'Vou Tirar Você Desse Lugar', Tributo a Odair José
por
André Fiori
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Foto 1: Divulgação: Caetano e Odair no Phono 73
Foto 2: Divulgação / Marcus Hermes
22/03/2006
De tempos em tempos, algum artista tem a obra "revista" ou "reavaliada".
Na década passada, o próprio Roberto Carlos foi redescoberto
pelos ouvintes mais jovens, que não conheciam a melhor fase
do seu trabalho. O mesmo se passou com Jorge Ben, Tim Maia e
Erasmo Carlos. Mais recentemente, as pessoas perceberam que
até artistas considerados bizarros, como Reginaldo Rossi e Ronnie
Von, já tinham um dia realizado um trabalho interessante.
O livro Eu Não Sou Cachorro Não, do pesquisador Paulo
César de Araújo, lançado em 2002, defendeu com mais propriedade
ainda a qualidade dos chamados artistas "cafonas", notadamente
na década de 70, defendendo a teoria de que os "bregas" afrontaram
tanto o regime militar quanto os chamados "medalhões da MPB".
No livro, um dos nomes que surge com mais força é o de Odair
José.
Grande sucesso popular, a sua grande sacada era compor letras
que retratavam a realidade do "povão", com grande criatividade
e persipcácia. Ele fazia também músicas "normais", sobre amor,
traição e etc., mas que outro doido fazia músicas com temas
como prostituição, controle de natalidade, religião, sexo livre,
drogas, homosexualismo, exclusão social e o cotidiano das empregadas
domésticas?
Apesar de a maioria da crítica dita "séria" lhe render alcunhas
pouco auspiciosas, como "Bob Dylan da Central do Brasil" ou
"O Terror das Empregadas" (como ele é chamado em Arrombou
a Festa, de Rita Lee e Paulo Coelho), desde aquela época
caras antenados e influentes como Caetano Veloso já apontavam
que ali estava mais que um cafona iletrado.
Todo esse preâmbulo está aí só para ilustrar o lançamento de
Eu Vou Tirar Você desse Lugar - Um Tributo a Odair José,
estréia do selo independente goiano Allegro Discos (distribuição
da Trama Independente), com produção executiva de Sandro Rogério
Lima Belo. Chama a atenção a bela capa, e a também a qualidade
do encarte, com várias fotos, ficha técnica e texto do já citado
Paulo César Araújo. Quase todo "tributo" é assim: existem aquelas
músicas que ficaram excelentes, outras medianas, e algumas bens
ruins.
Nesse aqui, podemos dizer que os destaques ficam com o Mombojó,
Pato Fu e Jumbo Elektro.
Para facilitar o entendimento, seguem algumas cotações:
***** Vai pra Libertadores
**** Vai pra Copa Sulamericana
*** Pelotão intermediário
** Escapou por pouco
* Rebaixamento
Faixa a Faixa:
01. Vou Tirar Você Desse Lugar - Paulo Miklos
****
Acompanhado pelo "Midas" Rick Bonadio na guitarra, Miklos faz
uma versão bem rock'n'roll do maior clássico de Odair. Na letra,
um sujeito se apaixona por mulher que conhece em um prostíbulo,
e quer tirá-la de lá para que ela vá morar com ele.
02. Vida Que Não Pára - Suzana Flag
****
Alternando vocais masculinos e femininos, o simpático Suzana
Flag (de Belém-PA) faz uma versão bem "ensolarada" dessa que
é a música mais otimista do CD.
03. Uma Lágrima - Pato Fu
*****
Essa poderia ser facilmente um "outtake" do álbum Toda Cura
Para Todo o Mal, que tem algumas faixas com essa sonoridade
setentista, no estilo das baladas de Roberto Carlos. Portando,
soa muito pertinente a gravação dessa música, que foi a primeiro
compacto de Odair José, no distante 1969.
04. Eu Queria Ser John Lennon - Columbia
****
A letra nonsense ganha maçicas (e benvindas) doses de doçura
na voz de Fernanda Marques, do grupo carioca Columbia.
05. Ela Voltou Diferente - Mombojó
*****
Uma das melhores versões do tributo, é uma música tristíssima
e muito sutil, que ganhou uma gravação supimpa, com um solo
de órgão Hammond de fazer chorar. Os pernambucanos do Mombojó
tem know-how para tanto, já que eles também mantém o projeto
Del Rey, só de covers da Jovem Guarda. Tirando as de Lupicínio
Rodrigues, essa deve ser a mais pungente "música de corno" já
escrita em português.
