Madeleine Peyroux subiu ao palco do Estação Embratel Convention Center, em Curitiba, sem muito alarde: "Essa música se chama Dance Me To The End Of Love", e deu início ao show. Mas, depois, surpreendeu quem esperava uma cantora temperamental, dada a confusões como se esconder da gravadora para não dar entrevistas.
Ela foi muito simpática sim; conversou com a platéia, brincou, disse que o público estava quieto demais. Houve até o momento indefectível para todo gringo "extrovertido" que vem ao país: a tentativa de falar português, com ajuda do pianista da banda, pelo visto um craque na língua de Camões.
Madeleine tocou com um quarteto - piano, baixo, bateria e um bem-vindo violino, ausente no disco. A cantora não se preocupou em inovar no repertório. Tocou todas as faixas de Careless Love, poucas de Dreamland (como a bluesy Walkin' After Midnight) e resgatou os standards Destination Moon, famosa na voz de Nat "King" Cole, e I Hear Music, celebrizado por Billie Holiday. O timbre de Peyroux lembra muito o de Lady Day.
À versão de cabaré alemão para Dance Me To The End Of Love, de Leonard Cohen, em arranjo semelhante ao de Careless Love, seguiram-se Don't Cry Baby, a excelente composição própria Don't Wait Too Long (composta depois de uma eleição presidencial; "I'll tell you a joke", disse ela: "George Bush"), a obra-prima de Bob Dylan You're Gonna Make Me Lonesome When You Go e J'Ai Deux Amours, em francês. Do genial Hank Williams Madeleine tocou Weary Blues From Waitin'.
Antes de Between The Bars, de Elliott Smith, explicou: "This is a song about alcohol. A love song about alcohol" (e alguém na platéia gritou "Elliott"). A delicada This Is Heaven To Me encerrou o set, antes do bis. O principal diferencial do palco para o estúdio foi a liberdade que Peyroux deu ao resto de sua banda para improvisar, especialmente o piano (o acústico e também o Wurlitzer) e violino. Os solos de baixo, que costumam ser ame-ou-odeie, estavam muito bons (estou no grupo dos que gostam). Os de bateria são sempre difíceis de gostar, mas pelo menos só tivemos um.
Madeleine confirmou no palco que é a melhor cantora de sua geração. Ela tem duas grandes vantagens em relação às suas concorrentes, Diana Krall e Norah Jones (considerando Cassandra Wilson mais antiga que elas), que também vieram para o Brasil de um ano para cá: a primeira, boba, é verdade, é que não possui tanto apelo visual quanto as duas - seus méritos concentram-se só na música, embora as outras duas também sejam talentosas. E a segunda, essa sim importante, é a qualidade que tem de transcender o jazz. Sua música abrange elementos de country, folk e blues dos anos vinte - influência da grande Bessie Smith. O violino só acentuou o tom country das canções.
O som do Estação Embratel Convention Center, localizado dentro de um shopping center, surpreendeu pela excelente qualidade. A reclamação fica para a platéia, detestável como em vários shows de jazz. Senhores e senhoras estavam vestidos como se fossem a um enterro - pelo menos com cara de quem está vendo um defunto -, só apatia e indiferença (se até Madeleine notou). Amigos da organização, os "vips", esses sempre comparecem.
No fundo ficariam os fãs. Digo ficariam porque, como pouca gente foi ao show, a produção liberou as primeiras filas para quem estava atrás, e assim suavizar a impressão de que o evento fora um fracasso. Uma espécie de compensação moral, involuntária e inconsciente para com os fãs verdadeiros.
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