Entrevista - Mauricio Takara
por Marcelo Costa
Fotos - Divulgação
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29/06/2005
No momento que está entrevista é publicada, o Hurtmold retorna
ao Brasil após uma turnê européia que começou no badalado festival
Sónar,
em Barcelona, no dia 16/06, depois seguiu para Murcia, também
na Espanha, no dia 19, com parada em Lisboa no dia 23/06 e encerramento
da turnê em Londres, no dia 24. Mauricio Takara, o baterista
da banda, no entanto, ficou na Europa para acompanhar o coletivo
Instituto, que inicia turnê no velho continente.
Um dia antes de viajar, logo após um ensaio com o Hurtmold, Takara conversou com o S&Y sobre o lançamento de seu segundo trabalho solo, M. Takara com Chankas e Jon (Slag Records), e contou um pouco do que estava preparando para a turnê. Takara tem 24 anos, toca bateria, mas na verdade é multi-instrumentista, tocando trompete, baixo, guitarra, vibrafone, metalofone e faz programações eletrônicas.
Assim como sua estréia, M. Takara com Chankas e Jon é instrumental e transita pelo jazz, post-rock, minimalismo e música
ambient, mas pode ser definido como "música eletrônica instrumental e livre",
segundo o próprio músico, ou, melhor ainda, como "trilha sonora do cotidiano". A idéia de fotografia é perfeita para resumir o trabalho do baterista. M. Takara com Chankas e Jon é um disco muito visual.
Baterista de uma das bandas mais aclamadas do cenário independente brasileiro
nos últimos anos – e que ganhou o título
de "maior banda indie do Brasil" em reportagem de capa da revista Rock
Press – Mauricio Takara gostaria de ficar trancado em um estúdio,
se dedicando à música o tempo todo. Como ainda não há como fazer isso,
festeja (com todo mérito) sua segunda turnê européia, coloca seu segundo álbum
nas lojas e anuncia: em agosto o Hurtmold aporta no nordeste! Confira a integra
do bate
papo.
Como você se divide em tantos projetos?
Cara, na verdade é meio louco, mas em geral dá para levar. O Hurtmold e o meu
projeto solo vão tranqüilos juntos porque, apesar do Hurtmold tomar bastante
tempo, em geral quando faço show com a banda, também me apresento solo. E o show
solo ainda conta com o Fernando (Cappi), que também é do Hurtmold. Então não
tem muito problema de baterem horários. A gente vai se arrumando. Tem umas épocas
que aparecem outras coisas, mas em geral não tem muito erro. Em termos de criação,
o Hurtmold é bem o contrário
do projeto solo. É bastante gente, seis pessoas. Em geral compomos juntos, é todo
mundo tocando ao mesmo tempo, tendo idéias. Já no
projeto solo é o contrário. Sou só eu na hora de criar, de compor, de ter idéias.
Nas horas livres do Hurtmold aproveito para fazer esse trabalho. Às vezes acontece
de pintar algo com o Instituto, toco com eles também. E o Instituto é meio por época.
Tem época que a gente faz bastante show, tem uns períodos para se fazer
coisas novas, mas tem umas épocas em que fica meio parado, então a gente vai
tentando encaixar. Por exemplo, agora, nessa viagem para a Europa, eu vou tocar
com o Hurtmold, com o projeto solo e com o Instituto. Esse mês inteiro eu ensaiei, às
vezes com o Hurtmold e o Instituto no mesmo dia, mas é uma coisa que não atrapalha.
O que atrapalha, na verdade, pra ser sincero, é a parte burocrática da coisa.
Ter que resolver os outros problemas de burocracia em geral.
Se fosse só se dedicar à música...
Poxa, eu ficaria o dia inteiro no estúdio fazendo som facilmente. Seria tranqüilo, mas tá bom. Fazendo esse tipo de música que eu faço já ta rolando coisa pra caramba.
Quanto tempo você trabalhou no disco novo?
Fiquei um ano e meio trabalhando nele. Foi desde que saiu o meu primeiro disco em julho de 2003. Fiquei metade de 2003 e 2004 inteiro trabalhando nele. Terminei no fim do ano passado.
O que você vê de diferença deste segundo disco para o primeiro?