06. Eu, Você e a Praça - Zeca Baleiro
****
Zeca deve ter realizado seu sonho de ser um cantor 'cafona',
de camisa estampada e medalhão no peito, cantando no Chacrinha.
07. Deixe Essa Vergonha de Lado - Mundo Livre S/A
*
Sobre uma base eletrônica, Fred 04 recita a letra, tal qual
um Arnaldo Antunes tecnopop, matando toda a beleza da melodia
original. Parece uma defesa de tese de sociologia, tal qual
a banda protagonizou em outros tributos, como nos para Luiz
Gonzagua (Dezessete e Setecentos) e Reginaldo Rossi (Mon
Amour Meu Bem Ma Femme). Em covers, o Mundo Livre fica devendo.
No caso de Odair, é ainda mais frustrante. Para que tanta invencionice
logo nessa, que tem alguns dos maiores achados do compositor:
"Deixe essa vergonha de lado
Pois nada disso tem valor
Por você ser uma simples empregada
Não vai modificar o meu amor"
08. Foi Tudo Culpa do Amor - Suíte Super Luxo
***
Os brasilienses fazem, talvez sem querer, um dueto masculino/feminino
que emula o imaginário de brigas do casal Odair & Diana (esposa
do compositor na época). Só não funciona melhor pois o vocal
do cantor não combina muito com a canção.
09. Nunca Mais - Shakemakers
**
Outra na qual os vocais (e a pegada "grunge") destoam um pouco.
Talvez funcionasse melhor em alguma outra música.
10. E Ninguém Liga pra Mim - Leela
***
A letra já é meio "down", e Bianca Jhordão trata de fazê-la
mais "emo" ainda.
11. Cadê Você? - Sufrágio
****
Essa seria muito difícil de não ficar boa, e os paulistas do
Sufrágio não decepcionam, dando um ar oitentista à canção.
12. Esta Noite Você Vai Ter Que Ser Minha - Picassos
Falsos
****
Essa foi uma que mudou bastante em relação à original, mas ficou
muito boa, com Humberto Effe tratando a melodia com a delicadeza
que ela merece.
13. A Maçã e a Serpente - Poléxia
***
Correta, mas para a banda curitibana faltou um pouco mais de
convicção (e ouvir um pouco mais de rádio AM...)
14. A Noite Mais Linda do Mundo (A Felicidade) - Jumbo
Elektro
*****
Aquela que contém os sábios versos: "Felicidade não existe,
os que existe na vida são momentos felizes..." Essa versão ficou
com uma levada empolgante, com cara mesmo de momento feliz.
O que ficou legal aqui foram os "cacos" que eles colocaram no
final, por conta própria, o que funcionou muito bem.
15. Uma Vida Só (Pare de tomar a Pílula) - Arthur
de Faria e Seu Conjunto
*
Essa era uma música chave no disco. Não podia errar, e os gaúchos
fizeram uma versão um tanto quanto equivocada. Começa baixinho
e dedilhada (tributo a João Gilberto?) para no final explodir
num constrangedor coro à la Hey Jude...
16. Que Saudade de Você - Terminal Guadalupe
****
Os curitibanos levam Odair José para passear no BRock dos anos
80
17. Vou Contar de Um a Três - Volver
****
Os brasilienses levam Odair José para passear na Jovem Guarda.
18. Cotidiano nº 3 - Los Pirata
****
Cantada em portunhol, com o tradicional bom humor do trio paulistano,
não tem como não simpatizar.
Depoimentos que saíram na imprensa:
Zeca Baleiro:
"Odair é um lorde da poesia popular"
Paulo Miklos:
"Gravei a canção, a convite dos produtores, que viria a ser
a faixa-título do tributo. Imediatamente aceitei o convite que,
depois soube, veio diretamente do Odair. Sou fã do seu estilo
despojado e precioso. Ele faz parte das boas influências que
absorvi como ouvinte de rádio, com seu traço objetivo e seu
temperamento sincero. Fiquei bastante feliz com o resultado
que alcancei. Nessa versão, eu inclui uns versos no final, com
a melodia de 'Candy' do Iggy Pop, que trata do mesmo assunto."
