Entrevista com Otto
por Marcelo Costa Foto e Arte: Trama
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07/09/2005
O músico pernambucano Otto trafega em uma linha bastante particular
na música popular brasileira. O ex-percussionista do Mundo Livre
S/A carrega três álbuns nos ombros bastante elogiados pela crítica,
mas que não obtiveram reconhecimento do público. Na real, a
paisagem que se configura é a seguinte: Otto parece bronco demais
para a ala intelectualóide (que procura gênios e poses)
e inteligente demais para as grandes massas (que se interessam
mais pela música do que pela pessoa). É um antagonismo que pode
ser revisto com atenção no excelente DVD MTV Apresenta Otto,
gravado ao vivo em SP no Avenida Clube, em março.
MTV Apresenta Otto é um trabalho extremamente profissional
que transpira brasilidade, Pernambuco e o som contagiante da
percussão. Mais do que um trabalho de Otto, este show é um projeto
também do multi-instrumentista Daniel Ganjaman (do coletivo
Instituto), de Pupillo (batera da Nação Zumbi) e Fernando Catalau
(guitarrista e líder do Cidadão Instigado). Estes três músicos
assinam a maioria dos arranjos das 17 canções que compõe o DVD,
marcando a transposição do que era extremamente digital para
o "ao vivo". O resultado surpreende. Jazz, samba, ragga, reggae,
ciranda, maracatu e música de candomblé se misturam na receita
de Otto, mostrando uma música que induz a dança, a contemplação
e ganha sobrevida no palco.
A temática dos terreiros abre o show com a dobradinha Anjos do Asfalto (demarcada pelos tambores) e Lavanda (de se dançar nas ruas de Salvador). As sinuosas Tento Entender ("São tortos os santos, querida", canta Otto) e Dias de Janeiro abrem caminho para a bonita Por Que e para o ápice do show, com as canções retiradas da estréia solo com Samba Pra Burro (1998): Ciranda de Maluco, O Celular de Nana, TV a Cabo e Bob ganham maior força nos novos arranjos, e sobrevida: o que era eletrônico agora se torna humano. Daí em diante, o show parte para o seu final destacando a boa cover de Ronnie Von (Pra Ser Só Minha Mulher), a participação de MV Bill em Cuba e as ótimas Nebulosas, Renaut/Peugeout e Low.
MTV Apresenta Otto ainda não deverá levar o músico para
as multidões, mas mostra (em sons e imagens) que Otto cresceu
muito musicalmente desde a sua estréia solo em 1998. Sobretudo,
é um trabalho que impõe respeito. Ao vivo, as canções de Otto
crescem e contagiam. Em tempos de tanta música pré-fabricada
em estúdio, é de se louvar um músico que consegue fazer de suas
canções um grande show. E, ao contrário do que Otto diz na entrevista
abaixo, não é a MTV que tem que coroar o seu trabalho. A emissora
tem é que se curvar e reverenciar um músico que segue fazendo
música de qualidade do jeito que quer e gosta, independente
do mercado, rádios e TVs do País. Se o capitalismo não fosse
tão selvagem...
O papo via telefone com o S&Y foi o último da semana de divulgação
do DVD. "Cara, você é o último jornalista com quem eu converso
essa semana. Desculpa pelos esquecimentos", desculpa-se Otto
após começar a responder uma pergunta, e esquecer o que tinha
sido perguntado logo depois. Na verdade, não tinha muito que
pensar. O cara já tinha tudo na ponta da língua após conversar
com os principais veículos do País. Foi só dar o "start" no
papo, e ele soltou os exus. Confira.
Então, Otto, DVD na fita...
DVD na fita. Foi um convite da MTV, que foi muito bem aceito. Acho bacana a atitude dela, em relação ao público, até pelas conquistas dessa música. Porque, pela máquina que é a MTV, essas coisas chegam lá bem estruturadas, encaminhadas. E a minha música foi ganhando espaço. A minha pessoa foi ganhando espaço e é bacana quando isso acontece, quando você entra por ai. Porque ela não sabe o que vai vir, né. Ou até sabe, mas não é o rock... Mas também ela já tem idéia do que seja, já que eu ganhei prêmio de revelação no VMB. Eu tenho uma história de mudanças dentro da MTV. Bacana. Me lembro que quando concorri como revelação eu disputava com Pepe & Nenê, Vinny... e a Trama estava começando, não é o que ela é hoje. Também teve essa maturidade da gravadora, afinal estávamos concorrendo com as grandes gravadoras em uma época que elas dominavam bem. E minha música entrou. E era experimental. O Samba Pra Burro explica muita coisa sobre tudo isso, sabe, da minha entrada na música popular brasileira. E agora a MTV está coroando isso. Aquele disco que era de DJs, que era meu, que era uma coisa eletrônica, sofreu uma mutação tão grande que virou banda. E as versões ficaram bacanas, atualizadas. Eu também tive a sorte de não ser massificado. Eu pude mostrar a minha música com maturidade, ainda estou mostrando ela. Ainda estou o Bob... e isso é legal...
E agora, além de mostrar a música, você também mostra todo um lado visual...
