"In Rainbows", Radiohead
por Marcelo Costa
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15/10/2007

Desde a quarta-feira passada dia 10, "In Rainbows", sétimo álbum de inéditas do Radiohead, pode ser comprado em versão MP3 pelo site oficial da banda. O preço é por conta do freguês, mas custa no mínimo US$ 0,45 - valor que a administradora de cartão de crédito cobra para efetuar a transação. Porém, para todos aqueles que não possuem um cartão de crédito internacional e/ou não acreditam na postura política da banda de deixar o preço de seu trabalho para o próprio comprador, "In Rainbows" já está "disponível" em centenas de blogs e, no mesmo dia do lançamento, mais de 50 usuários do Soulseek ofereciam o álbum.

Independente da forma que você vai obter as músicas, uma coisa é certa: "In Rainbows" é um dos melhores discos que o Radiohead já lançou, e só isso representa muito, visto que a estratégia de lançamento do álbum foi tão avassaladora e revolucionária que a banda corria o risco de deixar as canções em segundo plano. Isso não acontece porque "In Rainbows" reúne um grupo conciso de canções que representa – e bem – a musicalidade de uma das bandas mais inteligentes dos últimos dez anos na música pop. "In Rainbows" começa acelerado, violento, com batidas eletrônicas se atropelando, detalhes de guitarras, crianças berrando e efeitos para ir diminuindo a velocidade com o decorrer do disco.

Após o anúncio da banda – no dia 01 de outubro – sobre o lançamento de um novo disco pipocaram na web dezenas de bootlegs contendo versões ao vivo das canções que iriam compor "In Rainbows". Apesar da qualidade excelente da maioria das gravações, nenhuma alcança o nível de produção do álbum nem dá ao ouvinte uma idéia clara do que a banda tem em sua mente perturbada. Se ao vivo as guitarras se sobressaiam, em estúdio eles ainda marcam presença, mas as eletronices é quem chamam a atenção. O interessante, porém, é que o Radiohead alcançou um estágio raro na música pop: o de criar pérolas atemporais. Quem trabalha com eletrônica corre o imenso risco de soar datado no minuto seguinte, mas o Radiohead sai pela tangente trabalhando a melodia e alimentando os arranjos com centenas de detalhes.

"15 Step" abre o álbum com batidas de bateria se misturando a scratchs. Até os 40 segundos é só batida e a voz de Thom Yorke criando o clima, convidando o ouvinte a penetrar no mundo esquisito do Radiohead. Convite aceito, e uma guitarrinha esperta marca o canal esquerdo enquanto batidas se atropelam, crianças berram, o baixo dá um oi e teclados gélidos fazem nevar sobre a melodia. Quando se percebe, era uma vez a canção. "Bodysnatchers" surge e é uma porrada sensacional. Guitarras sujas disputam espaço com a bateria – eletrônica e humana – afundando a voz de Thom Yorke no refrão, que diz: "Eu não tenho a mínima idéia sobre o que estou falando / Estou preso neste corpo e não posso sair". Os teclados gélidos voltam a surgir, e remetem a trilogia berlinense de David Bowie. No final, a canção parece um carro desgovernado. As guitarras aumentam, a batida da bateria acelera e tudo acaba abruptamente em microfonia. Candidata a clássico.

Depois da tempestade, a calmaria. "Nude" já era conhecida fazia tempo, e a versão final da canção (que pode ser encontrada em mais uns cinco arranjos diferentes por ai também com o nome de "Big Ideas") transformou a música em uma balada glacial com backings e teclados fazendo a cama em que os desejos sombrios se deitam, se enrolam e se enforcam: "Não tenha grandes idéias / Elas não vão acontecer / Você ira para o inferno / Para o que sua mente suja pensa", diz a letra, que ainda avisa, no refrão: "Ela te beija com a língua e te empurra para a cama: não vá, você vai querer voltar de novo". Thom Yorke canta magnificamente bem. "Weird Fishes/Arpeggi" é o que nome sugere: duas canções em uma. Na primeira parte a bateria é sincopada e repetitiva, com uma guitarra comandando, outra uma oitava abaixo no canal esquerdo, e uma terceira surgindo para engrossar a melodia alguns segundos depois. Após os quatro minutos (quando começa a segunda parte), a canção fica fantasmagórica.