Fernanda Takai (Pato Fu):
"Quando eu era mais nova e morava em Jacobina, ouvia o Odair
de tabela porque ele tocava muito nas rádios e com certeza até
hoje é um dos maiores representantes daquela geração de artistas
considerados 'populares' demais. O projeto da Allegro é muito
saudável porque, através de vários artistas contemporâneos,
mas com características muito diferentes, traz de volta o nome
do Odair e faz com que novos ouvintes e até mesmo aquelas pessoas
que torciam o nariz pra o tipo de música que ele faz prestem
um pouco mais de atenção à sua obra. A gente escolheu uma música
dos primeiros anos de carreira dele. Não é conhecida mas, de
tudo que eu ouvi, foi com ela que mais me identifiquei. Tem
uma timidez, uma letra bem mais contida do que as outras composições
dele e achei que uma versão Pato Fu cairia bem. O arranjo original
é bem singelo, tem uns pianinhos e tim bres de órgão muito bonitos
além de uma orquestração suave comum a algumas coisas da época.
Espero que principalmente o Odair tenha gostado!".
Bianca Jhordão (Leela):
"Fomos convidados pelo Sandro para participar da coletânea e
achamos interessante toda a idéia do projeto. Daí começamos
a pesquisar as músicas do Odair e quanto escutamos E ninguém
liga pra mim, percebemos algo que tinha a ver com nosso universo
estético. Trabalhamos uma versão que achamos que ficou com a
nossa cara. É sempre divertido participar de coletâneas, pesquisar
a obra de outros artistas, gravar, fazer um novo arranjo pra
canção... É um desafio e uma boa diversão".
Reinaldo Andreatta (Sufrágio):
"Fui criado por dona Natalina, uma brilhante cantora do lar,
já falecida, que tenho certeza que se orgulha da homenagem dos
filhos Reinaldo e Ronaldo a ela. Para minha banda, que é ótima,
mas não tem espaço na mídia, também foi uma oportunidade de
aparecer um pouco".
Arthur de Faria:
"São canções de carinho absoluto pelo gênero humano, de uma
doçura comovente, de uma singeleza. A chave maior é esta: gentileza.
Ele é encantador."
Tatá Aeroplano (Jumbo Elektro):
"Na banda a gente quer mesmo é deixar a vergonha de lado e se
divertir. Acho que hoje essa coisa de gostar escondido está
acabando".
Luc Albano (Suíte Super Luxo):
"A música cafona existe e é parte da cultura. Não gravamos porque
é algo excêntrico e sim porque gostamos".
Pedro Alexandre Sanches (Carta Capital):
"Dentro do grande armário da música popular brasileira, a obra
de Odair José quase sempre ficou guardada numa gaveta modesta,
de cuja clausura só escapuliam rótulos como "brega", "cafona",
"popularesco", "limitado"... A novidade é que cresce uma frente
de oposição à compreensão corrente, que tem historicamente mantido
em trincheiras inimigas as classes ditas intelectualizadas e
o povo".
Odair José (no livro Eu Não Sou Cachorro Não):
"O que rolava antigamente na música popular brasileira era o
namoro no portão sob a luz do luar e eu vim falando de cama,
de pílula, de puta, de empregada doméstica, porque essa é a
realidade do Brasil. Então foi por isso que eu me tornei um
artista polêmico e a censura começou a me proibir".
Curiosidades:
- O Los Hermanos gravou Eu Vou Tirar Você Desse Lugar
para a trilha do Filme A Taça do Mundo é Nossa (Casseta
e Planeta), em 2003 e a canção não entrou no tributo por disputas
entre editoras.
- Quem também ficou de fora na última hora foram Os Abimonistas
(que chegaram a gravar uma versão para Minhas Coisas),
Tom Zé (que interpretaria Deixa Essa Vergonha de Lado)
e Autoramas.
- Em 1996, Paulo Miklos, Marcelo Fromer e Arnaldo Antunes fizeram
uma música para Odair, Baby, que a gravou no álbum As
minhas canções.
- Cotidiano nº 3 é uma continuação "não-oficial" de Cotidiano
(Chico Buarque) e Cotidiano nº 2, de Toquinho & Vinícius.
- Na música Eu Quero Mesmo, de 1977, Raul Seixas cantava:
"Eu gosto de Besame Mucho e eu gosto de Eu Vou Tirar
Você Desse Lugar, pra quê mentir?"
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