"With The Lights Out" - "Nevermind Classic Albums", Nirvana
por Marcelo Costa
maccosta@hotmail.com
24/05/2005
De
um tempo para cá, falar bem do Nirvana começou a gerar atritos.
Tem gente que acha que os jornalistas exageraram na época
(1992) ao dizer que Nevermind foi um divisor de águas,
e blá blá blá. Não vou entrar no mérito da discussão (embora
já esteja fazendo isso), mas um disco que continua sendo discutido
14 anos depois de lançado, e 11 anos após o fim da banda, deve
ter alguma coisa de bom. Is This It, dos Strokes, que
muita gente babava como revolucionário, já foi esquecido (aliás,
quem são mesmo os Strokes?).
A febre Nirvana voltou a ordem do dia com o lançamento, no final
do ano passado, do box With The Lights Out, com três
CDs e um DVD, que ficou parado na gravadora durante anos aguardando
a decisão de uma pendenga judicial entre os ex-Nirvana
Dave Grohl e Krist Novoselic contra a viúva Courtney
Love, e ganha agora mais um item: o álbum Nevermind sendo
dissecado na série Classic Albums. Agora só falta o prometido
CD que reúne as covers da banda para esvaziar o baú de Kurt
Cobain.
With The Lights Out é daquelas picaretagens bacanas,
de fazer fã feliz. Na Galeria do Rock, em São Paulo,
é possível achar a caixinha entre R$ 250 e R$ 270. Numa Fnac
da vida, o preço quase dobra. Vale a pena o investimento? Na
boa, vale. Quem é fã, fã mesmo, conhece 95% deste box. O chapa
Marcelo Orozco, em seu livro Fragmentos de Uma Autobiografia,
falou praticamente sobre todas as canções, deixando de fora
apenas a tríade de covers de Leadbelly, um dos pontos altos
de With The Lights Out. Ouvir as demos com o livro do
Orozco nas mãos é uma boa pedida (ainda mais que o livreto do
box não traz as letras).
A caixinha abre com faixas ao vivo de 1987, partindo de uma
versão tosca e dispensável para Heartbreaker, do segundo
álbum do Led Zeppelin, e indo para canções pesadas, entre o
punk e o metal, como Anorexorcist, White Lace & Strange
e Help Me, I'm Hungry. O bicho começa a pegar em If
You Must, de 1988, que fez parte da fita demo que convenceu
os chefões da Subpop a apostarem na banda. If
You Must começa lenta e cadenciada
e vai crescendo até ganhar os berros de Kurt. Pen Can Chew
é da mesmo demo, e também se destaca. Duas boas canções que
não fariam feio na discografia oficial.
Downer e Floyd The Barber, duas do Bleach
(a primeira apenas na versão em CD do álbum), surgem
em boas versões ao vivo, que servem mais para preencher espaço
no box do que como curiosidade arqueológica. A experimental
Beans prova que a gravadora estava certa em tosar as
asinhas de Kurt no quesito viagens. Meio cantiga infantil, Kurt
desperdiça Beans ao acelerar o vocal, como se tivesse
tocando um disco de 33RPM em rotação de 45RPM. Ele queria colocar
canções experimentais em Bleach, mas foi vetado - acertadamente
- pela Subpop.
A dobradinha Don't Want It All e Clean Up Before She
Comes volta a lançar luz sobre boas canções perdidas do
Nirvana. A segunda, principalmente, ganha destaque entre as
melhores de With The Lights Out. Na seqüência, Polly
e About a Girl são os primeiros sintomas de que Kurt
se preocupava primeiro com a melodia, depois com a letra. As
duas estão quase acabadas musicalmente, mas as letras trazem
pequenas modificações. Duas versões curiosas, que, junto a outras
versões demo, mostram que Kurt guardava a letra original pra
quando fosse cantar a versão definitiva da música.
