"Mirando Caer La Lluvia", Mimi Maura
Por Leonardo Vinhas
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18/03/2008

Céu, Mariana Aydar, Marina Elali, Vanessa da Mata... você distingue alguma delas? Em comum, todas têm o mesmo tipo de cabelo, a mesma voz, a mesma vontade de unir "brasilidade" (ai...) com eletrônica (que "novidade", hein?) e o mesmo público, do qual tua namorada estudante-de-Letras-que-faz-teatro faz parte. E você ás vezes até escuta essas donas, apesar de não saber a diferença, porque afinal de contas, são mulheres mais ou menos simpáticas fazendo um som mais ou menos audível. Agora pense em juntar essa mulherada às tais das "cantoras ecléticas". Pensou? Seria triste, não é mesmo? Regravações de sambas-canções dos anos 40 com arranjos eletrochic, baladas românticas do rock brasileiro dos anos 80 em clave trip-hop diluída... Não seria nada fácil.

Agora transponha esse "contexto" para a Argentina, com as devidas alterações folclóricas, e você pode ter uma idéia da proposta da porto-riquenha (radicada na Argentina) Mimi Maura. Na verdade, a idéia dessa respeitável guria é um pouco mais interessante e refinada, distante do "aburrimiento" acima descrito, mas pra que empurrar uma breve e incompleta análise do cenário cultural argento, coalhada de referências que te seriam desconhecidas, se você podia entender o básico com uma comparação preguiçosa-padrão?

Maura é intérprete, isso é certo, e quem escolhe seu repertório é seu produtor, arranjador e marido, o saxofonista veterano Sergio Rotman (da formação original de Los Fabulosos Cadillacs e fundador dos Cienfuegos), o que faz com que "Mirando Caer La Lluvia" seja tão dele quanto dela. Mais dele, se bobear, mas ele não tem "a" voz. E a já experimentada cantora em questão sabe trabalhar pequenas variações dentro do mesmo registro que dão a ela um ar entre o áspero e o sedutor, que quando devidamente inseridos em seus bolero-dubs, fazem com que você se imagine num pub enfumaçado perto de Palermo Viejo, suficientemente cinza e longe dos turistas, com uma Quilmes Stout e um bourbon, e no qual você tem o prazer de ir só pra ver se o Javier Malosetti vai aparecer para dar uma canja.

Sim, você leu bolero-dub. Pois é, já tinha avisado que a proposta era diferente das aspirantes a estrelas brazucas (e também, Mimi não é nenhuma garotinha de vinte e poucos anos). Na verdade, a idéia desse disco passa obrigatoriamente por Jamaica e Argentina, não se prendendo às obviedades nacionais. O reggae, propriamente dito, aparece pouco, o tango nem dá as caras. Mas tudo passa por um filtro que, se não é psicodélico, ao menos vem envolto em fumaça. A exceção (honrosa) fica por conta de "So Little Time", onde ela "enguitarra " um pouco o arranjo e chama o trovador punk Boom Boom Kid para colocar um alto riff de seis cordas. O único aceno ao rock em todo o disco.

Dá para perceber que a mulher e Rotman gostam mesmo é das baixas freqüências e dos órgãos "freados", que mais fazem intervenções que fraseados. O dub é a base da maior parte do serviço, armando camas para toast agressivo ("Lonely Days") e para uma servida considerável de psicodelia, sem esquecer a possibilidade insinuante em tesão não-coital na faixa-título, que traz um clima de entorpecimento sereno e centrado acompanhando a visão lânguida de tua mulher fumando pelo quarto enquanto segue no mais demorado e excruciante trajeto para buscar um copo d'água. Palmas para o "acordeonista invitado" Chango Spasilk, que contribui muito para esse clima.

"Mirando Caer La Lluvia" tem bastante ska, também, porém mais para Skatallites (com direitos a pianos jazzísticos e afins) que Two-Tone, tem o dancehall melancólico e "chameguento" "My Last Love", em dueto com Guillermo Bonetto (vocalista de Los Cafres, o Cidade Negra vendido em pesos) e outras belezas. E tem também uma faixa que nem merece ser citada de tão nula, que permanecerá anônima devido à sua insignificância. Não se ganha todas.

Enfim, "Mirando Caer La Lluvia" tá aí. Vem de um país cuja produção musical não conhecemos nada (não, Soda Stereo não é referência suficiente) e que tem uma puta cena produtiva. Não que algum de nós se importe. E se um dia você cair pirado em algum boteco caro na Recoleta, a culpa não é nossa.

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Site Oficial - http://www.mimimaura.com.ar/