Na belíssima "All I Need" quem toma as rédeas é o contrabaixo, desnudo e poderoso. Um pianinho surge mais a frente, mas a canção já está tão impregnada na pele que fica difícil retirar a linha de baixo da cabeça. É neste momento que o caos surge com Thom Yorke gritando: "Está tudo errado, está tudo certo, está toda errada". "Faust Arp" é acústica e traz viola e cordas. Soa estranha e bela após toda tempestade de baterias eletrônicas segundos atrás, como se fosse um momento de reflexão no meio do fim do mundo. As baterias retornam martelando de forma descompassada em "Reckoner", que lembra muito a safra "Kid A" e termina perguntando: "Eu atendo a todas as suas necessidades?" "House of Cards" é um dos pontos altos de "In Rainbows", um jazzinho eletrônico espacial de fazer robôs chorarem. Na letra, o personagem diz que não quer amizade, só sexo, aconselha a outra parte a esquecer de seu castelo de cartas, pois ele vai desabar, mas antes avisa: "Jogue as chaves na tigela e dê um beijo de boa noite em seu marido" (assista "Tempestade de Gelo", de Ang Lee, que a frase - e a letra - se explica).

O disco está chegando ao fim, mas antes uma surpresa: "Jigsaw Falling Into Place" – outra famosa nas edições bootleg, também conhecida como "Open Pick" – aparece com violões onde antes a guitarra comandava, e joga a versão final da canção para o grupo de músicas nota 10 de "In Rainbows" ao chocar violões com bateria eletrônica. As portas se fecham com baterias em eco e clima de despedida. É "Videotape", música em que Thom Yorke avisa: "Esta é minha maneira de dizer adeus / Porque eu não posso fazer isso cara-a-cara / Estou conversando com você / Antes que isso seja tarde demais / Através de meu videotape". O clima é de lirismo. Thom começa cantando sobre notas de piano. No refrão, a bateria surge com ecos acompanhando a repetição da palavra videotape, e fica quase até o final, quando a letra fecha a canção (e o álbum) de forma encantadora: "Não importa o que acontece agora / Eu não terei medo / Porque hoje eu sei que terei tido / O dia mais perfeito que eu já vi".

"In Rainbows" satisfaz toda ansiedade que surge na espera por um novo disco do Radiohead. É um disco muito mais "Kid A" (e "Com Lag") do que "Hail To The Thief", e surge como um dos grandes álbuns do quinteto britânico. Dez dias atrás escrevi um texto sobre a genial piração da banda em lançar o disco ela mesma, sem atravessadores (gravadoras), e apontei o grupo como o melhor dos últimos dez anos. Alguns leitores chiaram, mas acho que ainda não entenderam a importância do Radiohead, musical e política, para o cenário pop mundial. Certa vez escrevi (já faz um cinco anos) uma teoria da conspiração que versava sobre a descentralização da cultura norte-americana e anglo-saxã via música pop mundial, cujo mote partia da força motriz de quatro bandas que faziam música para si mesmas deixando o filão sem heróis nem mártires (a idéia toda está aqui): Radiohead, Flaming Lips, Mercury Rev e Wilco. Destas quatro, o Radiohead ainda é a mais inventiva; ainda é a banda que leva a música pop para o futuro; ainda faz pop excêntrico para as massas; ainda é capaz de balançar o mundo do entretenimento com uma simples proposta (musical ou política). Não estamos falando de pouca coisa, caro leitor. É a música como filosofia de vida, punk 77 versão 07. "In Rainbows" não é só o disco da semana: é o disco do ano. Nos vemos em dezembro.

Leia também:
- "Com Lag", do Radiohead, por Marcelo Costa
- "Hail To The Thief", do Radiohead, por Marcelo Costa
- "Amnesiac", do Radiohead, por Marcelo Costa