Outra boa canção esquecida (Blandest) e chegamos ao trio
de canções que são o grande destaque do box, três covers do
bluesman Leadbelly que flutuam entre o folk (They Hung Him
On a Cross), o hard rock (Grey Goose) e o rockabilly
(a sensacional e deliciosa Ain't It Shame - a melhor
música de todo box). A ótima Token Eastern Song aparece
em versão demo assim como Even In This Youth, que foi
lançada como lado b no single de Smells Like a Teen Spirit.
Polly, em versão elétrica, fecha o CD 1 da caixa.
O CD 2 abre com a inédita Opinion em versão acústica.
Kurt também apresenta, em voz e violão, a primeira versão de
Lithium, ainda sem o trecho final. No capítulo das curiosidades,
versões acústicas caseiras para Been a Son, Sliver
e Where Did You Sleep Last Night (esta última também
de Leadbelly, que Kurt e Krist tocaram para Mark Lanegan cantar
em seu primeiro disco solo, e que o Nirvana recuperou no acústico
MTV) e demos de Stay Away (Pay to Pay na primeira
versão, lançada originalmente em um álbum de raridades da gravadora
DGC), Here She Comes Now (cuja versão final apareceu
em um tributo ao Velvet Underground, Heaven in Hell),
Drain You, Smells Like a Teen Spirit (da primeira
vez que a banda a tocou, no entanto, com qualidade péssima)
e Aneurysm (demotape de outro b side).
Breed aparece em outra mixagem, mais barulhenta, e abre
caminho para as boas Versus Chorus Versus e Old Age,
sendo que esta última surgiu primeiramente em versões do Hole,
de Courtney Love, ainda quando Kurt estava vivo. Endless,
Nameless é a coda ensurdecedora que apareceu nas primeiras
versões em CD de Nevermind, lançadas no mercado norte-americano.
Pouco mais de 15 minutos após o fim da calma Something in
The Way surgia a demolição em forma de canção. Endless,
Nameless também apareceu no lado b do single de Come
As You Are. O final do CD 2 do box ainda traz as duas covers
do Wipers (D-7 e Return of the Rat, a última em
versão demo), e as conhecidas Oh, The Guilt (que foi
gravada para um compacto dividido com o Jesus Lizard) e Curmudgeon
(lado b do single Lithium). Pra fechar, a versão Butch
Vig da mixagem de Smells Like a Teen Spirit.
Após 43 músicas chegamos ao terceiro CD do box, composto essencialmente
por "restos" do poderoso In Utero. As versões demo dominam.
Rape Me aparece em uma versão acústica e outra elétrica,
a última contando com o choro de Frances Bean no mix. A versão
demo de Heart Shaped Box surpreende, mas é Milk It
(pessoalmente, uma das minhas canções preferidas da banda) que
ganha o troféu "Insanidade Rock'n'Roll". Porém, seguindo a praxe,
Kurt ainda não tinha definido toda a letra da música,
e todo o trecho final, que fala no "lado bonito do suícidio",
não aparece na versão demo. O último CD do box ainda resgata
canções lançadas aqui e ali, como I Hate Myself and I Want
to Die (que saiu em um disco do desenho Beavis & Butthead),
a excelente Sappy (escondida como faixa não creditada
da coletânea No Alternative) e Gallons of Rubbing
Alcohol Flow Through the Strip, gravada na passagem da banda
pelo Brasil, e que só foi lançada na versão brasileira do álbum
In Utero. Completam o disquinho (e a parte de áudio do
box) versões acústicas de Serve The Servants, Very Ape, Pennyroyal
Tea, All Apologies e You Know You're Right, além
de uma versão demo (e muito boa) de Jesus Doesn't Want Me
for a Sunbeam.
