Entrevista com Lobão
por Marcelo Costa
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30/06/2005
João Luiz Woerdenbag Filho está feliz. O músico está lançando
o 11º disco de inéditas de sua carreira, o denso Canções
Dentro da Noite Escura, que traz parcerias com Júlio Barroso
e Cazuza, diz que só agora está curtindo cantar e assina embaixo
de sua produção atual, renegando álbuns de sucesso como O
Rock Errou (1986), Vida Bandida (1987) e Sob o
Sol de Parador (1989). "Estes são meus três piores discos",
diz o músico, por telefone. Já sobre o novo álbum, não economiza
elogios. "É o disco que eu mais me joguei. É o primeiro disco
que estou curtindo cantar. A verdade é essa. Comecei a gostar
de cantar agora. Tudo isso deu uma densidade musical que eu
nunca tinha tido antes. A qualidade de som é um arraso", conta.
Canções Dentro da Noite Escura vem sendo apresentado
como uma ópera-rock carioca. As canções tratam, juntas e sem
intervalos, de uma noite no Leblon, sob o olhar de um personagem
a vagar pelas ruas do bairro, que ganha contornos outonais e
sombrios. "Ele foi ganhando essa unidade no transcorrer do período
porque eu comecei a escrever uma música aqui e outra ali, e
não tinha um tema. Depois eu verifiquei que estava escrevendo
uma música sobre o Leblon", relembra. "De repente me veio a
letra do Cazuza através da Lucinha (Araújo), quinze dias depois
me chegou o manuscrito do Júlio (Barroso, com a letra de Quente),
e logo em seguida, no final desse mesmo ano, veio a morte da
Cássia (Eller), que meio que encerrou o destino do disco: o
Leblon e a presença desses caras deram a espinha dorsal e conceitual
do disco", explica.
Assim como fez com seus trabalhos anteriores, A Vida é Doce
(1999) e Uma Odisséia no Universo Paralelo (2001), Lobão
está vendendo seu novo CD em bancas de revistas. Porém, agora,
encartado na décima edição da revista Outracoisa, seu
projeto pessoal. "Um alimenta o outro. A revista recebeu quatro
prêmios de música independente. Então, se eu vendi 100 mil cópias
do A Vida É Doce, pensei que se lançar pela revista, com toda
expectativa que estava gerando, a revista vai ter mais visibilidade
do que ela já tem", explica Lobão, que se orgulha da publicação.
"O que me deixa orgulhoso é de que a matéria-prima é preciosa,
que é o artista, mas a gente se tornou um editorial com credibilidade
e criativo, com matérias que eu não vejo em outras revistas.
Por si própria, a Outracoisa responde por uma qualidade
que me orgulha muito. E isso tudo me deixa muito feliz", confirma
o grande Lobo, avisando que já estão na fila da revista o novo
álbum do coletivo Instituto, um CD de músicas inéditas do rapper
Sabotage e o grupo paulista Daniel Beleza e os Corações em Fúria.
Confira a íntegra da entrevista.
Este Canções Dentro da Noite Escura surge seis anos
depois do A Vida É Doce, seu último disco de inéditas.
São todas canções novas, fresquinhas?
No meio (2001) teve o Odisséia no Universo Paralelo...
Que era ao vivo, mas tinha umas coisas inéditas, como Mano
Caetano...
E Lullaby...
E o Canções...
É totalmente inédito. As músicas foram construídas ao longo
destes anos. Na verdade, quando eu estava fazendo o disco ao
vivo (Odisséia), eu já estava elaborando esse disco novo.
Eu cheguei a ver um show seu no Blen Blen (2004) com essa
concepção de som, bem pesado...
Eu já estava tocando algumas coisas desse disco novo...
Quando você começou a conceber o Canções como disco,
que você percebeu que ele estava seguindo por um caminho? Ele
tem uma unidade enorme...
É verdade. Ele foi ganhando essa unidade no transcorrer do período
porque eu comecei a escrever uma música aqui e outra ali, e
não tinha um tema. Depois verifiquei que eu estava escrevendo
uma música sobre o Leblon. De repente me veio a letra do Cazuza
através da Lucinha (Araújo, mãe do Cazuza), quinze dias depois
me chegou o manuscrito do Júlio (Barroso, com a letra de Quente),
e logo em seguida, no final desse ano, veio a morte da Cássia
(Eller), que meio que encerrou o destino do disco: o Leblon
e a presença desses caras deram a espinha dorsal e conceitual
do disco.
Você chegou a mexer em alguma coisa na letra do Cazuza?
