguinte: durante um ensaio a gente pára, senta e pensa, então cada um começa a expor suas idéias, daí pegamos o que surge de melhor e juntamos tudo e a partir disso surgem as músicas. As letras são compostas sem muita enrolação também. Eu já deixo os títulos preparados e vejo o qual combina melhor com a música e a partir daí a letra surge. Os copyrights dos solos são todos do Fábio Andrade, ele é o responsável pelos "barulhinhos". A base de baixo que o Julio faz também se aproveita de toda a influência que o rapaz tem, indo do grunge ao mangue beat, e a bateria é levada com força pelo Lourenço, um dos únicos capazes de por uma batida legal naquelas músicas, tendo em vista o caos em que são compostas.

O que o futuro próximo reserva para The Vain?
Segredo.


Resenha
Vanilla Vane
- The Vain
por Leonardo Vinhas

Você não ainda ouviu? A vida é curta. Seus shows fazem qualquer um se sentir vivo e logram no mais tímido mortal a vontade de subir num palco. Além disso, nunca faltam belas e jovens garotas na platéia. E em disco, contrariando a maioria, eles conseguem manter o mesmo pique. Vanilla Vane é tudo que a demo Rock'n'Roll não foi: pesado, enérgico, marcante. Só faltam os populismos e traquinagens de palco.

Despidas da anarquia cênica, as canções do The Vain fazem mais que sobreviver. Mostram que têm vida própria e dão motivos para sorrir àqueles que desde o começo (lá em 2002) sonhavam com um registro à altura da banda.

Você já leu sobre Age Of Pisces na introdução dessa matéria. Qualquer coisa a mais é hipérbole, e de hypes estamos cheios. Grande música. Honey'n'Salt Don't Get Together está no mesmo nível, apesar de pertencer a um ramo pop mais "britânico". Handscreen Rainbow é a coisa mais "rock", no sentido comum do termo, e Shampoo, única que constava em Rock'n'Roll, é new wave oitentista, bubblegum noventista e rock rápido & atemporal, tudo em uma música só.

Mais faixas estão sendo gravadas (a ótima Jackets and Coats já está no Trama Virtual) e o álbum deve sair ano que vem, se Deus quiser e a banda tiver dinheiro. Até que isso aconteça, a esperança é que os shows sejam cada vez mais freqüentes e melhores. Eu acredito. Quem os viu abrindo timidamente (mas com vontade) para os Forgotten Boys naquele longínquo 2002 sabe que eles evoluem aos saltos. E não bastasse isso, atraem cada vez mais mulheres para a platéia. Já cantava o Ultraje a Rigor, antes de alguns deles nascerem, que é isso que faz de alguém um roqueiro. Vai saber. O que se sabe é que essa combinação de talento + libido potencial (a timidez continua...) sempre rendeu grandes músicas e ótimas festas. E a vida passa depressa...

Links
Site Oficial The Vain
Fotolog The Vain
The Vain no Trama Virtual