Os anos 80 recuperados com estilo
por
Pedro Damian
Fotos: Divulgação/Site Oficial
pedrodamian@hotmail.com
10/03/2005
Todo
retorno de algum artista que já sentiu o gosto da fama algum
dia traz um toque de desconfiança. "Voltou porque está falido
e precisa de grana", costuma ser a primeira coisa que vem à
mente. Em muitos casos isso é verdade, e o Sex Pistols escancarou
essa realidade quando se reuniu para alguns shows em 1996. Mas
o retorno de grandes ícones dos anos 80 para shows e discos
em 2005 mostra que a preocupação destes artistas ultrapassa
motivos monetários. É a sobrevivência artística que conta, somada
à oportunidade de reviver os anos 80, trazida à tona por grandes
nomes da cena indie emergente: Franz Ferdinand (cópia descarada
de Gang Of Four), The Rapture (idem), Delays (Cocteau Twins),
The Coral (Echo & the Bunnymen), The Killers (uma soma de influências
new e pós-new wave), entre muitos outros.
No badalado festival de Coachella deste ano, três dinossauros
dos anos 80 juntam seus ossos e mostram sua arte, embora sem
trabalhos inéditos: Gang of Four, Bauhaus e Cocteau Twins. O
Gang se apresenta pela primeira vez, desde 1981, com sua formação
original (Andy Gill, Jon King, Dave Allen e Hugo Burnham), aproveitando-se
da onda de novas bandas que xerocam seu punk-funk politizado.
O Bauhaus faz seu segundo comeback. Em 1998 a banda retornou
para comemorar seu vigésimo aniversário e gravou um disco ao
vivo (Crackle), com um apetitoso bônus: a primeira gravação
em estúdio de Bela Lugosi's Dead. Já o Cocteau Twins
vem também com formação original, mas avisa que não pretende
gravar nenhum álbum novo.
Se há os dinossauros dos 80 que conseguiram um grande e fiel
público e parecem retornar apenas para manter seus nomes vivos
na memória dos fãs e mostrar suas grandes músicas para gerações
mais novas, por outro lado outros artistas da mesma década,
apesar de talentosos, não conseguiram desfrutar de carreiras
tão consistentes como seus antecessores. E voltam nos anos 00
não só para tocar mas continuar suas carreiras, interrompidas
por um ou outro motivo.
É o caso de duas excepcionais bandas do final dos anos 80. A
primeira, o Wedding Present, ainda poderia ser ouvida no começo
dos 00 com outro nome, Cinerama, porém bem mais pop que os primeiros
discos guitarreiros dos Weddoes. Em Take Fountain, novo
trabalho que saiu no começo do ano, David Gedge mostra que não
é o mesmo cantor nervoso do começo de carreira. O Cinerama,
por bem ou por mal, mudou seu modo de compor, e neste novo trabalho
parece que ele só mudou o nome do grupo. Compôs onze belas canções;
algumas, como Queen Anne e Perfect Blue com direito
a belas orquestrações. Para lembrar o passado nervoso, Gedge
adiciona só mais uma pérola à sua coleção: It's For You.
Típico caso de volta pela sobrevivência, principalmente artística,
é o House of Love. A dupla Guy Chadwick/Terry Bickers poderia
ter conseguido, no auge da carreira da banda, em 1988, o mesmo
sucesso intercontinental que teriam mais tarde o Oasis dos irmãos
Gallagher e o Coldplay. Porém, os famosos exageros do consumo
de drogas e briga de egos (diferenças artísticas irreconciliáveis,
como diria Bickers na época) colocaram um fim na dupla e condenaram
o House of Love a uma carreira errática até 1994, quando se
dissolveu.
A banda fez um disco magistral em 1988, homônino, marcado pela
inesquecível Christine, mostrando um mix de guitar noise
e psicodelia que daria base para o movimento shoegazer, na virada
dos 80/90. Depois da saída de Terry Bickers, Chadwick tocou
o barco, compondo ainda belas canções como Beatles & Stones
e In Your Eyes, mas sem conseguir produzir um álbum redondo
e conciso como o primeiro House of Love.
Ao mesmo tempo, Bickers tentava se segurar no mercado com o
Levitation, psicodélico até o osso, onde revelou sua tendência
a se afundar em drogas (um Pete Doherty dos anos 80). Nos anos
90, ele mergulhou no ostracismo enquanto Chadwick produziu um
belo e menosprezado disco-solo (Soft & Slow), em 1998.
Antes disso participou de projetos que não deram em nada, como
o The Madonnas (quem ouviu isso?).
São insondáveis os motivos que levam alguém quase no fundo do
poço profissional de uma hora para outra resgatar sua genialidade
e compor uma obra-prima. Mas, para Chadwick, pode-se afirmar
que o reencontro com o ex-amigo Bickers foi um deles. Em 2004
eles deixaram as diferenças de lado e chamaram o baterista original
da banda, Pete Evans, para trabalharem em material inédito.
"Voltaram pela grana porque estão falidos", novamente volta
à mente aquela velha idéia. Pode até ser, como também é provável
que eles estejam se dando uma última chance de mostrar talento
e sobreviver no cada vez mais acirrado mercado.
E, saibam: eles conseguiram. Days Run Away é um disco
perfeito, daqueles que dá vontade de fazer um elogio a cada
duas palavras digitadas. Até parece que não se passaram 17 anos
desde o lançamento de House of Love, até então o primeiro
e único trabalho em que Chadwick e Bickers trabalharam juntos.
O que para os mais puristas pode parecer um sacrilégio é realidade:
Days Run Away é melhor que House of Love! As letras
de Chadwick carregadas de melancolia juvenil e o guitar noise
da banda amadureceram, dando lugar a composições mais cínicas
e desencanadas, com maior variação nas melodias, todas magistralmente
compostas.
Desde o bluegrass (!) de Already Gone até a acústica
e indescritívelmente bela Anyday I Want, em que Chadwick
e Bickers duelam voz e violões sob uma harmonia que remete a
Dylan. Por falar nisso, parece que também as influências mudaram.
Se no começo de carreira o House of Love evocava coisas de Jesus
& Mary Chain (presente agora somente em úma música, May You
Know) e até Smiths, agora eles lembram até Ian McCulloch
na estrutura musical de Money and Time, sem contar momentos
inspirados em Dylan e Lou Reed.
Há 10 clássicos em Days Run Away. Tarefa difícil para
escolher o primeiro single porque todas as músicas são ótimas.
A escolhida foi Love You Too Much, como poderia ser qualquer
das outras 9, incluindo a faixa-título, que abre com um riff
de guitarra que lembra muito o usado em Christine. O
House of Love está de volta, e que desta vez tenha vindo para
ficar!
Links
Festival de Coachella
Site Oficial
Angy Gill / Gang of Four
Site Oficial Bauhaus
Site Oficial Cocteau
Twins
Site Oficial House
of Love
Site Oficial Cinerama
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