Eu tirei uma expressão que dizia "não aperta meus sapatos, nem
minhas cuecas". Eu pedi para a Lucinha para tirar. Não cabia
na rima, não cabia na coisa, não cabia na vibe das outras músicas.
E ficou legal. Eu trabalhei como trabalhava com ele. Como várias
músicas que a gente trabalhou junto: "Cazuza, vamos tirar isso
aqui e colocar isso aqui?". Assim como eu trabalhei com o Júlio.
Na verdade, eu "trabalhei" com eles agora. Eu me senti trabalhando
com os dois. E mesmo na canção sobre a morte da
Cássia Eller (Boa Noite Cinderela) me senti trabalhando, meio que organicamente, com
o próprio Cazuza, porque é o mesmo DNA.
Com Cazuza você fez Glória, Junkie Bacana, Azul
e Amarelo...
Baby Lonest, Mal Nenhum...
E com o Júlio foi Noite e Dia...
E Moonlight Paranóia, Corações Psicodélicos...
Você vai fazer só o pocket ou tem mais coisas aqui em São
Paulo?
Só o pocket. O pocket na verdade vai ser um esquenta para o
que vai ser show aqui em São Paulo. A gente vai ensaiar mais
para o show, mas vamos dar uma amostra no pocket do que vai
rolar no show. (Nota do editor - o pocket show aconteceu na
noite de quarta-feira 29/06)
Vai ser um power trio?
Não. Agora somos eu e mais quatro caras.
Duas guitarras...
Duas guitarras, baixo, bateria e teclado.
Como vai ser o show novo?
Eu vou tentar ao máximo executar as canções que estão no disco.
A espinha dorsal do show será o disco novo pipocado com algumas
músicas que eu considere que estejam dentro desse clima, como
você pode imaginar (risos). Eu falo de chuva, frio e noite desde
que me entendo por gente. A própria A Vida é Doce. Depois
eu vou pinçar algumas músicas desde o Cena de Cinema.
A gente estava ensaiando ontem (domingo 26/06) e me deu a idéia
de fazer um medley com Robô, Robô do Cena de Cinema
e Ronaldo Foi Pra Guerra. E eu vou tocar no pocket show
porque estou afim de me divertir (risos). Vão ser umas cinco
ou seis músicas e vai ser pancada (Nota do editor: na verdade
foram mais de dez, contando com clássicos como Vida Louca
Vida, Decadence Avec Elegance, Mal Nenhum, Essa Noite Não, Canos
Silenciosos, A Vida é Doce e três faixas novas além de uma
cover de Helter Skelter, dos Beatles, com auxílio no
palco do pessoal da Cachorro Grande). Não será nada sutil, porque
é festa, e eu quero me divertir sem ficar grilado com a qualidade
do som. Não se trata de um show. É uma festa. Então vamos logo
tocar um pancadão para neguinho curtir e sair sacolejando o
esqueleto. Mais ou menos por ai. Já o show não. Eu quero tocar,
por exemplo, Pra Sempre Essa Noite, que é uma música
muito difícil de executar ao vivo. Esse disco tem várias canções
assim, que requerem paciência e concentração. Eu vou começar
a turnê depois das férias de julho. No inicio de agosto será
o começo real da turnê. Vou fazer alguns shows antes para esquentar
a banda. Por enquanto estamos ensaiando paulatinamente as músicas
novas e vamos inserindo gradativamente nos shows até chegar
o momento de radicalizar e fazer o show novo. Quem irá fazer
o cenário será o Marcelo Tas, que também irá fazer o clipe da
primeira música, Pra Sempre Essa Noite.
Pra Sempre Essa Noite é aquela que começa porrada
e depois ela cai...
Ela cai e levanta, cai e levanta, cai e levanta (risos). Em
toda entrada de refrão ela vira uma coisa mais drum'n'bass com
rock'n'roll e depois vira uma bossa e vai assim até o final.
Pra fazer ela ao vivo demanda um violão, um carinho, um cuidado,
como algumas outras músicas, porque elas são mais sofisticadas
mesmo. Eu não tenho muito tempo de ensaio com a banda, e a banda
está com dois elementos novos.
Quem está te acompanhando agora?
Robson Vintage na batera, Daniel Barcinski - que gravou comigo
- no baixo e guitarras eventuais, o Fernando Patrãozinho que
toca guitarras e teclados, e o George nos teclados, e que também
toca guitarra.
Antigamente você tinha uma concepção de classificar os discos
como tortos. O Rock Errou, por exemplo, por ter músicos
de jazz...
Esses discos sofreram com uma incapacidade minha de poder gerenciar
uma produção direcionada para o lado que eu queria. Então eu
não sabia fazer. Eu acho - O Rock Errou - um disco horrível.
