Narjara
por Leonardo Vinhas
leonardo.vinhas@bol.com.br
06/08/2003

No fim de 1997, as bandas cariocas Suínos Tesudos e Calvins começaram a fazer shows em conjunto. Os primeiros tinham acabado de lançar um álbum pela BMG, e os segundos corriam na independência. Ambas acabaram naufragando, mas Sandro Segallote e Leonardo Guimarães, respectivamente guitarrista e baixista dos Calvins, se juntaram ao tecladista dos Suínos, Rodrigo Quik (agora vocalista), para montar a banda Narjara Tureta, com uma proposta mais pop e abrangente que seus projetos anteriores. Como a atriz cujo nome foi "emprestado" ameaçou processar a banda, acabaram limando o "Tureta". (Para quem não se lembra, Narjara Tureta foi uma atriz global bem presente na primeira metade dos anos 80 que posteriormente sumiu dos holofotes).

Mais tarde, a banda ganhou o reforço de mais três membros: o baterista Beto Marinho, o trompetista e guitarrista Márcio Meirelles e a tecladista e violinista Maila-Kaarina, egressa de hordas metaleiras. A mudança dessa formação acabou trazendo influências mais inusitadas ao pop rock da banda, que manifestam-se timidamente em "Minne Mennään", álbum de estréia do sexteto, lançado por conta própria em setembro de 2002. 

Os shows de lançamento foram feitos na companhia de Penélope e Autoramas, e na seqüência, uma movimentada turnê pelo interior do Rio de Janeiro e Espírito Santo. As apresentações, a execução em FMs cariocas e a participação em festivais garantiram 1000 cópias vendidas de Minne Mennään já em maio desse ano - uma excelente marca para uma banda que não está ligada a gravadoras ou mesmo selos independentes. Recentemente, o Narjara passou por São Paulo e por algumas cidades de Minas Gerais, estendendo o alcance de seu esmerado trabalho. O som da banda começa a encorpar em personalidade, apesar de seu rock ainda soar um tanto ofuscado em seu debute (ver resenha no fim da página).

O vocalista Rodrigo Quik conversou com o Scream & Yell para explicar o progresso da banda, escancarar o esquema dos jabás, comentar as alegrias e dificuldades de trabalhar por conta própria e corrigir a ignorância lingüística do entrevistador, que não sabe distinguir o idioma sueco do finlandês.


Qual a proposta musical do Narjara?

Rodrigo Quik - Fazer rock unindo dois conceitos: o de respeitar e aproveitar as influências diversas entre os integrantes e a de fazer um rock que não seja clone ou parecido com o que é feito normalmente.

O que vocês trazem da experiência musical anterior de vocês? Afinal, você veio dos Suínos Tesudos, dois saíram dos Calvins e o Márcio é maestro.

Cara, é muita referência de trabalho autoral que a galera tem. O Marcio é formado em composição e regência pela Uni-Rio e tocou até no Zumbi do Mato; a Maila fez piano e violino na Villa-Lobos e só teve banda de heavy metal; o Gustavo, novo batera, vem de uma escola mais pra MPB,  pop e instrumental e os ex-Calvins são mais das linhas punk e rock'n'roll. E é isso que nos diverte, a diversidade que nos permite fazer coisas que ninguém faz. Até de performance de palco mesmo. A gente trabalha a individualidade de cada um em busca de um resultado coletivo.

Como foi a treta com a Narjara Tureta, a "inspiradora" do nome da banda?

Pedimos autorização para colocar o nome completo dela. Com sua negação, decidimos colocar só Narjara, sendo representado por uma líder de torcida do mal. O problema é que ela entrou numa de querer nos processar e faturar – como se tivéssemos grana pra bancar muita coisa além de ensaios, correspondências e CDs. Claro que não deu em nada, pois ficou mais do que na cara que não fazíamos nada de errado. O curioso é que a gente apareceu em um monte de lugares da mídia que nunca imaginamos, como os programas da tarde para donas de casa. E tocamos para 40 mil pessoas com Marlon e Maicon em Lorena. Além da parceria totalmente improvável, tivemos que tocar em play back, coisa que nunca havíamos feito. E nem tínhamos nada gravado. Fizemos um EP às pressas e fomos. Lá, soubemos que metade das músicas precisava ser cover. Isso mesmo, playback de cover. Tudo muito surreal.

Por que o título do disco em sueco?

É em finlandês. Tá desculpado (gargalhadas). Fizemos isso porque a Maila é finlando-brasileira e, na época, ela só falava da viagem que faria para sua terra natal. Acabou rolando uma lavagem cerebral que nos fez botar o nome do CD e escrever uma música na língua do menos conhecido país nórdico.

Vocês citam jazz e música erudita entre as influências, mas o som é bem simples no geral. Como esses estilos influem em sua música?

Quando entramos no processo de fazer o CD, o Marcio, a Maila e o Beto, ex-batera, tinham acabado de entrar. Foi um processo meio abrupto, não houve muito uma passagem organizada de influências e referências. Foi meio tudo-ao-mesmo-tempo-agora. Mesmo assim, conseguimos dar uma cara diferente do que era a banda. Sobre as influências estarem claras, esse é o maior legado que podemos dar: o de fazer rock sem que digam que se pareça com algo, e, ao mesmo tempo, sem perder a identidade rock. É isso o que queremos fazer. Não queremos que as pessoas, ao nos ouvirem, digam: "hum, essa música é meio jazz, essa outra é meio clássica". A idéia é que as referências se diluam a ponto de não ser tão perceptível e descaracterizar o rock.