É totalmente diferente. O primeiro é um disco que na verdade eu vinha fazendo há muitos anos. Na verdade nem é um disco, e sim uma coletânea de coisas que faço sozinho há vários anos, sei lá, desde uns sete anos atrás. Sempre gostei de fazer coisas sozinho. Às vezes eu usava algumas dessas coisas no Hurtmold, mas muita coisa acabava sobrando. Então o primeiro disco foi meio sem querer. Chegou uma hora que eu tinha bastante coisa, então eu mostrei pros amigos, eles gostaram, eu gostei, e saiu. Tanto que nem fizemos show na época. Era só um trabalho de estúdio mesmo. E esse disco teve uma resposta boa. Então comecei a fazer show, e nem era baseado no disco, eram coisas novas. Comecei a me apresentar como dueto, eu e o Fernando tocando guitarra e vibrafone. Então comecei a trabalhar o material novo, que em principio era para o show, e que acabou sendo o repertório deste – segundo – disco. Eu meio que usei o mesmo método de trabalho do anterior, de gravar um monte de coisas, de ter um monte de idéias, e desse material grande juntar tudo de uma forma que fizesse sentido. E usei muito mais o computador neste segundo disco, o que não aconteceu no primeiro. O outro era um lance bem mais analógico, mais rústico. Eu ia criando loops, ia sobrepondo instrumentos. Dessa vez não. Eu criava umas bases, tinha umas idéias. Sampleei bastante, o que não aconteceu no outro. E depois que eu já tinha criado algumas música, reeditava elas no computador. Foi bem mais recortado.
Você já começou fazendo ele pensando em fazer um álbum...
É, exatamente. Nunca tive a preocupação de manter qualquer linha de raciocínio por causa disso, mas com certeza, desde que comecei a trabalhar nessas músicas, eu já pensava em lançar no formato de disco, coisa que no outro não rolou.
O Hurtmold está com quanto tempo?
A gente começou em 98, então são sete anos.
E como você vê essa coisa de carreira solo depois de tocar tanto tempo com tanta gente?
É louco. Como eu disse, sempre fiz esse trabalho sozinho. Nem que fosse por exercício. Estou sempre tentando me manter criando. Mas foi meio louco, porque foi sem querer. Quando pensei em lançar aquelas músicas como um primeiro disco, pensei em vários
nomes e tal, e pensei: 'Quer saber, vou colocar meu nome mesmo'. E acabou rolando
uma coisa legal. Hoje em dia eu toco bastante. Já fiz uma turnê pela Alemanha e pela Polônia, e estou voltando agora.
E como foram esses shows lá?
Foi legal pra caramba. A gente fez em um festival bem legal que se chama Clube Transmediale em Berlim, e era um festival mais para música eletrônica experimental. E teve uma resposta boa, com gente pra caramba no show. Fiz muitos contatos. Depois fomos para a Polônia, e lá fizemos um outro circuito, que eram umas casas de jazz. E era tudo show que éramos só nós tocando, e sempre tinha gente pra assistir, o pessoal gostou. Vendi disco. Foi meio impressionante.
Você no formato duo?
Isso! Eu e o Fernando.
E agora pro Sónar Espanha?
Eu vou fazer sozinho mesmo, que é um formato que eles pediram. Então vai ser
mais o esquema de Live PA, como eles chamam. Vou meio que tocar um laptop, um
sampler e uns discos. Vou meio que desconstruir e reconstruir umas coisas minhas.
Umas coisas desse disco e umas coisas novas que já preparei especialmente para
este set. Será uns 40, 50 minutos, com bastante improvisação, bastante coisa
criada na hora. E depois farei uma discotecagem bem curta, de uns 20 minutos,
bem no contexto do palco que a gente vai tocar, que é o Underground Brasil, que é meio
direcionado para mostrar a nova música experimental brasileira, coisa que nem é muito
conhecida por aqui mesmo. Vou tocar Cidadão Instigado, Egberto Gismonti, Dia – que é um
projeto do Carlos Issa do Objeto Amarelo, Space Invanders, essas coisas.
Vai ser legal. Quando me chamaram para fazer isso pensei: 'Vou discotecar
o
que fora as minhas coisas?' Fiquei meio assim. Então decidi mostrar algumas
coisas
que provavelmente o povo de lá não conhece.
Você vai tocar com o Instituto e o Hurtmold também nesse palco?
Não, não. O Instituto vai ser depois. Nesse palco vai tocar o Artificial, do
RJ, que é do Kassin, um projeto que ele faz com game boy, depois o meu projeto
solo, depois o Hurtmold. Depois do Sónar vamos fazer mais algumas cidades da
Espanha, Lisboa e Londres. Então eu fico lá na Europa para acompanhar o Instituto.
Se você encontrasse um amigo que você não cruza há muito tempo, e você fosse dar o CD para ele, como você apresentaria o disco?