O resultado é lamentável. Acho o Cena de Cinema um disco
do caralho. Ouço até hoje. Ele é fresco, moderno. A mesma coisa
eu posso dizer do Ronaldo Foi Pra Guerra, que são os
dois primeiros. Quando saí dos Ronaldos foi muito doloroso.
Eu me senti desamparado e então arranjaram uns músicos de jazz
para fazer o disco (O Rock Errou). Eu não tive muita
gerência. Eu estava muito avião na parada. Estava numa fase
muito atribulada. Como o Vida Bandida também é um dos
piores discos que eu tenho. É um disco farofeiro, afinal eu
estava preso. São discos que me fugiram. Me fugiram ao controle.
São discos que considero os meus piores. O Rock Errou
é horroroso, mas não como repertório. Tem grandes canções ali,
mas a realização estética e sonora dos discos deixam muito a
desejar. As pessoas pensam: "Mas já passou tanto tempo". Não.
Desde a época em que ele foi realizado eu pensei: "não posso
nunca mais ouvir um disco desses". É uma porcaria. Isso foi
em 1986 e 1987. Foi um acidente. Em 1989 teve o Sob o Sol
de Parador que também é uma porcaria, apesar de ter sido
gravado em Los Angeles. A produção do Liminha é lamentável.
Estes são os meus três piores discos, eu acho.
Daí pra frente você começa a ter um maior controle...
Teve O Inferno é Fogo, que também sofreu ingerência.
Os caras acabaram com o som do disco, apesar de eu achar ele
melhor que os outros em concepção. Bem melhor. Começou a sair
som mesmo com o Nostalgia da Modernidade. Depois veio
o Noite. São esses discos que eu considero "agora sou
eu, cheguei" (risos).
E depois vem o A Vida é Doce, que é um disco completíssimo,
bem produzido...
São discos que assino embaixo. E esse Canções mais do
que qualquer outro. O próprio (Carlos) Trilha, que produziu
comigo, falou: "Podem até achar o seu disco ruim, mas ele é
a tua cara". (risos). É o disco que eu mais me joguei. Faço
praticamente todas as funções. Até como técnico de som eu gravei.
Mexi no computador, fiz levadas, toquei teclados, toquei piano,
órgão, synth, todos os instrumentos de cordas, violão, guitarra,
voltei a tocar bateria. Achei muito importante que para o sotaque
deste disco a bateria estivesse ali. Trabalhei intensamente.
E cheguei para o Trilha e disse: "Enquanto eu não chegar pra
você e dizer que essa porra tá legal a gente não vai lançar
esse disco". E ficamos lá. A gente se dá super bem. Se amarra
um no outro. E teve o Fernando Morelo, que foi muito importante
na gravação das minhas vozes. Este é o primeiro disco que estou
curtindo cantar. A verdade é essa. Comecei a gostar de cantar
agora. Tudo isso deu uma densidade musical que eu nunca tinha
tido antes. A qualidade de som do disco é um arraso. O som da
batera, da guitarra. Estão muito bonitos. É um disco fodão.
Não tem nenhum disco que se possa comparar em termos de sonoridade.
Podem até falar de repertório, mas não de sonoridade. Nenhum
disco se iguala a esse. A execução é perfeita. Eu ouço e penso
que é exatamente isso que eu queria ouvir.
E das treze músicas, dez são inteiramente suas...
Tô fazendo isso há mais de dez anos. Só abri essa exceção porque
fiquei deliciado em trabalhar novamente com essas pessoas. E
mesmo a música do Júlio (Barroso), Não Quero o Seu Perdão,
eu praticamente tive que reescrever ela toda. São dois poemas
do Júlio. Eu interferi. Escrevi pra caralho naquela letra.
Você conhecia a versão do Barão Vermelho?
Não. Se tivesse conhecido eu não teria nem me arvorado a fazer
porque eu ia me embotar. Ainda bem que eu só soube depois. E
digo ainda bem porque tenho certeza de que o Júlio iria se amarrar
nessa música, pela maneira que ele era, pela maneira que conheço
ele. Essa música é uma boa amostra do que o Júlio poderia ser
capaz de fazer. É um orgulho que eu tenho porque esse disco
tem essa coisa: "se o Júlio tivesse vivo, ele estaria zanzando
por onde, pesquisando o que". O Cazuza a mesma coisa. Essas
músicas foram feitas com essa preocupação. O Cazuza sempre curtiu
Dolores Duran, Nora Ney, Maysa. E eu fiz a música do Cazuza (Seda)
pensando num samba-canção, mas um samba-canção da minha época,
um samba-canção dos anos 2000. Eu acho que era o que o Cazuza
queria fazer. O Júlio era mais... com toda certeza ele estaria
ouvindo mais trip-hop, muito Massive Attack, muita música eletrônica.
