"Zeitgeist", Smashing Pumpkins
por Marcelo Costa
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26/07/2007

Um dos maiores riscos a que um apaixonado por música pode passar com o decorrer dos anos é a elitização de seu gosto. A pessoa acha que já ouviu tudo, encontra seu nicho pessoal, e começa a atirar farpas para todos os outros lados que não sejam o seu. Ela acredita, do alto de seu conhecimento adquirido, que ouve a melhor música, e que todo o resto (e quase sempre o rock) não passa de grande porcaria. Acontece muito, assim como também acontece o contrário: jovens que transpiram testosterona e se acham os donos da verdade com seus conhecimentos limitados amparados pelo "não gosto disso" sem argumentação. São duas atitudes validas, mas que escorregam em suas próprias ranhetices (racionais ou irracionais).

"Zeitgeist", primeiro álbum do Smashing Pumpkins em sete anos, chegou aos meus alto-falantes em uma manhã de domingo, e bateu de frente com meu elitismo, mal-acostumado que estava com os arranjos inteligentes do Polyphonic Spree. O careca Billy Corgan chutou a porta do som, enfileirou riffs portentosos de metal, jogou sua voz de taquara por cima do barulho, e transformou o retorno de sua banda (dele, e ninguém que ouse tentar roubar-lhe) na maior epopéia do rock burro em 2007. Não compreendi. Passei o ouvido em algumas faixas, franzi a testa, e aposentei a pasta de MP3 em algum lugar do computador sem dó nem pena. O Smashing Pumpkins não tinha mais nada para me dizer.

Uma pequena pausa para descansar os ouvidos do mundo no alto da Cordilheira dos Andes, e quando volto, mais calmo e de coração aberto para novos sons, encontro a pastinha dos Pumpkins intacta. Abro e cada MP3 que surge parece esbofetear o meu gosto musical pretensamente elitista: "Zeitgeist" é um corajoso álbum de retorno que deixa de lado a fase grandiosa, inteligente e grandiloqüente dos Pumpkins (os clássicos "Siamese Dream", 1993, e "Mellon Colie And Infine Sadness", 1995) para abraçar – e não largar – o rock burro de guitarras altas sem muito polimento. Da faixa de abertura, o atropelo "Doomsday Clock", até o encerramento, com a climática "Pomp and Circumstances" (uma das poucas no álbum a namorar climas), os Pumpkins ostentam a coroa dos reis do barulho.

Quando lançou seu confuso álbum solo, Billy Corgan deve ter pensado que estava enterrando a sete palmos do chão da história da música pop seus anos de esmagador de abóboras. O fracasso solo, porém, foi retumbante. E é preciso ter muita cara de pau para se reerguer diante de uma derrocada pessoal, recuperar um dos grandes nomes do rock mundial na década de 90 chutando para fora da formação o guitarrista James Iha e a baixista D'Arcy (mas colocando em seus lugares quase sósias), e mantendo na banda apenas o parceiro mão pesada Jimmy Chamberlin nas baquetas. Com pose de dono do mundo, Corgan assume o Smashing Pumpkins como seu, e tenta deixar o mundo surdo com guitarras afiadas.

Em termos de barulho, antes que você o faça, adianto que não há como comparar os Pumpkins com o Queens of The Stone Age. Mesmo não sendo um álbum perfeito, "Era Vulgaris", novo CD do combo comandado por Josh Homme, exibe mais daquilo que transformou o QOTSA nos reis do inferno no mundo atual: barulho, mas com charme; porrada, mas com detalhes. Homme faz de seu inferno de barulho uma viagem por paisagens sonoras. O QOTSA bate com violência, mas o faz de uma maneira primorosamente artística, se é que você me entende. Billy Corgan vai por outro lado. Ele desenha riffs na atmosfera sem detalhes. É tudo na cara, sem romance, sem charme, sem perdão. A opção funciona em um mundo que pode lhe atropelar na faixa de pedestres em pleno sinal vermelho, mas quem se acostumou com a voz de Corgan irá sentir falta do apuro melódico e dos arranjos suntuosos vistos em outras eras smashingpumpkianas. O passado condena é uma frase que parece saltar aos ouvidos a cada segundo executado de "Zeitgeist".

Movida por camadas de distorção, "Doomsday Clock" abre o álbum como se um um prédio estivesse caindo, e cita Kafka ao versar sobre o desconforto dos dias que vivemos; o desespero do mundo moderno continua em "7 Shades of Black", faixa fraquinha que vem na seqüência; em "Bleeding the Orchid", a dramaticidade dos vocais enchem um pouco o saco, mas há um interessante break no final da canção que quase nos salva do purgatório; "That's the Way (My Love Is)" faz sentir saudade do velho Smashing com seu refrão romântico e suas guitarras comportadas afundadas na mixagem; o primeiro single, "Tarantula", é disparada a melhor canção do disco, com seu riff sujo na cara e sua letra direta e esperta.

Em "Starz", o teclado se faz ouvir enquanto Corgan repete: "Nós somos estrelas"; os nove minutos de "United States" são amplamente dispensáveis; a guitarra só descansa, de verdade, na abertura de "Neverlost", faixa 8, bonitinha e ordinária; "Bring the Light" é outra faixa medianamente boa; e "For God and Country" e "Pomp and Circumstances" fecham o álbum estranhamente, uma mais eletrônica, outra mais climática, em total falta de sintonia com a primeira parte do disco (sem contar "Zeitgeist", faixa título que ficou de fora da versão final, e que é uma das melhores composições da nova safra do careca, e que surge como bônus em uma das várias versões do disco, e é essencialmente... acústica, com violões e tudo – aliás, "Stellar", outra boa faixa, ficou também como lado B). A rigor, Billy Corgan começa o álbum de um jeito e termina de outro, e no meio dessa indefinição se sobressai o barulho, sua paixão pelo rock burro.

É injusto, eu sei, mas comparar é preciso, e em termos de comparação, "Zeitgeist" é o ponto mais baixo da carreira dos Pumpkins; uma das grandes bandas do rock nos anos 90, os Pumpkins parecem um zumbi caminhando sobre uma terra de mortos, o que parece soar proposital. Em seu retorno no diálogo com as massas (depois da chafurdada carreira solo), Billy Corgan parece não querer se relacionar com seu público de quase quinze anos atrás. Ele parece mais interessado na molecada gótica apaixonada por barulho, e que transformou bandas como Linkin Park, Deftones e Korn em grandes nomes do rock nos anos 00.

Imagino que você, assim como eu, torça o nariz para as bandas citadas acima, mas sempre lembro de uma aula na faculdade, em que o professor analisava uma propaganda de sabão em pó, e finalizava seu pensamento sobre o desinteresse de todos os alunos com a frase: "vocês não são o público alvo dessa propaganda". E talvez seja isso mesmo: Billy Corgan não quer falar com quem o ouvia quinze anos atrás, e por isso fez um disco de rock burro para afastar os fãs de "Tonight, Tonight" e "Disarm". Se você é um desses fãs, tente ouvir "Zeitgeist" com o distanciamento necessário. Não é um dos grandes discos do ano (acho que não vai entrar nem num Top 100), mas é um ótimo exercício de deselitismo. É pouco, eu sei, mas basta para mim (por enquanto, por enquanto). E para você, leitor?