Pela primeira vez a gente teve um show ensaiado por muito tempo. Eu nunca tive cenário, nunca tinha tido o tratamento que estou tendo neste show. Aquelas roupas são do Máxime Perelmuter. Desde as primeiras vezes que conversamos, que eu disse as coisas que queria, ele contou que pensou em algo como "Jimi Hendrix de férias na casa de praia". (risos) Achei bacana. Então tem esse clima resolvido esteticamente. Mas o melhor mesmo é o show estar resolvido musicalmente. Porque é esse o meu show, que eu sempre faço. Eu nunca pensei: 'agora eu vou fazer o show do Condon Black'. Não. A idéia sempre foi fazer um show - novo - com músicas do Condon Black. Então depois veio o Sem Gravidade e você irá ver o mesmo show meu, mas com músicas do Sem Gravidade. Não é o mesmo show, mas o Bob é uma música que eu sempre toco. Mas as músicas estão sempre mudando e se transformam a ponto de chegarem com um sabor de novidade, curiosidade. Os arranjos dos músicos... Pra falar a verdade, eu não sou muito fã de DVD. Eu implicava muito, não via muito. Mas este meu, pela banda e pelas músicas que eu venho lutando, me deixou muito satisfeito.
E como funciona isso de levar aquelas músicas do CD para um show?
Cara, quando eu comecei com o Samba Pra Burro - que foi um disco de pro-tools e percussão - era eu, o Daniel Ganjaman, o DJ Nuts e um MD. Eu tive que lutar muito para ter um show. Era uma coisa que, pela sonoridade do disco, tínhamos que aprender muito com aquela sonoridade. Quando veio o Condon Black eu já estava no palco. Ganja ainda estava comigo, e está comigo ainda. Fomos criando a harmonia, porque começamos com um núcleozinho de som e agora somos uma banda. É isso o mais bacana da história. No disco eu trabalho com grandes músicos, até porque a minha banda era muito nova, desde Apollo 9, Pupillo, Tati (dos Novos Baianos)... tem muito músico bom. E essa banda que está ai (no DVD) pegou essa referência do disco, de caras bacanas. E eles não fizeram o que está no disco: eles fizeram a essência da música. Todo mundo naquela banda é muito livre. Nunca teve um "não, você está fazendo errado". A gente quer construir de uma canção bonita, outra canção mais bonita ainda, pro show. Então, coisas que são menos dançantes no disco, no show ela é mais... essa transposição é tempo, liderança, tolerância, companheirismo, talento. Esses caras são talentosos! Essa banda tem o Daniel (Ganjaman), os percussionistas Male e Toca Ogan, Pupillo na bateria, um pessoal do Ceará como o Catatau (Cidadão Instigado), Rian e Boca. Esses caras tem os próprios trabalhos e trabalham pra caramba. Eles seguraram a onda do show.
O que é novo no repertório do DVD?
A Tv a Cabo chegou a fazer parte dos primeiros shows, mas fazia tempo que ela tinha saído do repertório.
E a Pra Ser Só Minha Mulher?
É do último disco, Sem Gravidade. É uma música de Ronnie Von que estava na minha memória, que eu queria sempre gravar. O refrão... eu ouvi muito isso quando era novo... na casa da minha mãe... é uma volta a um Brasil "costeleta", setentão. Uma forma de eu voltar para aquele tempo em que eu era novo e via tudo aquilo acontecendo.
Como rolou a participação do MV Bill?
Eu tenho uma relação com o social, com o rap, com a música... eu entendo muito bem o valor social do rap, da periferia. Eu tenho isso, o batuque na quebrada. Eu sempre fui muito ligado a isso, e o Ganjaman também. Há um tempo atrás eu perdi o meu amigo Sabotage, e com isso eu perdi também o meu elo com os rappers. Eu não convivo. Conheço o Rappin Hood e MV Bill. Conheci ele no RJ quando fui fazer um programa de televisão para o Japão, e tinham que ser duas pessoas diferentes. Fomos eu e ele. Os caras do programa não gostaram porque a gente era muito parecido. (risos). O convite a ele foi um modo de homenagear o rap. Uma forma de homenagear o Sabotage, dizer que eu estou "os mano". Com B Negão, Marcelo D2. Essa coisa do rap é como se fosse a mesma galera. É por isso que ele está lá. A gente fez uma brincadeira, um freestyle, e ficou bacana pra caralho.
Você é bastante elogiado pela crítica, mas você não tem essa abertura na massa. Você acha que a MTV irá apresentar você para um grande público?
Cara, vou dizer uma coisa. Mesmo na miudinha do que eu tenho em relação a mídia - tocar em rádio, estar presente nos meios de comunicação de massa - eu tenho um público. E acho que esse DVD fortalece essas pessoas que há muito tempo já vem me acompanhando, me ouvindo. E elas também querem me ouvir lá. Acho que uma coisa vem com outra. E abertura é sempre bom, principalmente na MTV, que tem muitos jovens, e eu tenho posições claras. Acho que a música está muito adolescente e precisamos aguçar mais. Hoje em dia eu sou um cara que escuto jazz, escuto cada vez mais caras sensacionais, sem perder contato com a música muito boa que corre no mundo. E o Brasil tem condições de colocar esse paladar no sabor dos jovens. Que não seja tão adolescente nem tão existencial. Pelo contrário: do que ele vai encontrar pela frente. E isso irá dar uma maturidade daqui há alguns anos para essa turma nova em relação à música. É uma mudança de comportamento que vai adentrando aos poucos.
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