Entrevista com Robert Dimery, organizador do livro "1001 Discos Para Se Ouvir Antes de Morrer"
por
Marco Antonio Bart
Blog
04/11/2007
Dizem por aí que o álbum musical está em seus últimos suspiros, sucumbindo às facilidades da internet e do MP3. Entretanto, é inegável que, seja em CD, seja em vinil, o álbum – aquele conjunto de canções organizadas numa seqüência mais ou menos temática, com capa e projeto gráfico combinando – foi e ainda é o formato que ajudou a definir a música pop. Servindo ao mesmo tempo como compêndio do formato e possível epitáfio para o apagar de suas luzes, o livro "1001 discos para ouvir antes de morrer" (Ed. Sextante, 960 págs.) é um belíssimo resumo da era do álbum, reunindo 1.001 indicações de discos que ajudaram a construir a música popular moderna.
O jornalista Robert Dimery é o editor geral de 1001 discos…. Britânico, colaborador de revistas como Time Out e Vogue e co-autor de livros como "Pump up the volume: a history of house", Dimery se debruçou sobre textos enviados por 90 jornalistas, escritores, radialistas e ensaístas (a grande maioria norte-americanos e britânicos) descrevendo a importância e as qualidades dos discos citados, o contexto histórico em que foram lançados e curiosidades sobre seus autores. Ilustrados com fartura, os verbetes estão organizados por ordem cronológica e boa parte deles inclui a capa do disco citado e sua lista de músicas, além de dados como ano de lançamento, gravadora, produtor e até designer gráfico.
O LP de 12 polegadas e 33 rotações e 1/3, o formato que possibilitou a introdução do álbum, surgiu em 1948. Mas historiadores concordam que "In The Wee Small Hours of The Morning", disco lançado por Frank Sinatra em 1955, foi o marco inicial do álbum como conceito artístico. É justamente este LP que inicia a lista de "1001 discos…", seguindo até o recentíssimo "The Good, the Bad and the Queen" (2007), do grupo sem nome formado por Damon Albarn e Paul Simonon. Os outros 999 se concentram basicamente na área do pop-rock anglo-saxão. Mas, entre os campeões, Beatles e David Bowie (cada um com sete discos na lista) e os previsíveis Rolling Stones (seis), Bob Dylan (seis), Pink Floyd (quatro) e Bob Marley (três), há espaço para quase tudo. Jazz (Miles Davis, Thelonious Monk, John Coltrane), metal (Black Sabbath, Metallica, Motörhead), hip hop (Public Enemy, Outkast, LLCool J), country (Johnny Cash, Waylon Jennings, Loretta Lynn), eletrônica (Prodigy, Underworld, Kraftwerk), world music (Miriam Makeba, Khaled, Fela Kuti)…
Nesse mundaréu de discos, seria até injustiça não haver brasileiros na relação. E há. Os medalhões Chico Buarque (com "Construção"), Caetano Veloso ("Circuladô" e o álbum homônimo de 1968), Gilberto Gil e Jorge Ben (com o clássico "Gil & Jorge") estão lá. E também Sepultura, Tom Jobim, João Gilberto (mais a filha Bebel e as ex-mulheres Miúcha e Astrud), Milton Nascimento… e até Carlinhos Brown, com seu "Alfagamabetizado". Robert Dimery conversou com o Scream & Yell. Confira o papo:
Primeiro, as questões básicas. Quando surgiu a idéia de fazer o livro? E como o conceito do livro foi se desenvolvendo, à medida em que você compilava os verbetes?
Bem, a idéia surgiu há cerca de três anos. Sempre soubemos que o livro iria girar em torno do rock - quer dizer, o tipo de música popular baseada em guitarras, que tem dominado as paradas mundiais de forma constante desde a década de 1950. E esse conceito básico permanceu intocado até o final. Entretanto, queríamos muito citar alguns álbuns-chave de outros gêneros, que pudessem ser um modo de as pessoas conhecerem outras formas de música. Então você vai achar Frank Sinatra, Ravi Shankar, Manu Chao, Stan Getz e Miles Davis ao lado de Guns’n'Roses, The Smiths e White Stripes.
E como os colaboradores foram escolhidos?
Trabalhei com alguns dos colaboradores americanos e britânicos, então apenas liguei para eles e os convidei. Mas queríamos fazer um apanhado bom de escritores de outros países, então acionamos pessoas que pudessem contactar jornalistas que escrevessem em fanzines, revistas, sites e jornais mundo afora. Conseguimos jornalistas musicais da Espanha, Hungria, África do Sul e Austrália, por exemplo, o que ajudou a formar uma base mais internacional para a compilação. Acho que há muitos artigos realmente bons, apaixonados na lista - o tipo de texto que faz o leitor ter vontade de sair correndo atrás dos discos citados!
Listas de “melhores discos de todos os tempos” são facilmente encontráveis em revistas e sites. Você se diverte lendo-as?
Sim, eu gosto dessas listas todas. Afinal, eu sou um quarentão fã de música, e nossa tribo ama ler e fazer listas. Aquele filme Alta fidelidade é dolorosamente fiel à realidade!
Diria que "1001 discos…" é a “lista para acabar com todas as listas?”, então? O que, em sua opinião, o faz acreditar que o livro pode se destacar no meio de tantas outras listas?
