"Exílio", Quinteto Tati
por Eduardo Palandi
Email
22/09/2005

Eu tenho vergonha de ser brasileiro. Mas não é sempre - só quando me lembro de algumas coisas vergonhosas por aí. Quando vejo brasileiros vaiando o hino argentino antes do futebol, quando alguém diz que o Los Hermanos (queeeeeeem?) é a melhor banda do país, ou, ainda, quando lembro que pouco conhecemos da cultura portuguesa. Ignorar a produção cultural de quem, até pouco tempo atrás, era o mesmo país que a gente, para mim é motivo de vergonha.

De uns tempos pra cá, venho tentando corrigir isso, pessoalmente. Primeiro descobri a edição portuguesa da GQ, que chega às bancas mandiocas com uns meses de atraso, mas a preço de nacional. Não há revista no Brasil que chegue aos pés dela. Depois, descobri a edição lusa da Elle e fiz alguns bons amigos portugueses. Faltava ouvir algo da música que tem sido feita por lá, e é aí que o texto entra: estou apaixonado por um disco - no caso, Exílio, do Quinteto Tati.

Pouco sei sobre a banda, o que é um tanto vergonhoso. Sei que seus líderes, J.P. Simões e Sérgio Costa, integram uma outra banda, o Belle Chase Hotel, e que na verdade é um sexteto. Não possuem um website oficial, e seu único lançamento até o momento é esse Exílio, saído em 2004. O disco, lançado com a ajuda de um jornal português, tem uma sonoridade que às vezes lembra os Tindersticks, às vezes puxa para o Chico Buarque de trinta anos atrás, às vezes evoca sons da Europa Central.

Exílio abre com a Valsa Quase Anti-Depressiva, a melhor música em língua portuguesa em quase dez anos. Nela, JP Simões vai da resignação ("já enchi os dias de lutas vazias, estou gasto, cansado e dormente") aos devaneios ("foge comigo na última volta da maratona, nada comigo num lago indeciso de metadona"). Curiosamente, a Valsa Quase Anti-Depressiva realmente é uma valsa, assim como a Rumba dos Inadaptados, segunda faixa, é realmente uma rumba.

"Eu estou preocupado e um pouco dorido ao ver que, em várias revistas adultos, ministros, artistas nas entrevistas da TV demonstram que os jovens são brutos, boêmios, incultos, autistas, não têm um emprego, ou são arrivistas e mal-educados, são tão agressivos, são tão destrutivos, que hei de fazer?". A partir de uma fictícia carta de um leitor publicada por um jornal, o protagonista da canção resolve suicidar-se, deixando a carta ao lado do corpo.

Mas o amor volta a aparecer na alegre Suor e Fantasia, com seus trompetes e seu clima de preguiça apaixonada, que conclui: "quem julga que é fácil, que experimente levitar sobre o Tejo", e na Carta Tardia, onde JP escreve a um antigo amor, contando-lhe de tudo o que aconteceu em sua vida desde o fim do relacionamento, e mostrando que nem tudo mudou: "tenho os mesmos dilemas, apenas mais velhos". Domingo Sem Deus é mais moderninha, com scratches duelando com trompetes e percussão simpática.

O disco chega à metade, tendo passado por valsa, rumba, baladas e folk dos Cárpatos. E fado, não tem? Um Fado Qualquer é o Quinteto lembrando-se do ritmo português, também uma influência da banda. Em A Flor da Vida, a Arte do Encontro, etc., JP Simões conta a história do encontro entre um rapaz solitário e uma garota às voltas com "as máfias da imigração, que matam sem compaixão". Em pouco menos de quatro minutos, essa canção-historinha é uma das coisas mais doces compostas no século XXI, apesar do final infeliz. Logo em seguida vem No Jazz, única canção do disco em inglês, lentinha e agradável.

A faixa nove, Vai Já Passar, foi o hit do disco em Portugal. Trata-se de um libelo otimista contra os problemas que nos deixam transtornados. JP pede para que guardemos os sonhos, mas para realizá-los. E diz, para quem quiser ouvir: "não te aflijas que tudo vai já passar, vai já passar, meu bem". Em Inventário Marítimo e Mais Uma Para o Caminho, a banda vai de um rol de coisas que afetam suas vidas a uma canção sobre o nada, que às vezes parece ser sobre a vida toda. Finalmente, a instrumental Créditos Finais encerra o disco - curiosamente, é o tema de abertura das apresentações ao vivo do Quinteto Tati.

Assim, depois de quarenta minutos, o Quinteto Tati dá uma surra em toda a cena indie brasileira, cujas afetações são tantas e tamanhas que, salvo um Wander Wildner aqui e um Sestine ali, ninguém consegue fazer uma única canção digna de nota. No mainstream, então, simplesmente não há exceções. Quando é que parte o próximo vôo para o Porto mesmo?


Links
Blog da Agência Transformadores

Eduardo Palandi é o único brasileiro a escrever sobre música no blog português Drowners