Propagando - Nação Zumbi
por Marcelo Costa
Foto: Fábio Braga / Divulgação

maccosta@hotmail.com
14/10/2004

Os abutres da indústria latem, a Nação Zumbi passa e demarca território. Tem sido assim nos últimos 10 anos. Sem jabá para tocar em rádio, sem ser presença constante em programas de auditório, sem ser sucesso de massa, porém, lotando praticamente todos os seus shows, a Nação Zumbi chega ao primeiro DVD, Propagando (Trama), mais forte do que nunca. "O DVD está vindo em um bom momento da banda, um ponto alto do repertório. São 10 anos propagando a nossa estética sonora", confirma Jorge Du Peixe, vocalista e percursionista do grupo, em entrevista.

O papo aconteceu no pequeno camarim de um show que a banda iria fazer para o projeto Trama Universitário, que leva artistas da gravadora para shows em universidades. Este, em especial, era um presente da Trama para um dos patrocinadores, e iria acontecer às 16h de uma quarta-feira congestionada em São Paulo. Marcada para às 15h, e com o atraso da reportagem, a entrevista durou cerca de 12 minutos em um espaço 2por2, com filmadora, fotógrafo, repórter, mais Jorge Du Peixe, Lúcio Maia (guitarra) e Nino Brócolli (baixo). Um pequeno caos acentuado, ao fundo, pelos tambores devastadores que marcavam presença na passagem de som.

"Basicamente, a idéia principal do DVD era registrar um show inteiro da banda, sem paradas", explica Du Peixe. "Em nenhum momento repetimos músicas. Tínhamos 23 câmeras dispostas para tentar captar uma dinâmica do palco todo. É um show corrido, inteiro, e as câmeras tinham o papel de captar toda a 'vibe' do show", continua. "A gente participou de toda a criação, toda gestação, desde a idéia inicial do que viria a ser o DVD passando pelo projeto gráfico, por aquela capinha que remete a blaxploitation até aqueles cartazes de pornochanchada dos anos 70, mas com uma cara de Brasil, trazendo elementos do que estava no conteúdo do DVD", resume o percursionista.

Propagando compila em 150 minutos de imagens (2h30) um show completo que a banda fez no Directv Music Hall, em São Paulo, mais um extenso (e muito interessante) documentário sobre a turnê que a banda fez pela Europa no fim do ano passado (shows em Sevilha, Madri, Paris e Londres em oito dias), videoclipes (Quando a Maré Encher, Blunt of Judah e Propaganda), making of do DVD e Guitacammacô, uma versão de Macô, ao vivo, sob a ótica da guitarra de Lúcio Maia. "Nós procuramos trazer coisas como se fossem um bônus, mas o principal do DVD é aquele show. É o repertório completo do show que a gente fazendo do disco Nação Zumbi. Está tudo bem amarrado", garante Jorge.

O percusionista tem total razão. O repertório de 17 músicas (contando com um pout-pourri no final: Da Lama ao Caos e Umbabarauma) é um passeio pelos 10 anos de história da banda, vindo de canções da dobradinha Da Lama ao Caos (1994) e Afrociberdelia (1996), que ainda traziam Chico Science (1966/1997) à frente do baque, (Samba do Lado, Macô, Banditismo Por Uma Questão de Classe, O Cidadão do Mundo, Manguetown), até faixas mais recentes como Quando a Maré Encher e Remédios (do álbum Rádio S.Amb.A) e sete canções de Nação Zumbi, o disco, incluindo os hits Blunt of Judah, Mormaço e Meu Maracatu Pesa Uma Tonelada. Como brinde especial, uma versão sinuosa e acachapante de Purple Haze, de Jimi Hendrix.

O show mostra as várias nuances da Nação Zumbi ao vivo. Alterna porradas comandadas pelos tambores e pela guitarra de Lúcio Maia com canções de levadas mais psicodélicas. "Eu acho que (o DVD) chega bem próximo do impacto que é a Nação Zumbi ao vivo", acredita o baixista Nino Brócoli. "A gente fez tudo de uma tacada só. Não teve aquele negócio de repetir música. A resposta do público foi boa, a galera canta. O DVD traz closes, detalhes das músicas, coisas que ao vivo às vezes o público não percebe. É bom para ver em casa e é bom para ter uma noção do que é a Nação ao vivo", resume o baixista. "Estamos felizes pra caramba com o resultado final", completa Jorge Du Peixe.