A banda excursionou junto com Penélope e Autoramas. Como foram esses shows?

Foram bem bacanas e proveitosos. Ganhamos uma projeção imediata e tocamos em lugares que não tocaríamos em condições normais para uma banda nova. E fortalecemos nossa amizade com a galera do Autoramas.

Vocês se sentem próximos, em termos musicais, dessas duas bandas?

Não. Mas essa foi uma das características da turnê: não ter banda que se parecesse com a outra, mas que todas tocassem rock. Acho que foi por isso que, por onde a turnê passou, as pessoas se amarraram tanto.

"Minne Mennään" parece estar conseguindo espaço nas FMs cariocas. Como tem sido a repercussão do disco?

De início, conseguiu sim. Mas não há nada pior, quando sua música toca em rádio grande, do que não ter gravadora. A banda fica meio à mercê dos acontecimentos. E não tem fôlego para bancar várias execuções a ponto dos ouvintes pedirem, porque não dá tempo deles te conhecerem e se identificarem contigo. Temos entrado com muito mais gás nas ditas rádios pequenas, que incluem interior e comunitárias. Temos tocado mais do que Zezé di Camargo e Luciano em Guaçuí, sudoeste do Espírito Santo, entre outras rádios que têm nos executado com freqüência. É aquilo: essas rádios não representam vendas cavalares de show ou muito menos exposição posterior na grande mídia. Em contrapartida, é maneiríssimo o fato de sermos recepcionados como um artista grande e reconhecido sem ter gravadora e sem ser da região. É o que há.

Quais os planos futuros da banda?

Começamos no final do mês passado uma turnê pela região sudeste intitulada O Diário de Narjara e temos bastante shows marcados por essa região até o final de setembro. Pretendemos também laçar nosso segundo CD no segundo trimestre do ano que vem. Já temos seis músicas prontas e até o final do ano deveremos ter mais uma dez. Pretendemos ainda ser acolhidos por uma grande gravadora que invista no nosso sucesso mútuo.

E aproveitando o ensejo, "Minnie Mennään" quer dizer "Para Onde Vamos?" ou eu deduzi errado? (risos)

Certíssimo, Gafanhoto. (N.: ?!)



Minne Mennään (Narjara)
por Leonardo Vinhas

Falta alguma coisa. Essa é a sensação que fica após uma ou mais audições do álbum de estréia do Narjara. Apesar de bem intencionada e saudavelmente pretensiosa, a banda não consegue em nenhum momento criar a empatia que fará o ouvinte correr atrás daquela faixa marcante.

Há faixas com um bom riff mas sem um refrão empolgante. Há algumas letras mais interessantes sem música que garanta sua memorização. Os momentos que deveriam soar pesados ficam enfraquecidos pela produção (vide "Perdida Juventude", que poderia ser a mais radical do disco, e a faixa-título). Composições com instrumental forte cujas linhas vocais destoam em força. Durante todo o tempo fica uma sensação algo insípida, deixando tudo um pouco esquecível.

Não precisaria ser assim. Afinal o combo carioca vem munido de duas guitarras, teclado, baixo, trompete, bateria, violino e três músicos que também se fazem vocalistas de apoio. Porém, esses recursos não são aproveitados com destaque - os instrumentos menos comuns entram mais como barulhinhos estranhos do que como partes da composição. Basta ouvir "Tenho Medo", a exceção dessa regra, para perceber como os músicos estão subaproveitados.

Além disso, há momentos em que a banda acaba soando como um Biquíni Cavadão indie, e é claro que isso não é muito empolgante. Contudo não deixa de ser revelador: o BC é uma banda que poderia fazer mais que o feijão-com-arroz requentado que costuma apresentar, mas parece castrar a si própria em virtude do medo de arriscar.

Esse medo o Narjara não tem. Dá para sentir que muitas faixas ficaram aquém das intenções do grupo. É mais fácil e animador crer que essa falta de gás no som tenha mais a ver com inexperiência e má orientação na produção do que com a competência de seus integrantes. Vê-los ao vivo pode ser uma boa prova dos nove, e o tempo e o entrosamento entre os integrantes podem conferir ao conjunto aquele elemento diferencial que ora falta. Em "Minne Mennään", esse dado está presente apenas em "Tenho Medo" e no popzinho ensolarado de "Não Sei o Que Você Quer Dizer", quase um Belle And Sebastian tropical.

O Narjara tem qualidades indispensáveis para uma boa banda rock: boas idéias, influências e conceitos oriundos de outras escolas musicais, humor (e não gracejos), sinceridade e uma certa dose de ingenuidade. Falta-lhe dosar esses ingredientes, e apurar um pouco mais as letras para evitar desacertos como "Fabuloso Mundo". Sabe aquela história de "cada coisa tem o seu tempo"? Parece ser o caso do Narjara. Esperemos para conferir.

Contato: quik@ccard.com.br com Rodrigo