mim
por
Leonardo Vinhas
leonardo.vinhas@bol.com.br
04/09/2003
É verdade que é fácil
usar o passado de Eva Leisz para falar de sua nova banda, o mim (com m
minúsculo mesmo). Dá perfeitamente para dizer que ela veio
do barulhento quarteto punk Pólux, que também revelou ao
rock nacional Bianca Jhordão, hoje no Leela. Também poderia
ser dito que Eva é mais uma mulher a se destacar na cena independente
carioca. Mas é também verdade que isso não diz nada,
e o mim é uma banda com algo a dizer. Pelo menos em sua música.
Formado em 2001, o mim entrou em estúdio
no ano passado para gravar as quatro faixas que constam de sua demo. A
formação já não é a original (até
a plural Kátia Dotto
passou pela banda), mas o som preserva sua essência: pop eletrônico,
com influências de rock e trip-hop, cheio de sexualidade insinuada.
Ou "pop pervertido", como prefere Eva. "Diferente do pop atual que toca
hoje nas rádios, o mim faz uma música também pop,
mas com toques pervertidos, ou seja, mais audacioso e com atitude", define
a guitarrista e vocalista. "Várias bandas fazem isso, não
é exclusividade do mim, é uma forma irônica de rotular
o que não pode ser rotulado".
Talvez seja um rótulo irônico,
mas não dá para negar o lado sexy e provocante do som e da
imagem do mim. Basta uma simples olhada nas fotos de divulgação
para constatar lascívia sinuosa, ora implícita ora mais evidente,
mas sempre bem perceptível. Ou a audição das duas
faixas presentes na coletânea "Tributo Ao Inédito" Tanto a
excelente "Hoje" como "A Mancha" apresentam vocais lânguidos e sussurrados
amparados por uma mesmerizante batida e por climas andróginos. Não
seria esse pervertido algo um tanto erótico demais?
"É pervertido não no
sentido pornográfico da palavra e sim no sentido inovador e incomum",
defende. E insiste que seu trabalho reflete uma expressão artística
pessoal, sem caráter provocativo. "Se isso (a provocação)
incomoda, faz com que alguns se interessem em mim como um objeto, só
tenho pena a sentir pela limitação alheia. Ninguém
deve ficar se travando pelo que os outros podem ou não pensar de
você. Isso não seria arte, seria como trabalhar num banco,
só que com notas musicais em vez de dinheiro. Faço o que
sai de mim sem me podar. Se o que me poda os outros chamam de 'provocação',
não me importa! Só sei trabalhar assim".
As influências de Eva só
fazem complementar esse quadro ambíguo. Do punk que permeava o Pólux
ainda restam fortes resquícios emocionais ("até hoje, quando
escuto o "London Calling", do The
Clash, fico toda arrepiada", admite com orgulho), mas o leque de referências
mais atuais, abrigados sob uma égide que ela denomina "música
andrógina", dá pistas mais claras do que pode ser encontrado
no mim. David Bowie, Garbage, Jay-Jay Johanson, Tom Bloch, Depeche Mode,
Madonna... "bandas que misturam estilos e influências". Se há
alguém letárgico o suficiente para achar curioso que uma
ex-baixista de um combo de punk porradaria se enverede hoje por esses caminhos,
Eva explica com lógica e paciência. "Tem que ouvir e se atualizar
musicalmente. Eu sempre gostei do movimento e da música punk, fez
parte da minha vida por um longo tempo. Mas o mundo, sua arte, vão
se transformando naturalmente e você pode acompanhar o que tem de
novo ou ficar estagnado no “punk forever”. Decidi abrir meus ouvidos pra
outras coisas e me encontrei com a musica eletrônica de uma forma
diferente".
Essa abertura para a eletrônica,
contudo, não cedeu a radicalismos. A música do mim se sustenta,
acima de tudo, em refrões e melodia. Ao vivo e nas gravações,
as programações somam-se à tríade guitarra-baixo-bateria.
O resultado é bem palatável e pop, mas Eva garante que é
um processo espontâneo. "Não acho que nada disso seja intencional,
não faço música pensando no que funciona pro mercado.
Se funciona pra mim, tá valendo!" Essa mesma atitude desencanada
apareceu na divulgação de seu trabalho. Poucos meses após
o lançamento da demo, o mim entrou em estúdio para gravar
o disco e, fora a presença em coletâneas e shows ocasionais,
sumiu de cena, apesar de desde o começo ter sido cortejado pela
imprensa especializada como uma grata novidade no cenário nacional.
E falando em cena, já se falou
aqui no Scream&Yell sobre bons artistas que deram as caras nos palcos
cariocas. A cena independente do Rio está crescendo em qualidade
e quantidade de artistas. Será enfim uma cidade onde dá para
viver só de música hoje em dia? "Depende do artista e da
música, mas acho que tende a ficar cada vez mais difícil
viver de arte nos dias de hoje" E a causa apontada para isso não
poderia ser mais óbvia "Por causa da crise econômica de nosso
pais, hoje comprar um CD, uma roupa, é muito mais difícil
que era há 20 anos atras. O poder aquisitivo da classe média
tem decaído e com ela nossa cultura artística".
Debates sociais sobre a relação
entre o poder aquisitivo da classe média e a qualidade e a produtividade
cultural não cabem aqui (embora seja notório que o BRock,
por exemplo, foi um fenômeno oriundo da classe média tendo
como público majoritário ela própria), porém
a frase ajuda a compreender que a expressão de Eva é permeada
de contradições. Não é difícil dar uma
olhada em seu site (www.mim.com.br)
e achar argumentos para contestar sua teoria de "não-provocação".
Mas também é burrice dizer que isso é um problema,
até porque, em terra de Scheilas e Sheilas, Eva é muito discreta.
Afinal, ela e sua música são bastante sensuais, e sensualidade
passa longe da exploração uterina dos tchans nacionais. E
se algum dia faltaram pop songs brazucas com estofo para deixar marmanjos
suando frio apenas com insinuações, a lacuna pode ser facilmente
preenchida, e com muita classe, pela moça. Nenhuma musa teen, cantora
de sapato bico largo ou "artista reunida" fez uma canção
tão redonda e elegante quanto "Hoje", e o resto do repertório
faz mais que segurar a onda. E se o quesito a ser discutido for "bocas"...
Melhor me abster dos comentários, os leitores - e leitoras, por
que não? - que vejam as fotos e julguem por si próprios.
Arriscar previsões no mercado
pop é tarefa arriscada e freqüentemente condenada ao fracasso
e ao escárnio. Também é uma atitude meio besta: quem,
fora os diretores de gravadoras, quer saber quem vai estourar daqui a seis
meses? Porém, dá para prever que, quando o disco for lançado
("no ano que vem", diz Eva, sem especificar prazos), vai acontecer o de
sempre: se for ignorado pelo grande público, a crítica mal-humorada
e pseudo-elitizada vai tecer loas e pintar a banda como "pop de gigantesca
magnitude" e afins; se estourar (chances há), segue a depreciação
de praxe. Tudo besteira: o mim faz canções de grande potencial
dançante, é bem produzido e não raro lavra bons shows.
Futurologia? Análises de mercado? Deixe isso para a "imprensa especializada".
Fique com a música. É muito melhor.
http://www.mim.com.br
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