Entrevista - Safari Hamburguers
por André Azenha
Blog
02/09/2007

Em 1993 um álbum chamado "Good Times" chamou a atenção da cena hardcore brasileira. Treze faixas do melhor HC Old School com diversas influências que iam de Bad Brains a Fugazi, no mesmo nível do que era feito lá fora. Tratava-se do único disco da banda santista Safari Hamburguers. Lançado em vinil, a obra acabou virando relíquia, pois o grupo encerrou atividades em 1997 e tudo levava a crer que ficaria apenas na lembrança de quem freqüentou a cena naquele período. Mas em 2006, o Safari voltou reformulado, com o experiente vocalista Porto, o remanescente da formação original Antônio Atibaia (guitarra), Diogo (baixo), Higor (guitarra) e Fábio Pupo (bateria) - Porto e Atibaia já tocaram em outra banda bastante respeitada no circuito, a também decana White Frogs.

Após shows incendiários e muitos ensaios, começaram a pintar novas composições. Para isso, teve papel importante Zé Flávio, figura tarimbada da cena santista, membro fundador do próprio Safari, Psychic Possessor e tantas outras formações, que participou ativamente na criação de algumas faixas de "Who’s Your Enemy Anyay?", primeiro trabalho autoral do grupo após quatorze anos, que destila em pouco mais de dezesseis minutos todo o arsenal de influências através de porradas no talo com letras diretas cantadas/berradas em inglês.

São sete inéditas e mais a regravação de "Shelter of a Fool", presente anteriormente na coletânea "No Major Babes Vol.1". Só a faixa de abertura, "Screaming For A Peace", já vale o investimento, mandando seu recado de forma avassaladora. Outras pérolas como "Green Card", "Shelter Of A Foul", "Revolution" e "World Without Direction" seguem o mesmo caminho e garantem o pogo do fim de semana. Não há novidade no som do quarteto, mas sim o que de melhor pode se esperar de uma banda de hardcore acostumada a cachês irrisórios (quando rolam) e completamente se cagando para o esquemão de grande gravadoras, afundadas no próprio buraco que criaram. O negócio dos santistas é outro: honestidade, raça, velocidade e volume máximo, como sempre deveria ser.

Para deleite dos fãs, o CD inclui como bônus todas as faixas de "Good Times". Destaque para a ótima capa (feita por Atibaia), com tanques de guerra enfileirados, e o encarte que contém todas as letras de ambos os álbuns – ao virar o encarte de ponta cabeça, encontra-se no outro lado a capa do antigo LP. Enquanto bandecas utilizam a alcunha “HC” sem conhecimento de causa, o Safari segue na ponta do gênero no país, dando um chute na bunda de emos e afins. Em entrevista exclusiva, o guitarrista Antônio Atibaia fala do novo CD e do clássico LP, comenta a cena hardcore, como é manter uma banda fora do esquemão e muito mais. Abaixo, o papo obrigatório. Leia!

O Safari se reuniu ano passado com novos integrantes. Você que foi da primeira formação pode comentar qual a diferença do Safari atual para o da época do "Good Times"?
Em termos de som eu acho que não muda muito coisa. É o bom e velho hardcore da velha guarda, acho que atualizado e mais bem tocado. Evoluímos com o tempo e acho que isso reflete no som da banda, mas quem gostou do "Good Times" vai absorver bem as novas músicas.

Como foi o processo para essa volta. Qual o papel do Zé Flávio para essa reunião e porque ele, que fundou o grupo e participou de composições do novo CD, não está com a banda?
Já tínhamos tentado uma reunião antes, chegamos a fazer alguns ensaios, mas pela dificuldade abandonamos a idéia. Era uma formação mais próxima da que deveria ser com o Jota no baixo o Zé Flavio e eu nas guitarras, o Fabio (Paura) nos vocais, já que o Farofa já estava no Garage Fuzz, e o Fred na bateria. Depois eu tentei mais uma vez, mas a dificuldade foi a mesma, uns já tocando com banda, outros com família e filhos. Desencanei de vez e achei melhor deixar pra lá. Eu estava sem tocar com banda, um dia fui para o estúdio fazer uma brincadeira com um pessoal, chegando lá estavam o Fred (da banda Sociedade Armada) na bateria e o Porto nos vocais, além do Diogo no baixo, então levei a coisa mais a sério. Nos ensaios já estávamos tocando algumas músicas do SH. Estávamos pensando em mais um guitarrista e veio o nome do Zé Flavio. Fui falar com ele, mas ele não poderia assumir um compromisso com a banda, sabendo que não poderia dar o máximo devido à família e o trabalho. Então surgiu a idéia de voltar a banda, mesmo que fosse com uma formação quase toda diferente, apenas eu como um dos fundadores, e ele foi o incentivador da idéia. Mas de vez em quando o Zé aparece para tocar um som com a gente no estúdio. Afinal, ninguém é de ferro.

