OEAOZ, Íris, Fud e La Carne
Outs (São Paulo) - 01/04/2005
por Leonardo Vinhas
Fotos: Wellington Dias/Gramophone
lvinhas1@yahoo.com.br
08/04/2005

A Outs é um sobrado quase oculto entre tantos tipos de "casas de espetáculos" (aspas justificadas) operando na Rua Augusta, em São Paulo. Por essa selva de prostíbulos, cineclubes, academias de ginásticas e quase tudo mais que você imaginar (até igreja evangélica) circula a mais variada fauna, e não é de se estranhar quando um vetusto senhor de meia-idade com cacoetes ansiosos pára alguém em uma fila na calçada e pergunta "o que é aqui?". Eu, como ouvinte da indagação, respondi que era um show. "De qual banda?", seguiu o tio, ao que repliquei: "essas aqui do cartaz".

As tais bandas que estavam no pôster eram OEAOZ, Íris, Fud e La Carne. E agora que passou a data, vejo quanto foi limitada minha resposta. À pergunta "o que é aqui?" deveria ter respondido: "um dos melhores shows que o senhor vai ver, e isso não é brincadeira de primeiro-de-abril" Acho que ele não entraria e teria ficado ainda mais arredio com uma resposta dessas. De qualquer maneira, o que se segue é um relato do que ele perdeu.

OAEOZ. Qualquer coisa que eu disser será nublada pela emoção. Uma banda que rasga as contradições de ser uma alma à deriva que procura salvação, mas não sabe onde ela está nem sabe se está disposto a pagar seu preço. Cinco caras que não parecem músicos, que sobem no palco e tocam canções de seis a dez minutos e não só mantém todo o público vidrado como arrancam aplausos efusivos ao fim de cada canção, como se cada uma fosse uma peça de teatro dilacerante.

Mar Dividido (achei que fosse chorar!) e 3h30 em versões lindíssimas, o trumpete de Igor Ribeiro (líder do Íris e produtor de Às Vezes, Céu, disco recém lançado do OAEOZ) sublinhando a beleza de muitos momentos, a presença de palco absolutamente sui generis do frontman Ivan Santos... O final... O final obteve o êxito de fazer até nostálgicos obsessivos cantarem que Lembranças (Não Valem Nada), numa versão que contou com namoradas e esposas dos integrantes acompanhando Ivan e Linari (La Carne) no vocal. Segundo melhor show da minha vida.

Íris, de Curitiba, como os que os antecederam, é um quarteto, mas já foi uma one man band. Rotulados como "jazz", os caras têm uma inegável manha pop, que aplicam em sua luxuriosa devassidão instrumental. Curitiba, já se escreveu, é a cidade das almas perdidas, e no som do Íris é que elas encontram tanto refresco como combustível para perdições mil. Porém, o quociente alcoólico dos músicos estava proporcional ao seu talento como instrumentistas, e acabaram levando três músicas desencontradas para tomar um rumo.

Recuperado o leme e ancorado no carisma discreto de Igor Ribeiro (o tal one man, multiinstrumentista) e na canalhice cativante de Rubens K (baixo), o trio começou a abandonar as cores pop e seguir para um jazz suado e invocado, cheio de improvisos e nuances libidinoso-lisérgicas. Em pouco tempo, fizeram mais que mandar o recado: deixaram toda a fauna da Outs (indies, coroas, rockers, posudos, incautos...) de boca aberta - este que vos escreve testemunhou duas pessoas tentando se expressar verbalmente e não conseguindo.

Lembrete importante: quando um show começar morno, dê uma chance à banda. Há dias que você não acorda 100%, mas termina quebrando a banca.

O Fud veio a seguir e não me convenceu. É fato que gosto segue critérios exclusivamente pessoais, e antipatia é um deles. Para ser justo, devo reconhecer que nunca simpatizei com o som do Fud, fosse em disco ou ao vivo. Não foi diferente dessa vez. Eles parecem seguir uma fórmula que envolve "microfonia no começo + explosão no meio + berros&gritos". Tudo fica parecendo uma gororoba de mesmo feitio, agravada pela postura "Iggy pobre" do vocalista. Mas fãs não faltam: havia entre os presentes quem tivesse viajado mais de R$ 100km só para vê-los. Para esses, um showzaço.

Quem fecharia o evento seria o La Carne. Subiram no palco às quatro horas da manhã, com um público já cansado e ainda sóbrio (R$ 3,50 uma lata de cerveja!!)... e conseguiram colocar todo mundo para suar. O show do La Carne tira as muletas de um aleijado: é impressionante o poder daquele suingue sangrento de guitarra, daquele pique entre rockabilly e jazz de quarto mundo oriundo da cozinha. Foi como se tivéssemos sido transportados para o underground paulistano dos anos 80, só que em vez de jornalistas-músicos blasés encontrássemos uns caras que dedicam cada ruga de seus rostos à música.

Olhando para eles no palco, você começa a achar meio ridículas 70% das bandas (independentes ou grandes) que você já presenciou. Porque o La Carne precisa estar no palco. Não é uma questão de querer, é de não saber viver sem. Entrosamento e peso, groove e pauleira (sem distorção!), e a magistral voz de Linari cobrindo o bolo. Belo café da manhã.

Saindo da Outs, o céu já perdia seus tons mais negros e deixava entrever a luz que dominaria o sábado. Não importava que o show tivesse começado com três horas de atraso (praxe desonrosa da casa), que a cerveja fosse cara, que algumas pessoas ensaiaram passinhos de discoteca ao som de Stooges. Interessa que, por algumas horas, as almas perdidas encontraram refúgio na música e combustível para procurar o que ainda não sabem se querem encontrar. Às vezes, um show muda pensamentos e vontades. Às vezes, céu.


Leia também:
Ás Vezes Céu, do OAEOZ, por Marcelo Costa

Links
Veja mais fotos do show no site da Gramophone
OAEOZ na Trama Virtual
Blog De Inverno Records / OAEOZ