"End of Century, a História dos Ramones"
por Marcelo Costa
maccosta@hotmail.com
02/06/2005
"Acho
que podemos ser amigáveis uns com os outros, gostar uns dos
outros, mas não conseguimos conviver nem nos comunicar. Isso
já deveria ter acabado. O que podemos fazer? Você sabe. Provavelmente
qualquer outra pessoa estaria feliz em ter o que temos".
Dee Dee Ramone.
Mais do que ser uma das maiores bandas de rock de todos os tempos, e de elevarem o conceito de "três acordes" ao território dos clássicos da música pop, os Ramones foram, como grupo, uma família (extremamente problemática). É mais ou menos isso que se vislumbra com End of Century, sensacional documentário que acaba de ganhar versão em DVD, após ser exibido no Festival de Cinema do Rio, em 2004.
Os diretores Michael Gramaglia e Jim Fields se preocuparam em
contar a história da banda, de como Tommy encheu o saco de Dee
Dee e Johnny para aprenderem a tocar, e depois fez pressão para
que Joey (que havia sido admitido na banda para tocar bateria)
assumisse os vocais (Dee Dee iria cantar, mas havia um problema:
ele não conseguia tocar baixo e cantar ao mesmo tempo). No fim,
a vaga no banquinho ficou com o próprio Tommy. A parte histórica
do DVD é completista, passando por todos os integrantes e relembrando
fatos relevantes da história dos Ramones.
Porém, o que End of Century realmente revela é uma banda
em extremo colapso nervoso desde o seu ínicio, o que prova que
quatro caras podem construir algo genial mesmo sem serem grandes
amigos. O documentário mostra como Tommy segurou a banda até
o terceiro álbum (a rigor, os três primeiros discos do Ramones
são os clássicos). Sua saída, por estar de saco cheio da vida
na estrada, começou a rachar a banda. "Joey começou a querer
ter mais espaço. Isso virou um problema", conta Johnny a certa
altura.
Johnny não se pinta como anjo. "Eu era mal", diz o guitarrista
e chefão, no melhor estilo "era um serviço sujo, mas alguém
tinha que fazé-lo, e eu fiz". "Ele tentava ser adulto, mas era
muito desagrádavel", diz Dee Dee sobre o companheiro. Porém,
o grande racha na banda aconteceu devido a uma mulher (sempre
elas). Johnny roubou a namorada de Joey, Linda, e se casou com
ela. Desde que isto aconteceu, os dois nunca mais se falaram.
"Como um cara fica 18 anos sem falar com outro?", questiona
Marky em certo momento.
"A vida segue. Não se deixa de falar com um cara de sua própria
banda", continua Marky Ramone, que entrou no lugar de Tommy,
mas foi dispensado anos depois pelas constantes bebedeiras,
e readmitido em seguida para continuar na banda até o fim. Se
a banda não se topava bem desde o ínicio (Dee Dee levava tabefes
de Johnny no camarim se errasse alguma nota em um show), a influência
dos Ramones pode ser notada apenas nesta declaração: "Se aquele
disco do Ramones (o primeiro) não tivesse existido, não sei
se teríamos conseguido criar uma cena aqui", comenta Joe Strummer.
A tal cena é a de Londres, com Sex Pistols e The Clash à frente,
que mudou o curso da história do rock.
O interessante é que a influência que os Ramones exerceram sobre
a cena inglesa não se reverteu em fama e sucesso. "A coisa na
Inglaterra estava ficando grande e a gente ainda não tinha grana
para comprar uma cerveja aqui", diz Legs McNeil, autor do livro
Mate-Me Por Favor, que vivia acompanhando os Ramones
pra lá e pra cá. Do capítulo "santo de casa não faz milagre",
a fama da banda na América do Sul também é citada. "Eles eram
como os Beatles lá. Porém, quando voltavam para cá (EUA), era
sempre a mesma rotina de ter que batalhar para tocar em qualquer
lugar", comenta o manager da banda.
Sobre o Brasil, uma nota em especial do artista Arturo Vega,
responsável pela arte da banda, é bem contraditória: "O Brasil
é um país onde há um milhão de crianças abandonadas no Rio,
que ficam cheirando cola e roubando lojas, então os comerciantes
contratam esquadrões da morte para matar as crianças. E caras
como os Ramones ajudam esses caras a se expressar um pouco",
diz Vega. Alguém, um dia, precisa explicar pra ele que criança
abandonada não tem grana para comprar discos muito menos ir
ao Metropolitan (atual Claro Hall) para ver o Ramones. O público
punk é bem mais abastado do que ele pensa.
Em End od Century, os principais momentos da banda são
repassados por seus protagonistas ("Depois que o disco produzido
por Phil Spector não fez sucesso, soube que nunca venderíamos
discos", diz Johnny sobre o álbum End of Century, com
certa dose de melancolia). Dee Dee é desconcertante em suas
declarações, transpirando sinceridade. Tommy parece ser o mais
centrado dos Ramones (apesar do visual hippie) enquanto Richie
(que segurou as baquetas no álbum Too Tough To Die e
aparece no documentário vestido como um yuppie de Wall Street)
demonstra que não acompanhou os ex-companheiros depois que largou
o banquinho, deixando a banda na mão com shows agendados. "Na
hora de dividir o lucro da venda de camisetas eu não fazia parte
da banda", reclama. Já Johnny é sério, e mesmo quando fala de
Joey, não evita a câmera e nem procura saídas fáceis. É tudo
na cara, e esse é o grande mérito do documentário, que pega
o público pelo emocional em vários momentos.
Como quando Johnny e Dee Dee procuram explicar porque não foram
visitar Joey no hospital, quando o vocalista começava a perder
a luta para o câncer, ou quando Linda, o pivô da "separação"
dentro da banda, em off, fala para Johnny que Joey só queria
igualdade dentro do grupo. São 108 minutos essenciais para a
história do rock, e mais 29 minutos de extras, em que Tommy
conta quem compôs o que nos três primeiros discos, e Debbie
Harry fala sobre a banda. Há, ainda, declarações de fãs famosos,
como Kirk Hammett (Metallica), Thurston Moore (Sonic Youth),
o jornalista Legs McNeil, o produtor Rick Rubin e a mãe
de Joey.
End od Century flagra o Ramones como uma família que,
por escolha do destino, é "obrigada" a viver junto. Toda família
tem problemas, diria outro, porém, poucas famílias problemáticas
produziram uma carreira tão solida (e clássica) como a do Ramones.
A frase que abre este texto também abre o documentário. Logo
em seguida, Tommy, agradecendo pela entrada dos Ramones no Hall
of Fame do Rock, diz: "Acreditem ou não, nós realmente nos amamos,
mesmo quando não estamos sendo gentis uns com os outros. Eramos
irmãos de verdade". As duas frases somam um minuto e trinta
segundos do DVD, antecipando que os outros 145 vão ser sensacionais
e vão "dar nós" na garganta do espectador.
Punks não choram? Há dúvidas, há dúvidas.
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"Coração Envenenado",
de Dee Dee Ramone, por Leonardo Vinhas
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