A produção do CD foi custeada pelo grupo? Qual o papel da Cogumelo Records nesse lançamento?
Não, todos os custos foram da gravadora, que estão apostando nesse novo trabalho da banda, e deram liberdade de gravar no estúdio que a banda escolheu, nesse caso foi o NoName em Santos. Com eles (pessoal da gravadora) sempre foi tranqüilo, o que foi combinado foi cumprido. Esperamos poder dar o retorno que eleS esperam da banda e estamos trabalhando para que isso aconteça.

Gostei muito do encarte. Quem foi o responsável pela idéia de colocar tanques de guerra na capa? O que vocês quiseram dizer com o título do álbum, que pode ser interpretado de várias formas?
Durante a gravação do CD começamos a pensar na capa e no nome do CD, várias idéias foram surgindo e eu, como desenho e tenho uma empresa de criação, fiquei encarregado de desenhar a capa. Após alguns dias indo por um caminho, essa idéia veio de repente e logo em seguida, o nome. Levei no dia seguinte para o estúdio e a aprovação foi unânime, apesar de ter fugido completamente do que vínhamos desenvolvendo. Exatamente, a idéia é essa, cada um pode interpretar seus "inimigos" à sua maneira, seja ele qual for.

Você diria que o disco é político ou simplesmente sobre o ser humano?
Os dois temas são sempre abordados pela banda. Não tem como ficar à margem da política com o que vem sendo feito pelas quadrilhas de políticos. Esse é o ponto. Essas bandas mais populares tinham que pegar pesado e contribuir para a demonstração de descontentamento que cada vez mais vem aumentando com relação ao modo que se faz política no Brasil. Ou será que eles estão satisfeitos com tudo o que vem acontecendo? Bom, pode ser que nem saibam e quando perceberem já será tarde demais, mas ai é assunto para outra conversa.

Não houve o receio, ao adicionar um bônus com o "Good Times" no CD novo, de que surgissem comparações das músicas antigas com as novas? Houve a preocupação de tentar não se repetir?
Não. Esse é um projeto da Cogumelo, relançar velhos LP’s do catálogo da gravadora. Quando o pessoal entrou em contato com a banda, eles pediram mais algum material inédito para adicionar no CD. Consegui com o ET (da banda Mussarelas) uma fita K-7 com o show do Junta Tribo, festival que repercutiu muito e que aconteceu em Campinas no ano de 1993, e na época foi gravado da mesa de som, vale pelo registro. Então teríamos o "Good Times" e um show ao vivo de bônus. Depois nós sugerimos lançar um CD novo, já que a banda já estava reunida e ensaiando, e colocar o LP como bônus. Eles aceitaram a idéia, pois seria muito mais interessante para a banda e a gravadora.

Hardcore precisa ser panfletário? Qual sua opinião sobre bandas que levantam a bandeira HC, mas escrevem letras de amor? O que você acha do emocore?
Eu vejo o Punk e Hardcore como meios de protesto, já que os punks se propõem a isso, questionar, etc. Não vejo nada demais em escrever letras de amor, os Ramones já fizeram isso, assim como outras bandas. Mas eu não acho produtivo uma banda de Punk/Hardcore perder tempo com isso. O que me interessa se a “muié” não ligou pro cara e ele está chorando ao lado do telefone? O Brasil está cheio de temas para serem explorados de bandeja e os caras perdem tempo com isso. Mas talvez seja isso que o público deseje ouvir; afinal, eles estão aí na mídia, firmes e fortes, assim com já tiveram uma vez o Twister, Polegar, KLB, etc. As letras devem refletir a energia das músicas, mas eu não sou referência para ninguém, pois cada um tem a liberdade de fazer como achar melhor. Mas é minha opinião, eu não tenho saco pra ouvir isso. Essa massificação e rotulação da mídia burra com o que resolveram chamar de emo... Só contribuem para a desinformação dessa nova geração, que agora se preocupa mais com a aparência do que com o conteúdo. Eu não acho nada porque isso não faz parte da minha vida, mas gostaria de ver um desses moleques com 25 anos, 40 anos.