Putz, cara é difícil (risos). Eu falaria que é música eletrônica instrumental
e livre. Livre de conceitos, de regras. É bem variada. Apesar de ser musica eletrônica,
tem muita coisa de rock, de jazz, de música brasileira, bastante música contemporânea.
Mas a base acaba sendo música eletrônica porque é a forma que vi de juntar
tudo isso, através de sampler, programações e timbres eletrônicos. Eu diria
que é isso: música livre experimental eletrônica, seja lá o que isso signifique.
Pra mim o disco funciona mais como uma trilha sonora do cotidiano. É um
monte de informação junta, que vai entrando algo, e sai algo. Tem coisas que
as pessoas acabam prestando mais atenção e outras que passam batido. Acho que é meio
por ai...
A música eletrônica cresceu muito nos últimos anos, não só a de massa, mas a experimental também...
É verdade. E foi no mundo inteiro. Acho que o acesso às possibilidades tecnológicas aumentou um pouco, e isso ajudou, embora eu não ache que a música eletrônica seja baseada apenas nisso, especificamente. Tem gente que faz música eletrônica de várias formas...
Como o seu primeiro disco...
Exato, que eu fiz com um porta estúdio de cassete. Tem gente que faz com ondas de rádio. Tem gente que monta os próprios circuitos. Tem de tudo. Mas com certeza o crescimento tem relação com as novas tecnologias. Uma é a facilidade do acesso e outra é que a música eletrônica, desde que surgiu, acabou sendo muito estigmatizada como música de festa, como o drum’n’bass e o tecno, e na verdade isso domina, mas aos poucos está rolando uma produção maior e um interesse maior em um outro tipo de música eletrônica. Às vezes fico até com o pé atrás de dizer que faço música eletrônica porque tem muita gente que imagina uma coisa completamente diferente. Mas hoje em dia já está existindo uma música eletrônica que é improvisada, que trabalha mais o ambiente, que tem todos os elementos de outros tipos de música. Eu me ligo muito em composição espontânea, free jazz, de música contemporânea erudita. Hoje em dia já há uma produção grande em música eletrônica contando com estes elementos. Na verdade, demorou um pouco, mas acabou virando uma música tão aberta quanto qualquer outro tipo de música. É só um meio de fazer música. Na verdade, tudo é som e silêncio
organizado de alguma forma, seja eletrônica ou rock, enfim.
O que você tem ouvido e que te influencia no seu trabalho?
Cara, ao meu ver, tudo que ouço acaba me influenciando. Desde as coisas que eu gosto até aquelas que ouço no rádio, e que não gosto, mas acaba influenciando de alguma forma. Principalmente coisas que não são musicais, como filmes, o cotidiano, barulhos da rua. Sinto que essas coisas acabam surtindo bastante efeito na forma que componho. Em termos de música, para citar nomes, não que eu ache que me influencie diretamente, mas tenho ouvido bastante uns artistas dessa praia de música experimental, tipo Prefuse 73 e Rob Mazurek, que inclusive vai tocar também no Sónar Espanha. É um cara que gosto bastante. Sem contar muita coisa de free jazz, gente mais antiga, tipo a fase final do John Coltrane, e música africana, música da Etiópia, essas coisas. No fim é uma mistura grande.
E a cena brasileira?
Está bem melhor para se movimentar hoje em dia. Não falo nem de uma cena especifica, mas para o músico em geral está bem mais aberto, apesar de ainda ser segmentado, mas não tem comparação de como era uns anos atrás. Hoje em dia o Hurtmold toca bastante, eu toco bastante com meu trabalho solo. A gente já lançou quatro discos e praticamente já vendeu tudo que a gente já prensou. Tem dois discos indo para a reprensagem! Estamos indo tocar fora, está melhorando. Em sete anos de banda vamos fazer a nossa primeira turnê pelo nordeste, em agosto. Tudo isso seria mais complicado um tempo atrás, principalmente em se tratando do tipo de música que a gente faz, que é uma música mais desvinculada de qualquer movimento, de qualquer cena. Tudo isso é positivo.
Para fechar, o Hurtmold é a maior banda indie do Brasil? (risos)
Não!!! (risos). Não é não. Sei lá de onde surgem essas idéias. Eu nem saberia dizer o que isso significa. É claro que é legal ser considerado e tudo, mas pra gente não significa nada efetivamente. Tem banda que, com certeza, toca muito mais que a gente, vende muito mais que a gente. Mas a gente está tentando fazer música de verdade. Isso para mim já é uma conquista. Poder continuar com isso, e ainda tendo respaldo da mídia e do público, melhor ainda.
Leia também:
"Cozido", do Hurtmold,
por Leonardo Vinhas
Links
Site Oficial do Hurtmold
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