Eu provavelmente não escolheria os mesmos 1001 discos se estivesse fazendo o livro agora. O gosto da gente muda o tempo todo. Mas acho que o livro é um excelente ponto de partida para se descobrir mais sobre um pouco da melhor música pop feita nos últimos 50 anos. Acho que o livro se destaca das outras listas porque tentamos cobrir territórios menos previsíveis, juntamente com os inevitáveis Beatles, Dylan e Radiohead de sempre. Eu quis incluir coisas bem inusitadas - disquinhos que não venderam muito quando saíram, material de pequenas bandas independentes, álbuns que não se encaixam em gêneros ou classificações fáceis. Por último, sei que sou suspeito para falar, mas o livro ficou realmente bonito. Muito mais que a maioria dos outros volumes similares, que costumam ter apenas texto, sem fotos. O design foi criado por um cara chamado Tristan de Lancey, que tinha algumas idéias bem decididas sobre como o visual do livro deveria ser. Ele fez um grande trabalho.
Já ouviu todos os discos incluídos na lista? Quantos deles você possui, e quais são seus favoritos?
Não, não cheguei a escutar um por um. Embora, se conseguisse uns seis meses de folga num futuro próximo, possa tentar! Devo ter cerca de um terço dos discos que aparecem no livro. Mas é claro que editar um livro como esse realmente te inspira a procurar por nova música. Meus favoritos? Hmm, difícil! Sempre tive uma queda por guitarras jingly-jangly, como os Byrds ou The La’s. Também dou uma nota alta a Rufus Wainwright, um compositor realmente talentoso. E os Pixies foram os Beatles de sua geração, ainda gosto muito deles.
E quais dos discos citados você não suporta?
Odiaria ter de falar mal de qualquer um dos discos da lista! Acho que em cada um dos álbuns citados há alguma coisa interessante, de Britney Spears ao Einstürzende Neubauten, passando pelo Arcade Fire.
Por outro lado, quais discos surgiram como surpresas agradáveis - álbuns os quais você nunca tinha ouvido e descobriu enquanto fazia o livro?
Diria que Sam Cooke é hoje essencial para mim. E o "Live at the Star Club Hamburg", de Jerry Lee Lewis, é o mais definitivo disco de rock’n'roll que alguém pode querer ouvir. Já conhecia ambos os cantores antes de começar o livro, claro, mas os considerava artistas de singles. Não sabia que podiam produzir álbuns tão consistentes, também. Eu provavelmente incluiria "Night Beat", mais um de Cooke, se estivesse fazendo o livro agora. E Missy Elliot. O jeito como ela revigorou o hip hop é extraordinário, e eu não conhecia bem o trabalho dela antes de começar o livro.
A lista de discos que emerge do livro é fortemente baseada em artistas americanos e ingleses. Mas há alguns brasileiros mencionados: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Carlinhos Brown. Você conhece o trabalho deles?
Tenho de admitir que meu conhecimento de música brasileira é muito limitado. Então foi excitante poder conhecer um pouco mais sobre os discos de seu país. Se o livro tivesse saído um ano mais tarde, me sentiria tentado a incluir o Cansei de Ser Sexy na lista; eles estão conseguindo um bom público por aqui. Já conhecia alguns dos discos clássicos de bossa nova, como o de Frank Sinatra com Tom Jobim. E adoro, adoro, adoro os Mutantes. Só no disco de estréia deles, há mais idéias do que na carreira inteira de muitas bandas. A mistura de vanguarda com pop que os Mutantes aperfeiçoaram é impossível de ser ignorada, e ainda influencia pessoas hoje em dia.
Qual seria o “melhor uso” para 1001 discos…? Acha que o livro pode ser usado como ponto de partida para alguém que está apenas começando a conhecer música pop? Ou, ao contrário, seria mais adequado para os colecionadores incuráveis, que já possuem a maioria dos (ou quase todos) álbuns mencionados?
No fim das contas, o livro é realmente uma introdução, para
pessoas que já sabem qual é seu tipo de música favorito, mas
que querem expandir suas coleções em novas direções. Escolher
a lista foi, como você pode imaginar, um grande problema! Há
alguns discos no livro que são conhecidos pela maioria das pessoas,
mas se não tivéssemos incluido-os na lista, muita gente acharia
que seria um jeito de “tirar onda”, excluindo discos clássicos.
Como fazer uma lista dessas e não colocar Pet sounds ou Blonde
on blonde, por mais que todo mundo já conheça esses discos?
Entretanto, sei que os jornalistas que colaboraram com o livro
conseguiram acrescentar fatos novos e histórias surpreendentes
em seus textos, mesmo quando escreviam sobre os discos mais
manjados. Acho que é um livro bastante "pesquisável"
- você começa a ler sobre um disco e antes de perceber já vai
estar pulando páginas, procurando por outro bem diferente. Agora,
os leitores podem não concordar com todas as opiniões contidas.
Ou mesmo com o conjunto de discos que a lista representa. Mas
se mesmo assim, o livro fizer com que as pessoas procurem e
descubram mais música, então acho que nosso dever foi cumprido.
O livro é só um ponto de partida, daí em diante é com o leitor.
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