Então Não Quero o Seu Perdão é uma coisa muito representativa
nesse ponto.
Uma das coisas que tenho falado sobre o disco, e que já tinha
escrito em uma resenha, é que o Canções mostra que você
não cochilou, não parou no tempo. Metade da geração 80 está
fazendo disquinhos com as mesmas músicas e você está criando
coisa nova...
Eu comecei a ser independente porque, na verdade, já estava
sentindo uma pressão horrível nos anos 90. Não estava acontecendo
nada. Eu lançava um disco novo e os caras nem curtiam. Então
eles chegavam: "Viu, não está dando nada. Você já lançou três
discos nos anos 90 e não deu nada. Tem que gravar música velha".
Foi aí que saí. "Você vai dizer o que EU faço,
amigo. Nananão". Eu me senti insatisfeito com a minha profissão.
E não tem como ficar sentado acomodado vendo a minha história
passar. Eu só acho que vou ser alguma coisa interessante se
continuar prosseguindo. Se há algum sentido na vida esse sentido
é pra frente e pra cima. (risos). E nesse novo disco eu começo
a perceber que surtiu efeito. Porque, na verdade, o que eu acho
que o que leva a gente adiante é, por exemplo, eu estar aprendendo
a tocar guitarra e entrar numas de tocar e ser um cara que gosta
de aprender. Voltar a tocar bateria, e demorar três dias para
voltar a tocar bateria (risos). Mas desenterrar. De repente
eu me desencabulei e foi fundamental. É você aceitar esses desafios
e as novidades. Pô, trabalhar com computador, com música eletrônica.
Comecei a aprender a tocar synth, a manusear, a programar. São
coisas muito recentes. Até cantar por prazer. Eu nunca dei bola
para cantar. Achava que cantor era como um goleiro. Ser centroavante
era tocar bateria, cara. (risos). O resto era puro detalhe.
E eu comecei assim, tocando bateria. E o que eu fiz: fui formar
uma banda para ter um cantor na frente. A Blitz era um exemplo.
Depois eu vi que isso não ia dar muito certo, e só agora estou
começando a gostar e desenvolver um tipo de intensidade que
eu tinha sempre com a bateria (que eu toco desde os três anos)
que está me dando uma maior liberdade. Eu não tinha essa liberdade
instrumental com a voz e com a guitarra, coisa que eu corri
atrás nestes últimos anos. Desde A Vida é Doce, que inventei
de fazer um power-trio, e eu dei com muitos burros n'agua. Paguei
muitos micos ao vivo, desafinando guitarra, etc... e tal até
funcionar e dar certo e agora estou orgulhoso seguindo a minha
vida. Este é o primeiro disco em que eu programo as minhas guitarras,
todas. Fiquei super orgulhoso. Parecia um brinquedo novo. (risos).
E isso de lançar pela Outracoisa?
Um alimenta o outro. A revista recebeu quatro prêmios de música
independente da Claro. Então, se eu vendi 100 mil cópias do
A Vida é Doce, pensei que se lançar pela revista, com
toda expectativa que estava gerando, a revista vai ter mais
visibilidade do que ela já tem. E isso em um momento que estou
divulgando o disco, fazendo programas de televisão, que eu possa
anunciar a revista dentro de um canal de TV. A idéia é sedimentar
a vida da revista para que a gente entre no ano 3, no ano 4
adquirindo velocidade de cruzeiro e passando por todas as expectativas
e estatísticas do mercado editorial brasileiro, que é uma loucura.
A idéia é ter uma revista de música independente com uma boa
tiragem e longevidade porque é difícil ter no Brasil uma revista
de música que dure. Fora o fato dela estar sendo lançada em
Portugal. Em agosto vamos pra lá para lançar a versão portuguesa
da Outracoisa.
Sai com Canções Dentro da Noite Escura lá?
Não. Será uma edição totalmente independente da brasileira.