No DVD, antes de começar Blunt of Judah, Jorge Du Peixe fala sobre futurismo e ficção cientifica. "Blunt of Judah é o que você quiser", diz o percursionista para o público. Mas a Nação Zumbi também é ficção científica? "Eu acho que ficção cientifica impulsiona novos caminhos pelo mundo todo. A gente aborda de uma outra maneira. O fato de estarmos trazendo em nossa estética sonora o afro-futurismo se insere na ficção científica também. Tem partes de sincretismo ali aliadas a toda uma tecnologia que temos ao nosso dispor. Ficção científica não é só filme de naves espaciais. São idéias que podem levar o mundo um pouco para frente. Acho que a gente se enquadra de alguma maneira nisso", garante o vocalista.

A história faz relembrar o PXI 3000, codinome que Jorge Du Peixe usou no projeto passado. "A gente usou isso no Radio S.Amb.A, que foi o disco anterior. A idéia era a de um gigantesco condomínio sonoro onde a Nação Zumbi era a zeladora do bom som. Era como se fosse uma nave sonora que pudesse trazer uma nova estética sonora que não toca nas rádios. Era uma parada tipo serviço ambulante da afrociberdelia", encerra o vocalista.

Depois do papo, Lúcio, Jorge e Nino foram para a passagem de som. Em 10 minutos, o local ficou abarrotado de gente. É a vez da Nação Zumbi, em cima do palco, propagar a sua estética sonora. Fim da conversa.


A gravação
Suingue vence o barulho em show da Nação Zumbi

por Marcelo Costa
maccosta@hotmail.com
12/12/2003

Pouco mais de um mês após a avassaladora apresentação que a Nação Zumbi fez no TIM Festival, no Rio de Janeiro, a banda recifense aportou em São Paulo para gravar, ao vivo, seu primeiro DVD, em comemoração aos dez anos de batalha no cenário musical brasileiro. Porém, se o barulho e o pogo reinaram no show do Rio, em São Paulo quem mandou foi o suingue e o gingado.

Da abertura até a metade do show, o agito foi comandado pelas guitarradas e batidas de tambores. Mormaço, Samba do Lado e, principalmente, Quando a Maré Encher, contagiaram o público que pulou e cantou muito, transformando a pista do Directv Music Hall em um imenso salão de festa (punk).

Na metade do show, belos efeitos de guitarra flutuaram no ar, com o baixo comandando a levada, fazendo o corpo gingar. Reinou o som psicodélico da guitarra e do lap top, ambos comandados por Lúcio Maia, e das letras viajandonas do grupo. "A Nação Zumbi também é ficção científica", explicou o vocalista/percusionista Jorge Du Peixe.

No palco, os integrantes da banda pareciam nervosos, provavelmente pelo fato de estarem sendo filmados por, no mínimo, vinte câmeras (de todos os lados). É o tipo de show em que nada pode sair errado. E, com exceção de uma microfonia no finalzinho de Prato de Flores, a apresentação foi impecável.

A simplicidade da iluminação (com base nas luzes brancas, douradas e vermelhas) e a arte dos desenhos no palco (uma cidade dominada pela música, representada por rádios e tambores sobre prédios) tornaram o ambiente bastante intimista e funcional.

Como grupo, a Nação Zumbi parece atravessar a sua melhor fase. Vindos de uma pequena e vitoriosa turnê européia (quatro shows em oito dias: Londres, Marselha, Sevilha e Paris) e da matadora apresentação no festival carioca, os recifenses chegaram em São Paulo com a moral alta. O bom clima dessa nova fase é representado pelo revezamento dos vocalistas. Além de Jorge Du Peixe, assumem o microfone os percussionistas Toca Ogan e Gilmar Bola Oito, e o guitarrista Lúcio Maia.

A banda passeou pelo repertório de seus quatro álbuns. Relembrou o amigo Chico Science em uma versão cadenciada e contagiante de Manguetown e em uma barulhenta e guitarreira versão para Da Lama Ao Caos, além da batida dançante de Cidadão do Mundo. Do último disco, Nação Zumbi, tocaram praticamente tudo, com destaque para Blunt of Judah, Meu Maracatu Pesa Uma Tonelada e Propaganda, esta última com participação de Rodrigo Brandão do Mamelo Sound System.

Ao repertório oficial da banda foram acrescidas duas covers. A primeira, uma versão pungente e sinuosa de Purple Haze de Jimi Hendrix, de ganhar benção do guitarrista. A outra, uma versão pesada e densa de Umbabarauma, de quando Ben Jor era Jorge Ben, herança do tempos em que o guitarrista Lúcio Maia tocava no Soulfly do ex-Sepultura Max Cavalera.

O público que lotou a pista do Directv dançou e cantou muito, em uma noite em que o suingue venceu o barulho. Mesmo assim, o barulho marcou presença em riffs pesados de guitarra e nas batidas dos tambores. Agora, é esperar o DVD. A banda lança em 2004 o registro deste show, que terá como extras um documentário sobre o grupo e trechos das apresentações dos recifenses na Europa.

Site Oficial da Nação Zumbi