My Chemical Romance em São Paulo
por Danilo Corci
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Fotos: Stephan Solon
27/02/2008

Enquanto os ranzinzas reclamam que vida de jornalista é muito difícil e fãs acham que é a maior moleza, me vi escalado para cobrir o segundo dia de shows do My Chemical Romance em São Paulo. Tarefa difícil para alguém que gosta muito de música, mas mal conhecia a banda de fato, exceto que era a coqueluche emo. No dia chuvoso de 19 de fevereiro, deixo o centro da metrópole em direção ao longínquo Via Funchal, o templo escolhido para o ritual de adoração dos fãs. No caminho, uma amostra do que teria pela frente. Em plena Rua Augusta, o novo "emopoint" paulistano, uma pichação dá a dica: "Ame o amor. Odeie o ódio". Quanto sentimentalismo...

Cinqüenta minutos depois e três ônibus devidamente sonolentos, desembarco uma quadra acima do local. O trânsito caótico - metade pela chuva paulistana, outra metade dividida pelo acesso à rua do Via Funchal e o horário de rush, adentro ao Mar Negro de maquiagens borradas. Centenas de miniadultinhos vestidos de preto, desfilando a cara repleta de rímel e demais maquiagens, tentando passar uma postura sonolenta e triste, mas a estampa de felicidade não conseguia ser escondida. Em direção ao local para retirar minha credencial, passo por um princípio de confusão: duas inadvertidas garotas desfilam serelepes com camisetas do NXZero, sendo imediatamente repelidas pela Way's Gang no mais legítimo xingamento grosseiro de "feias, sujas, bobas e moram longe". Ok, aquilo poderia ser mais divertido do que eu imaginava.

Já dentro do Via Funchal, observo a alegria desmedida de crianças felizes com o brinquedo novo: milhares de fotos pipocavam, todos queriam dizer que ali estiveram. Ao meu lado, um pai na faixa dos trinta levava muito a sério o slogan da década de 80 que dizia que não basta ser pai, tem de participar. Por isso ali estava para levar sua filha de onze anos, uma fanática pelo MCR. Ele abriu um sorriso ao perceber minha diversão com tanta alegria dentro do lugar e fez um muxoxo em minha direção: "Devoção é uma merda, acaba com o rock". Profético!

Começa então o show, com uma canção que não fazia a menor idéia de qual era. A catarse é geral. Gritos, urros, sim dona Ivete, vai rolar a festa. O My Chemical Romance pertence ao grupo A de bandas do novo milênio, ou seja, a competência tem um peso fundamental, mais do que a própria música. Os caras são, de fato, competentes no que fazem (o outro grupo, o B, inaugurado pelos Strokes, vai na sujeirinha e errinhos como grande mote). Ao mesmo tempo em que a competência extrema é o forte da banda, ela também é seu fraco, já que torna tudo muito enfadonho para quem não é devoto. Os meninos do MCR sabem de onde vieram, como fazer e como obter o resultado desejado - pobre meninos ricos.

Enquanto isso, o público enlouquecia em cada canção e, estarrecido, assisti outra manifestação de hostilidade de uma fã contra o tadinho de um fotógrafo que por lá tirava fotos (são só três músicas, tenham calma): "Vai pro inferno!". O horror, o horror, o horror. Sim, os fãs do My Chemical Romance são bonzinhos.

Ou seja, nada mais tranqüilo de que ir ao show da banda - previsível, na paz, sossegado, nem beber, eles bebem. Então, meu desejo por alguma confusão, um slam dance ou pogada estavam completamente soterrados. Era hora de tomar minha cerveja de R$5 e deixar o show correr e prestar mais atenção no palco do que no público. Gerard Way e sua patota foram bem antipáticos durante a estadia no Brasil, mas não conseguiram ser o blasé o suficiente - falta coragem, tratam os fãs na chibata, mas assopram depois. Na minha cabeça vinha a música do Black Rebel Motorcycle Club: "Whatever happened to my rock 'n roll"? Sim, aquele não era o meu rock, era da Legião, dos devotos. O errado ali era eu.

Canções atrás de canções, o My Chemical Romance não deixou a peteca cair para os fãs. Disneylândia de rímel. Alegria, felicidade. O frustrado ali tinha só um nome: Danilo. Conformado porque o bem vence o mal, sempre, via os choros, a banda esmerando sua competência e alguns tímidos contatos com seus adoradores. Beleza, MCR está liberado, é o Palavra Cantada para adolescentes ou pré-adolescentes, mesmo que suas letrinhas sejam sofridinhas - e adolescentes adoram ser sofridinhos. Porém, verdade seja dita. Se o MCR fosse um automóvel, eles seriam o que as montadoras chamam de "carro de entrada", ou seja, metade daquele grupo de fãs vai voltar ao passado e começarão a ouvir Supertramp. Outra metade, a mais atormentadinha, vai descobrir os Stooges em algum momento. Na minha contemporazição máxima, digo que poderia ser pior...

Ali todo mundo renegava o rótulo de emo, mas todos estavam fofamente emocionados. É, meu lugar não era ali. Definitivamente, devoção não combina com meu vocabulário. Deixei-os brincando com a banda pouco antes do final. De nada adiantou, pois quase fui atropelado pelas fãs enlouquecidas que corriam para tentar cercar a van de onde os meninos iriam embora. Foi a coisa mais perigosa da noite. E aquele pai com quem trombei dentro do Via Funchal ia embora conformado - nada como a idade para dar tolerância a tudo. Até mesmo à correção no rock.

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