Entrevista - Pipodélica
por
Tiago Agostini
Blog
Foto: Divulgação
09/05/2006
Sesc Pompéia, dia 06 de dezembro de 2002. A penúltima banda
a fazer sua apresentação no Festival Upload daquele ano era
a gaúcha Cachorro Grande. No meio da apresentação, o guitarrista
Marcelo Gross joga a guitarra para o alto; na queda, o instrumento
atinge a testa do vocalista Beto Bruno, que começa a sangrar
muito; quase ao mesmo tempo, o baterista Gabriel Azambuja levanta
de sua cadeira e começa a vomitar no palco. Uma cena nada agradável,
que levou ao delírio o público do festival e colocou o show
na memória do rock nacional.
Uma cena que ficou marcada na memória dos integrantes da banda
florianopolitana Pipodélica, uma das atrações que tocaram antes
da Cachorro Grande naquele dia. Mas, ao contrário de grande
parte do público e da crítica, eles não fazem questão de elogiar
a performance da banda. "O pessoal do meio independente
tende a idolatrar essa coisa de palhaçada no rock. Gosto muito
dos caras da Cachorro, mas a cena foi horrível", explica
M. Leonardo, baixista da Pipodélica, corroborando a opinião
dos cariocas do Los Hermanos, que reclamaram muito pois tiveram
que tocar depois dos gaúchos, em um palco sujo e ensangüentado.
Deixar a banda fora desse contexto de bagunça e zoeira foi a
principal idéia ao abrir o disco Simetria Radial, de
2003, primeiro da banda, com a faixa Guris de Família.
"Colocamos a música, que é super difícil de ouvir, no início
para causar um choque, para contrapor a questão do público não
estar interessado na música, e sim em ver um cara pulando",
filosofa Leonardo. A música começa com uma microfonia e um riff
básico de guitarra e baixo, sustentados por uma parede de distorção
que agride o ouvinte mais sensível e despreparado. Na letra,
entre outras frases, um aviso importante: "Mas as mães
podem ficar tranqüilas, porque são todos guris de família".
Um cartão de visitas direto.
Quem conhece os rapazes hoje, em 2006, tem ainda mais a impressão
de que não fazem mal a ninguém. Leonardo, Eduardo "Xuxu"
(guitarra e voz), Felipe "Batata” (guitarra e voz) e Gustavo
"Cachorro" (bateria) estão todos beirando os 30 anos,
com namoradas, esposas e alguns até com filhos, como o caso
de Leonardo. A maturidade provocou mudanças no estilo de vida
dos quatro e nos rumos da banda. Hoje eles fazem poucos shows
e se concentram na gravação do próximo álbum, ainda sem previsão
de lançamento. "Chega um ponto em que você se cansa de
fazer show. Você lida com pessoas mal-intencionadas (donos de
bar e alguns produtores), despreparadas, que fazem uma divulgação
tosca, e tudo isso para ter um retorno pequeno. Não vale a pena",
explica Leonardo.
A banda não fecha as portas para possíveis apresentações, mas
apenas se torna mais seletiva. O principal problema dos shows
atuais é ter que deixar a produção na mão de terceiros. No começo
da banda, os próprios integrantes faziam a divulgação, produziam,
corriam atrás. "Só que hoje ninguém mais é a fim. Então
nosso lance é gravar o CD e fazer o circuito básico de shows
fora de Floripa (tocar em SP e nos principais festivais do Brasil,
como o Goiânia Noise e o Bananada, ambos em Goiânia). O máximo
de reconhecimento musical o Simetria já atingiu",
completa Leonardo. Lançado em 2003 pelo respeitado selo independente
Baratos Afins, o disco foi considerado um dos melhores do ano
pela imprensa especializada.
A história da Pipodélica remonta ao final de 1999, quando a
banda foi formada nos corredores do curso de Arquitetura da
UFSC. À época, o baterista era Zimmer, lendário vocalista dos
Ambervisions, e quem dominava o microfone era Carine Nath. Em
2001, a banda gravou o EP Tudo Isso e começou a fazer
algum sucesso nas festinhas universitárias de Florianópolis,
além de chamar a atenção da imprensa de outros estados. Em 2002,
já com a formação atual, a rotina de shows se estendia para
outras capitais do sul e sudeste, e a gravação do EP Enquanto
o Sono Não Vem abriu as portas para o contrato com a Baratos
Afins. Primeiro eles emplacaram a música Um Número na
coletânea Brazilian Peebles 2, da gravadora. Logo depois
entraram em estúdio e registraram seu primeiro álbum, que foi
lançado em abril de 2003.
"O engraçado da história é que o Luiz Calanca (proprietário
da Baratos Afins) gostou do Enquanto o Sono Não Vem e
perguntou pra gente: vocês tem músicas para gravar um CD? Nós
mentimos", lembra Xuxu. A banda não tinha mais material
inédito, e teve que completar o disco compondo no estúdio. Uma
meia mentira que garantiu o futuro da banda.
Simetria Radial chamou a atenção da mídia por causa da
quantidade variada de referências e seu experimentalismo impregnado
de muito pop. O caminho para uma boa recepção já vinha sendo
preparado desde a época do Tudo Isso, quando Xuxu começou
a fazer os contatos para enviar o material. "Sentei a bunda
na cadeira e comecei a investigar na Internet quem eram as pessoas
para quem valia a pena mandar o EP. Tive bastante ajuda do Mutley
(Fábio Bianchini, músico e jornalista com passagens pela revista
Bizz e outros veículos)." Em uma cena musical nacional
com cada vez mais bandas, a força de vontade se torna fundamental
para ter seu trabalho reconhecido. "Não adianta, você tem
que gravar um produto de qualidade, fazer uma capa legal, saber
com quem falar e como falar. O problema é que nem todo mundo
se dispõe a isso', acredita Leonardo.