Como tem sido a recepção de "Who Is Your Enemy Anyway"?
Muito boa, só tem loUco nesse mundo (risos). Ainda estamos na fase de divulgação da banda e do CD, mandando para as revistas, fanzines, rádios e sites, que hoje em dia são fundamentais. Estamos aguardando as críticas e sempre estamos interessados nas opiniões de quem já ouviu os novos sons. Não sabia que a banda tinha tantos amigos, até agora só critica boa (risos).

Por quê a regravação de apenas uma música específica?
Essa música foi lançada na coletânea "No Major Babes" e foi muito mal gravada, ficou muito diferente do que deveria ser, por inexperiência nossa mesmo. Como é uma música que gostamos muito, ela merecia uma gravação melhor, e foi o que fizemos, ou tentamos fazer.

A banda vem fazendo shows?
Sim, temos feitos alguns shows e pretendemos fazer outros ainda, quem quiser levar a banda para sua cidade é só entrar em contato, é bom e barato.

Como é fazer parte de uma banda hardcore brasileira... Quais as dificuldades, as recompensas? Todos têm emprego além da música?
Essa é uma pergunta que eu sempre quis responder, mas nunca me fizeram antes. Para nós sempre é divertido no sentido que não levamos isso como profissão; então estamos sempre aproveitando independente de qualquer coisa. Conforme o tempo passa, pequenas coisas que te incomodavam no passado, hoje em dia não têm o menor valor e rimos muito quando encontramos situações banais em que as pessoas se preocupam tanto. Nós não somos músicos, não vivemos de música, todos temos nossos trabalhos e profissões, então não dependemos da banda para nada, apenas para nossa diversão e como escape da tensão que é viver sob a cultura da impunidade que vivemos hoje em dia.

Você fez parte do White Frogs, outra banda conhecida do cenário. Como você analisa o cenário HC atualmente? Quais bandas valem à pena? E quais não honram o HC?
Fiz depois que o SH resolveu parar, porque já não vinha mais sendo divertido fazer aquilo e fui convidado para tocar no WF. O punk sempre vai buscar seu espaço mesmo sem ajuda da mídia ou de algum modismo qualquer. Eles estão lá na batalha do dia a dia. Cara, eu não acho que existe essa coisa de banda que vale a pena ou não, ou que honram ou não o HC, se são traidores do “movimento”, etc. Existem pessoas do outro lado que estão fazendo o que fazem por algum motivo, seja lá qual for. Assim como nós fazemos do lado de cá. Se eu não gosto do tipo de som, não vou falar que é uma merda só porque eu não gosto, só não ouço e pronto. O que eu ganho falando mal do trabalho dos outros? Ainda mais os que levam a sério. Então se eu não gosto eu respeito, mas não compro o CD ou uma camiseta da banda. Tem muita banda boa do estilo que eu gosto por ai, assim como tem muita banda que eu não consigo ouvir, mas como estou ficando cada dia mais velho e menos eclético, continuo ouvindo bandas que fazem o bom e velho hardcore bagaceira.

Você acha que o hardcore tende a se tornar um gênero obsoleto?
O que pode ser feito para a cena continuar forte?

Não, assim como dizem que o punk morreu, esse tipo de som e atitude jamais vai deixar de existir, ele pode não ter espaço na grande mídia, mas ele vai estar ali escondido e atuante. Quando você fica mais velho, a tendência é se afastar por inúmeras razões, sejam elas profissionais ou familiares, mas o espírito é o mesmo, só não existe aquela participação firme e forte de antigamente. O quem vem sendo feito pelo pessoal da nova geração, isso é cíclico, não tem fim.

Quais projetos para o resto do ano? O Safari vai sair em turnê?
Estamos sempre nos reunindo pelo menos duas vezes por semana para ensaiar, trocar idéias, fazer músicas novas, pensando como divulgar o CD, tentar tocar em alguns lugares diferentes, com bandas que nunca tocamos juntos e ver no que vai dar. Esse negócio de turnê é para banda tipo Paralamas do Sucesso, Ira!, Capital Inicial... SH faz um showzinho ali outro acolá, quando a gente tem tempo livre para visitar alguns amigos fora da nossa cidade.

Quer deixar algum recado?
O velho agradecimento pela divulgação da banda, pelo espaço ocupado no site e dizer para quem quiser som antigos da banda, letras traduzidas, manter contato, trocar idéias, fazer um show com a banda e reviver os bons tempos, é só escrever, se tiver acesso à internet, mande para o nosso e-mail contato@safarihamburguers.com.br. Você pode visitar nosso site para saber o que está rolando, ou mande uma carta para Av. Manoel da Nóbrega, 30, São Vicente, SP, CEP: 11320-2000, que respondemos e você ainda pode ganhar alguns adesivos de brinde. Abraço a todos e nos vemos por ai!

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