Nick Drake
porJonas
Lopes
http://yerblues.blogger.com.br
27/05/2003
Existem alguns artistas que, curiosamente,
não conseguem atingir um nível grande de sucesso comercial
no seu auge, mas que décadas depois tem seu talento reconhecido,
idolatrado e imitado. Velvet Underground, Big Star e Syd Barrett fazem
parte deste seleto grupo, entre muitos. Outro ícone cult é
o genial Nick Drake. Apesar de não ter vendido quase nada em sua
curta carreira, é hoje referência para vários artistas
e amado pelas novas gerações, vide talentos atuais como Neil
Halstead e Duncan Sheik. Dono de uma discografia perfeita e de uma vida
curta, Drake provoca arrepios em qualquer um que tenha um coração
batendo no peito.
A infância
Nicholas Rodney Drake nasceu a 19
de junho de 1948, em Ragoon, Birmânia, onde seu pai Rodney trabalhava
desde o nascimento de sua filha mais velha, Gabrielle, que, por sua vez,
nasceu na Índia. E foi também na Índia que os pais
de Nick se conheceram. A família Drake voltou à Inglaterra
em 1952 fixando-se em Tanworth-In-Arden, ao sul de Birmigham. O principal
motivo era o problema de coração de Rodney, agravado no clima
tropical da residência anterior. A família permaneceu em Tanworth-In-Arden
por mais de 40 anos vivendo numa bela e grande casa de tijolos que na parte
de trás continha um jardim que se estendia até uma colina.
Desde pequeno Nick teve muito contato
com a música, principalmente por causa de sua mãe que era
cantora e o incentivou a aprender piano. Em 1961 entrou para Marlborough,
uma das mais respeitadas escolas de música da Inglaterra. Ali se
destacou no coral e aprendeu a tocar instrumentos como clarinete e sax
alto. Mas o que realmente lhe encantou foi o violão.
Fã de artistas como Bob Dylan
e Beatles, em pouco tempo já tocava infinitamente melhor do que
o rapaz que lhe ensinou. Com seu porte físico avantajado (1,92 metros
de altura) foi escolhido capitão da equipe de rugby e era descrito
pelos seus colegas como ‘tímido e feliz’. Mas Nick ainda era bastante
introspectivo. Ele se relacionava pouco com outras pessoas, até
mesmo com mulheres, o que até hoje gera polêmica sobre sua
sexualidade (apesar da lenda de que pouco antes de morrer ele tenha tido
um caso com a cantora francesa Françoise
Hardy). Nick ficou em Marlborough até 66 quando começou
a viajar com amigos por países como França e Marrocos. Neste
último, em uma das inúmeras lendas que envolvem sua vida,
diz-se que Nick encontrou os Rolling Stones, com quem teve uma viagem de
LSD.
O início da carreira
Em 1967 retornou a Inglaterra passando
um tempo na casa da irmã Gabrielle até se mudar para Cambridge
onde foi estudar literatura. Nesse período começou a dedicar
quase todo o tempo à música, poesia francesa e ao haxixe,
o que pode ter lhe causado esquizofrenia. Já tinha um bom número
de canções que tocava para os amigos sempre impressionados
com a boa qualidade do repertório. Um dia resolveu procurar o estudante
de música Robert Kirby. Influenciados pelo trabalho de George Martin
e os Beatles em canções como Yesterday e Eleanor Rigby, passaram
a fazer arranjos de voz e cordas para as músicas. No final de 68
Nick se apresentou num festival folk anti-guerra e acabou impressionando
Ashley Hutchings, baixista do grupo inglês Fairport Convention, que
o recomendou para o consagrado produtor folk Joe Boyd. "Você deve
ligar para Nick Drake", disse Ashley a Boyd. O produtor ligou e se encontrou
com o músico. Logo percebeu que suas canções eram
especiais e convidou o cantor para gravar um disco. Não recebeu
uma resposta segura, mas era uma resposta: "Ah, bem, ok". Foi assinado
então um contrato com a Island Records, através de um pequeno
selo, Hannibal. E Nick largou os estudos em Cambridge.
As
gravações iniciais de "Five Leaves Left", seu primeiro disco,
não foram tão satisfatórias. Ele não estava
gostando dos arranjos e resolveu chamar Robert Kirby, seu amigo de Cambridge,
para trabalhar nas canções. A primeira foi "Way To Blue"
que acabou assustando Boyd e John Wood, engenheiro de som, por não
ter violão. Seria apenas a voz de Nick e um duplo quarteto de cordas.
