"A Bigger Bang", Rolling Stones
por Marcelo Costa
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21/09/2005

É difícil pra caralho levar os Stones à sério nos dias de hoje. Sempre que penso neles, lembro de Mick Jagger fazendo biquinho e rebolando, as cópias dos Beatles seis meses depois, o álbum Undercover, a pose moribunda de Keith Richards (que já injetou na veia mais do que todo o novo rock), as brigas intermináves via imprensa mundial e Luciana Gimenez. OK, desculpa, o último item é trabalho solo de Mick Jagger, mas como dissociar um Stone da banda se eles estão ai há 40 anos, e o rock tem 50?

No entanto, não há como culpar a banda por sobreviver tanto. Primeiro, porque enganar o público deve ser divertido. Segundo: vá descobrir alguma coisa útil nos integrantes da banda que não seja tocar nos Stones. Eu duvido que Keith Richards saiba fazer outra coisa além de tocar. Ok, Ron Wood pinta, e é um péssimo pintor, vamos combinar. E Jagger atua de vez em quando. Mas a força motriz dos quatro (incluindo o vovô Charlie Watts, 64 anos nas costas) é tocar em uma das maiores bandas de rock de todos os tempos.

Críticos maletas sempre olham com desdêm um novo disco do grupo enquanto dizem: "Quer conhecer os Stones? Ouça Exile on Main Street." Bobagem, bobagem, bobagem. Primeiro, porque se você está lendo isto aqui, já deve ter ouvido não só o Exile, como também, no mínimo, Sticky Fingers, Let It Bleed e Beggar's Banquet. Segundo, porque a música pop, tal qual a conhecemos hoje em dia, foi inventada por algum mané na década de 60 e desenvolvida pelos Stones nas cinco décadas seguintes (tudo que as bandinhas novas vivem fazendo - de prisões a micos até grandes canções - já foi feito por eles antes, e em épocas muito mais perigosas). Terceiro: porque A Bigger Bang, primeiro CD de inéditas dos Stones em oito anos e sei lá que número na carreira deles, é um discaço de causar inveja em muito moleque.

A década de 90 só viu dois álbuns de inéditas stonianos: o matador Voodoo Lounge (1994) e o mediano Bridges To Babylon (1997). Este A Bigger Bang não é tão bom quanto Voodoo, mas bate de longe o Bridges To Babylon. Também bate os ótimos Steel Wheels (1989), Tatoo You (1981) e Some Girls (1978) e encara de frente - mas perde por pontos para - os clássicos setentistas pós Exile On Main Street: Goat's Head Soup (1973), It's Only Rock'n'Roll (1974) e Black and Blue (1976). A Bigger Bang é uma coleção de rocks básicos, ora apoiados no r&b, ora no blues, ora no funk, ora no soul. É um passeio por tudo aquilo que fez dos Stones o que eles são hoje. Porém, o maior destaque do disco é sua produção impecável. A bateria do vovô Charlie, em rocks furiosos como Rough Justice - em que Jagger promete não partir o coração de sua garota - nada deve a qualquer moleque dessas novas bandas escolhidas pela NME. Jagger canta com vontade enquanto Keith parece tocar os mesmos riffs de sempre com precisão e genialidade, sob o olhar aprovador do escudeiro Ron Wood e as linhas de baixo do excelente Darryl Jones.

O único problema real de A Bigger Bang é ser loooooongo demais. Na boa, Jagger e Richards podiam ter cravado onze canções matadoras agora e terem guardado cinco para um novo álbum daqui uns três anos. No entanto, dezesseis canções no disquinho em mais de 64 minutos de rock stoniano é para pedir água (será que eles ainda topam um uísquinho?). Mesmo assim, dá sossegado para apontar oito canções fodaças no disco, no mínimo. Seja a comentada porrada de abertura, Rough Justice, seja o roquinho delicioso Let Me Down Slow (com Charlie dando show de técnica e destacando a linha de baixo de Darryl Jones, que acompanha os Stones desde Voodoo), o riff seco de I Wont Take Long, a malemolência (como diria Jonas Lopes) da matadora Rain Fall Down (com riff que une INXS com Franz Ferdinand e que metade das novas bandas dariam a vida para ter escrito) ou a levada "romântica" de Streets Of Love. Quer saber uma coisa: essas são as cinco primeiras faixas. Até tentei descartar alguma delas, mas não deu.

No rol das grandes canções de A Bigger Bang ainda dá para incluir o bluezaço do delta do Mississipi Back Of My Hand, com Jagger arrasando na harmônica, a pop rock ballad Biggest Mistake e This Place Is Empty, momento em que Keith exibe seu vocal rouco e toca violão, piano e baixo em uma letra deliciosamente constrangedora que diz: "ora, vamos, docinho, desnude seus melões e me faça sentir em casa novamente". Lembre-se: Keith tem 61 anos. Para quem gosta de uma polêmica, o álbum ainda traz Sweet Neo Com, direcionada a George W. Bush: "Você chama a si de cristão, eu te chamo de hipócrita / Você se declara patriota, bem, eu acho que você está cheio de merda". A música, funkeada, revisita a fase Black and Blue.

A Bigger Bang é um trabalho coeso, fudidamente bem gravado e produzido, e, por que não, inspirado e juvenil. Costumo estranhar quando alguém diz que rock é coisa de moleque - talvez porque esteja ficando velho - e tome essa frase como base para desancar bandas como os Stones. Porque os Stones fazem parte de tudo isso que se convencionou chamar de rock. Dá até para achar riffs de Keith Richards em centenas de músicas lançadas todos os dias. Sem contar, que mesmo quando canta em falsete, como em Laugh I Nearly Died, Jagger está há quilômetros de distância da choradeira que contamina metade do rock britânico pós-Radiohead. Na boa, tanto nas letras "românticas" quanto nas "políticas", os Stones vão direto na veia.

Mais do que tudo isso, todavia, o que mais incomoda é a falta de análise da crítica quanto a mudança do estado das coisas com o decorrer dos anos. Não tinha muita coisa para um garoto pobre fazer nas ruas de Londres na década de 60 além de entrar em uma banda de rock. Hoje em dia, o rock mainstream é marketing, produto de gravadora, orgulho da família, e deixou de ser rebelde para ser uma forma de se ganhar seu "primeiro milhão de dólares". Um moleque empunhar um instrumento hoje em dia não agride ninguém, ao contrário. Já um vovô rebolando no palco, sim. Os tempos mudaram, não?

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