O disco mostra uma mistura intrigante e complexa de vários elementos.
Recheado de detalhes, com uma ótima produção, é possível encontrar
de (quase) tudo no álbum, desde viagens progressivas, como na
música Mais Forte, até toques psicodélicos. O disco é
permeado por estruturas complexas, seqüências de acordes elaboradas,
melodias trabalhadas minuciosamente para não serem fáceis e
nem difíceis, dissonâncias pontuais, tudo bem apimentado por
um pop sutil, mas extremamente presente.
Diante de tantos elementos, o disco recebeu as mais diversas
rotulagens. "Todo mundo falou bem, mas o que me impressiona
é que teve gente falando que era oitentista, progressivo, garage,
mas principalmente psicodélico, que foi o maior rótulo. E o
que a gente faz não é psicodélico. A gente usa texturas sonoras
para construir o som. Se todos que usam texturas sonoras são
progressivos, então Radiohead e Blur são psicodélicos",
indigna-se levemente Xuxu.
O nome da banda contribui para o rótulo, lembrando muito o termo
psicodelia. O que muitos esquecem é que também há a palavra
pop no nome. E, acima de tudo, a Pipodélica é uma banda rock
com elementos pop. Leonardo clareia um pouco a idéia ao falar
sobre o público da banda. "Não temos um público específico.
Geralmente quem gosta de música, entende de música, gosta da
gente. Mas isso vai desde criança até velhinhos, passando por
todas as faixas etárias. E, se isso acontece, é porque é muito
pop."
Evoluindo sempre, a banda propôs um outro nível sonoro e buscou
inovar com o lançamento do último EP, Volume 4, em 1º
de janeiro de 2005. O disco foi todo oferecido para download
no site oficial da banda, com um arquivo do encarte, capa, contra-capa,
tudo para baixar e imprimir. Um verdadeiro manual de como gravar
seu CD. Não haviam cópias prensadas, discos sendo vendidos em
lojas. Tudo de graça, ao gosto do cliente. Até março de 2006,
já haviam sido feitos mais de 100 mil downloads; considerando
que o disco tem seis músicas, chega-se à média de 16 mil CDs
baixados. O álbum, que ainda
pode ser 'baixado' no site oficial da banda, acabou não
emplacando com a crítica especializada. "Pouca gente resenhou
o disco, acho que eles não consideraram aquele lançamento (em
MP3) como um formato válido", queixa-se Xuxu.
A grande novidade de Volume 4 estava no som, um pop bem
mais apurado, escancarado e fácil de ser digerido. Não que os
detalhes, efeitos e o cuidado com a produção tenham sido deixados
de lado; todos estão ali, mas envolvendo músicas mais alegres
e agitadas, algo próximo do que faziam com as músicas do álbum
anterior nos shows. "A gente queria músicas que pudessem
ser executadas ao vivo. Quase metade do Simetria nunca
foi tocada em shows. Do Volume 4, apenas uma música ficou
de fora", diz Xuxu.
O resultado foi um disco muito mais coeso que, se não emplacou
resenhas na imprensa nem garantiu seu lugar entre as listas
de melhores de 2005, agradou os próprios músicos. A fórmula
pode ser repetida no próximo disco da banda, que deve ser lançado
neste ano. Dessa vez direto nas lojas, no formato clássico do
CD, para satisfazer a própria banda. "Está na hora de termos
um álbum completo de novo", deseja Xuxu.
Já o capítulo 'novos shows', no entanto, esbarra em um
problema sério: é preciso sair de Florianópolis se a banda quiser
ter um maior reconhecimento. "A gente só foi reconhecido
aqui depois que a imprensa de fora falou bem. Se você quer fazer
sucesso não pode se centrar em Floripa. Vai tocar onde aqui?",
pergunta Leonardo. O rock da cidade sofreu um grande revés quando
o Frank, como carinhosamente era chamado o bar Underground,
na Lagoa, foi fechado em meados de 2003. O bar era o grande
ponto de referência de rock em Florianópolis, agregando todos
os públicos em um só lugar. A fama do bar se espalhou pelo Brasil.
Depois do fechamento do Frank, sem um lugar bom para abrigar
o público, a cena que surgia se esvaziou, dividindo o público
e diminuindo o número de bandas na cidade. Chegando ao ponto
de praticamente estagnar a cena local. "Não existe cena
de rock independente em Floripa", afirma categoricamente
Leonardo. "Não vejo mais cartazes de shows, não conheço
bandas, não há movimentação", finaliza o baixista. Quem
conhece música pop sabe que este é o momento exato para um movimento
musical nascer, crescer e se firmar. É preciso, apenas, uma
turma com boas idéias e garra para conquistar espaço e se fazer
ouvir, ingredientes que o Pipodélica têm de sobra. Um pouco
de sorte também não atrapalha ninguém. É só esperar. E cruzar
os dedos. Estes guris de família ainda vão dar muito o que falar.
Leia
também:
Pipodélica, uma bela promessa para
a cena independente nacional, por Jonas Lopes
Site Oficial do Pipodélica
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