Boyd relatou: "E eu acho que eles estiveram ensaiando isso, mas John estava
ligando e posicionando os microfones e eu pensei: Bem, não vou me
preocupar até tudo acontecer. E então John ouviria uma -
sabe, as violas, os cellos - e ouvir esse tipo de linhas intrigantes, e
eu estava ficando cada vez mais impaciente; e eu lembro de John ter sido
ríspido comigo porque eu disse: Vamos lá, eu quero ouvir
a coisa toda. Ele disse 'Seja paciente'. E então finalmente todos
os microfones começaram a funcionar e nós ouvimos Nick cantando.
Olhamos um para o outro e dizendo: Isso é demais. Isso é
maravilhoso. Nós estávamos absolutamente atônitos".
Os trabalhos duraram alguns meses
e havia uma canção que merecia um som especial, "River Man".
Nick queria que essa música tivesse eco de seus compositores clássicos
favoritos. Kirby admitiu que não estava a altura dos anseios de
Drake e Boyd contatou o arranjador Harry Robinson. "River Man" foi gravada
ao vivo: voz, violão e orquestra.
"Five Leaves Left" saiu em setembro
de 1969 causando surpresa em Gabrielle Drake que não sabia que seu
irmão já havia chegado a um estágio tão alto.
O disco foi bastante elogiado pela crítica, mas não vendeu
bem. Nick fez poucos shows. Não gostava deles. Era tímido
e não conseguia ser simpático com a platéia. Além
disso, suas canções eram complexas demais para serem tocadas
em arranjos muito simples.
Em busca de sucesso e reconhecimento
como artista Nicholas deixou Cambridge e se mudou pra Londres, onde nunca
teve endereço fixo. Morou em vários apartamentos, todos sem
mobília, com caixas de leite espalhadas pelo chão e um violão
encostado na parede. Nessa época compôs as canções
de seu segundo disco, "Bryter Layter", que levou 9 meses para ficar pronto.
Era ainda mais sofisticado que o anterior, com instrumentos como flauta,
cravo e naipe de metais. Porém era um disco mais alegre. Contou
com algumas participações especiais: o pianista Chris McGregor
registrou um solo perfeito na jazzística "Poor Boy" e o ex-Velvet
John Cale, que tinha se apaixonado pelo primeiro disco de Nick, fez questão
de tocar no álbum. Cale tocou cravo e órgão hammond
nas duas mais belas canções de "Bryter Layter": "Fly" e a
sublime "Northern Sky".
Se esperava muito sucesso de "Bryter
Layter", o que acabou não acontecendo. Isso deprimiu Nick de forma
devastadora. A gravadora, entretanto, estava satisfeita com as 15 mil cópias
vendidas. Nick fez ainda menos shows que na turnê anterior e deu
sua primeira entrevista, que acabou sendo um fracasso. Nela Drake depreciava
o disco e se dizia pouco seguro para enfrentar o palco.
A Morte
O cantor foi ficando cada vez mais
retraído. Doenças físicas, como uma pedra no rim,
surgiram causando muita dor. Às vezes desaparecia sem dar notícias
e seus pais tinham que ir a Londres procurá-lo. Nick se consultou
algumas vezes com um psiquiatra que lhe receitou três anti-depressivos
diferentes. Segundo o médico, era um caso de depressão
interna sem fatores externos concretos. O dono da Island, Chris Blackwell,
então lhe emprestou seu apartamento na costa espanhola, onde Drake
passou algumas semanas. Voltou se sentindo melhor e querendo gravar um
novo disco. Entrou no estúdio com John Wood e em duas noites gravou
"Pink Moon", seu disco mais triste e simples, contendo arranjos compostos
apenas por voz e violão, além de um piano ocasional.
"Pink
Moon" vendeu ainda menos que os antecessores e Drake acabou voltando a
morar na casa de seus pais em Tanworth-In-Arden. Quando se sentia melhor
viajava a Londres. Numa crise chegou a ficar um mês e meio internado
numa clínica devido à depressão que o impedia de andar
e falar. O cantor jogava a culpa de seu fracasso comercial em Joe Boyd:
"Um dia em Londres, o meu telefone toca e era Nick, em um telefone público,
e ele estava muito agitado querendo falar comigo. E eu disse: 'Ok, venha'.
E ele veio. Ele parecia terrível: seu cabelo estava sujo, a barba
por fazer e as unhas também sujas. E ele usava um casaco gasto.
Estava meio inseguro, muito nervoso. Sentou e imediatamente começou
a falar da sua carreira, sobre dinheiro e era basicamente acusador. Dizia:
'Você disse que eu sou bom, mas ninguém me conhece, ninguém
compra os meus discos. Eu não entendo. O que está errado?