Já o DVD não traz tantos destaques quanto se imaginava. O tal
show caseiro, de 1987, é uma barulheira só, e pouca coisa se
salva ali. Os vídeos seguintes vão dando forma ao fenômeno Nirvana,
que a cada show parece saltar para o estrelado. Porém, de qualidade,
só as últimas canções (e o bom clipe de In Bloom). Dentre
os destaques, a primeira vez que Smells Like a Teen Spirit
foi apresentada ao vivo após as gravações de Nevermind
abre caminho para uma belíssima versão de Jesus Doesn't Want
Me for a Sunbeam no teatro Paramount, em Seattle, do show
que o jornalista André Barcinski retratou soberbamente no livro
Barulho, e finaliza com Seasons in The Sun, uma
flagra de uma gravação no estúdio da EMI na Rua Barata Ribeiro,
no Rio de Janeiro, com Kurt na bateria, Grohl no baixo e Novoselic
na guitarra.
Os "restos" do Nirvana exibidos em With The Lights Out
provam que a banda estava centrada em Kurt Cobain mais do que
em qualquer coisa. Cobain era a alma e o coração do grupo. Reunidas
em um box luxuoso, essas canções - que vagavam perdidas em dezenas
de bootlegs - encontram razão de existir e agora fazem parte
da história de uma das bandas mais importantes do rock em todos
os tempos. A rigor, um disquinho já estaria de bom tamanho para
reunir as inéditas, mas o belo acabamento do box ajuda a convencer
no investimento (só importado mesmo - a caixa não sairá no Brasil).
Já o DVD Nevermind - Classic Albums segue a linha da
série que já desbravou alguns dos discos mais sensacionais do
rock em todos os tempos, como Transformer, de Lou Reed,
Nevermind The Bollocks, dos Sex Pistols, e Dark Side
of The Moon, do Pink Floyd. Um Krist Novoselic tiozinho,
um Dave Grohl comportado de camisa xadrez, um Butch Vig babão
e alguns convidados tentam traduzir a grandiosidade de Nevermind.
Assim como em outros especiais da série Classic Albuns,
os melhores momentos são quando o produtor, de posse dos masters
originais, explica o método de gravação de algumas canções.
Butch Vig conta que assim que ouviu a banda executar pela primeira
vez Smells Like a Teen Spirit, pediu para que eles a
tocassem de novo, pois não conseguia pensar em nada que traduzisse
a excelência da canção.
Em Drain You, Vig precisou enganar Cobain - que detestava
regravar trechos ou sobrepor voz e instrumentos, procurando
sempre validar a arte sem retoques - dizendo que a fita derá
problema, para que o vocalista gravasse seis linhas de guitarra
para a canção. "Cada vez que ele gravava eu abria uma pista",
conta Vig, que mostra como a canção deveria ficar se não tivesse
feito o que fez (pálida) e como ficou (forte e visceral) após
o expediente. O DVD ainda destaca o clipe matador de Smells
Like a Teen Spirit ("Kurt olha puto para a câmera porque
estava realmente puto com aquilo tudo de gravação", diz o diretor
do clipe), a capa de Nevermind e as gravações em especial
de canções como Polly e Something In The Way.
O DVD peca em deixar de fora canções preciosas como In Bloom,
Lounge Act, Stay Away e On a Plain, que
sequer são citadas no especial. Mesmo assim, centrando foco
nos singles e na história da banda, e contando com as opiniões
importantes de Grohl, Novoselic e Vig, Nevermind - Classic
Albums consegue provar a força desde que é um dos dez melhores
discos de todos os tempos, e o melhor dos anos 90. Quem quiser
mijar no monumento, sinta-se a vontade. A História, porém, é
soberana.
Leia também
Marcelo Orozco fala sobre o livro
"Fragmentos de Uma Autobiografia", por Marcelo Costa
Charles Cross fala sobre "Heavier
Then Hell", por Victor Hugo Lopes
Resenha da coletânea "Nirvana",
por Marcelo Costa
Um grupo de
votantes aponta "Nevermind" como o Melhor dos anos 90
|