De quem é a culpa?'. Ele estava zangado. Eu tentei explicar que
não há garantias - que você pode fazer um grande disco
e que às vezes ele não vende".
Com o fracasso na carreira de músico
começou a trabalhar como programador de computadores, emprego que
seu pai lhe conseguiu. No começo de 1974 entrou em estúdio
novamente, mas acabou abortando o que seria seu quarto disco por não
estar feliz com os resultados. Nesse ano também morou na França
por alguns meses com uns amigos em uma casa-barco. Na noite de 24 de novembro,
o inevitável.
Nick foi dormir mais cedo que o normal.
Costumava ter noites ruins e aparentemente levantou no meio da madrugada
para tomar suas pílulas de Tryptzol. Na manhã seguinte, foi
encontrado atravessado na cama por sua mãe com vários discos
espalhados no chão. No prato do som, um dos concertos de Bach. Estava
morto. Sua morte aconteceu por volta de 6 da manhã por overdose
de Tryptzol. Até hoje se discute se foi acidental ou se ele realmente
quis se suicidar. A primeira corrente consiste numa parada cardíaca
causada pelo antidepressivo. A família afirma que ele estava mais
feliz na época de sua morte e que não se mataria. Entretanto,
o juiz que investigou o caso afirmou que foi suicídio. Nick Drake
está enterrado em um cemitério de Tanworth-In-Arden.
Mais importante do que discutir se
sua morte foi proposital ou não é se deliciar com sua música,
essa sim perfeita. Fiquemos com sua sensibilidade, sutileza e maestria.
Até porque emocionar de verdade não é pra qualquer
um.
A obra
Em vida foram três álbuns
oficias de estúdio. Entre "Bryter Layter" e "Pink Moon" a gravadora
Island, detentora do catálogo da indie Hannibal, lançou uma
coletânea de material dos dois primeiros álbuns chamada singelamente
"Nick Drake". Em 1986, outra coletânea, "Heaven in a Wild Flower:
An Exploration of Nick Drake", que serviu como aperitivo para o verdadeiro
banquete: "Fruit Tree", box que reunia os três álbuns oficias
do músico mais um cd extra apenas com gravações inéditas,
"Time Of No Reply". Este álbum de raridades saiu separado do box
logo depois. Por último, a coletânea mais completa do bardo:
"Way to Blue: An Introduction to Nick Drake". Alguns bootlegs circulam
com gravações caseiras (inclusive covers de Bob Dylan) e
outros takes das canções registradas em álbum, mas
destacamos aqui apenas seu material oficial:
Five Leaves Left (1969): Uma das
melhores estréias já gravadas. Arranjos orquestrados e complexos
em uma mistura de folk com música clássica. Mesmo com a pouquíssima
idade (21 anos) Drake já mostrava ser um grande poeta ("Fruit Tree"
comprova isso). Um clima triste e bucólico acompanha clássicos
como "River Man", "Way To Blue" e "Time Has Told Me". Simplesmente perfeito.
Bryter Layter (1970): Bem mais
alegre que a estréia, "Bryter Layter" era ainda mais detalhado que
o primeiro disco. Introduzindo instrumentos de sopro às melodias,
Drake antecipava em quase 30 anos aquilo que o Belle & Sebastian viria
a fazer no fim da década de 90. "Northern Sky" é, provavelmente,
a mais bela e apaixonada canção de amor já composta.
Pink Moon (1972): Já tomado
pela depressão que o levaria à morte pouco tempo depois,
Nick radicalizou e gravou o disco sozinho, fazendo apenas voz e violão,
com um piano tímido na faixa que dá título ao disco
(e que em 2000 foi utilizada numa propaganda da Volkswagen, fazendo ressurgir
o culto ao cantor). "Place To Be" demonstrava bem o espírito atormentado
de Drake.
Time of No Reply (1986): São
14 faixas, 10 delas inéditas. Brilham as inéditas "Clothes
of Sand" e a orquestrada "I Was Made To Love Magic" que caberia perfeitamente
em "Five Leaves Left". Despidas de produção e amparadas apenas
na beleza do violão, "Man In Shed", "Mayfair" e "Fly" (está
última resgatada de um sessão caseira em 1969) surgem tão
belas quanto as versões originais. Outro ponto alto é a delicada
versão de "The Thoughts Of Mary Jane" com o auxílio da guitarra
de Richard Thompson
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Way To Blue - An Introduction To Nick Drake - Faixa a Faixa por Carlos
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