Ela será feita com vistas de dinamizar o mercado fonográfico
português com artistas de lá. Mas eles estão doidos para lançar,
por exemplo, o Mombojó e o Bnegão. Eles acham que é o perfil,
então eles estão pinçando os artistas que já saíram aqui e que,
fatalmente, saíram lá também. Não vão ser todos, evidentemente,
porque eles querem privilegiar os portugueses, mas vai existir
um intercambio entre Brasil e Portugal, e eu espero que a gente
possa responder bem a isso porque a gente é mais refratário
do que eles. A razão de existir da Outracoisa é lançar
um artista, e o pretexto é ser uma revista. O que me deixa orgulhoso
é de que a matéria prima é preciosa, que é o artista, mas a
gente se tornou um editorial com credibilidade, criativo, com
matérias que não vejo em outras revistas. Por si própria, a
Outracoisa responde por uma qualidade que me orgulha
muito. E isso tudo me deixa muito feliz. Eu quero fazer coisa
de luxo. O que me interessa é lançar um disco na banca por R$
13,90 e saber que é melhor do que o que a gravadora está lançando.
Esse é o meu intento.
Isso mostra, mais do que nunca, que a cena independente está
forte...
Eu acredito nisso. A cena independente vai escrever a história
da música brasileira. Assim como os festivais da canção divulgaram
os nomes que estão até hoje por ai, a música independente dos
anos 2000, dessa década, quem vai sobrar é gente como Mombojó,
Bnegão, Cachorro Grande. Essas pessoas que estão chegando do
independente e se estabelecendo.
Do jeito que as gravadoras estão trabalhando tão mal no País,
está fácil dar baile neles, não?
No caso da gente, você tem um disco como o meu, por exemplo,
com a capa do jeito que está, a fotografia, pra gente é um trunfo
poder doar isso para o consumidor com uma revista de 70 páginas,
toda bem feitinha, e sendo de música independente. Para as pessoas
verem que a música independente é sinônimo de qualidade e confiabilidade
no que está acontecendo. Isso é o contrário do acontece com
os lançamentos de uma grande gravadora. Eles não sabem o que
lançam, e no mínimo é uma coisa inofensiva ou idiota. (risos).
O legal é que vocês conseguem na revista lançar um leque
variado de estilos e de vários lugares...
É. Tem o Mombojó do Recife, o Cachorro Grande de Porto Alegre,
o Réu e Condenado que é de Goiânia...
E tudo isso com qualidade....
Em dezembro o Arnaldo Baptista apareceu na revista Mojo
inglesa como um dos dez melhores lançamentos do mundo em 2004.
O Bnegão também ganhou vários prêmios de música negra. O nosso
querido Skylab ganhou prêmio de MPB da Claro. O Cachorro Grande
ganhou como melhor disco de rock. A gente sabe que está só trazendo
coisa boa. Tem o Quinto Andar. Agora a gente vai lançar o próximo
do Instituto, depois uma coletânea com raridades do Sabotage,
só de inéditas, depois tem Daniel Beleza e Corações em Fúria.
Estamos ajeitando. Depois tem uma outra parada em Goiânia. Vamos
fazer o rodízio pelo País inteiro. Creio que tem muita matéria
prima. A minha felicidade de lançar esses discos é uma experiência
que eu não tinha ainda. Fico feliz e torço pelos discos. Torço
como se fossem meus discos. Acho que falta isso no empresário
de uma gravadora: ele vestir a camisa daquilo que ele está vendendo.
"Isso aqui eu ouço na minha vitrola, é bom pra caralho. Isso
aqui eu queria comprar. Se eu não tivesse aqui eu compraria
porque eu quero isso pra mim". Faz parte da alma do negócio.
A gravadora não tem mais isso. Muito por causa disso é que eles
estão se fodendo. Eles se distanciaram da música. Então o produto
deles é música e eles não sabem do que acontece em música, então
vão se foder. É uma coisa lógica.
Dias atrás escrevi sobre a revista Rock Press, que
na edição mais recente colocou o Hurtmold na capa com a manchete:
"a maior banda indie do Brasil". Eu fico imaginando um chefão
de gravadora parando na banca e olhando aquilo: "Hurt o que?
Como pode ser a maior se eu não conheço?" (risos)
Exato. Ele está vivendo o verdadeiro universo paralelo. Ele
deve estar levando baile de tudo o que é lado. São várias novidades
das quais eles, que são os mais espertos - teoricamente falando,
não sabem de nada. Eles não sabem dos festivais, das centenas
de milhares de pessoas que vão aos festivais, e que compram
discos independentes fazendo que o mercado independente represente
54% da fatia do mercado brasileiro. A verdade é essa. Neguinho
está dormindo no ponto há muito tempo. Eu fico felicíssimo.
Tomara que eles continuem dormindo mais ainda. A gente quer
mais é assaltá-los. (risos).
"Canções Dentro da Noite Escura",
Lobão
por
Marcelo Costa
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23/06/2005
O mundo vive seu período mais violento na história. É claro
que a pré-história e - principalmente - a idade média tiveram
momentos cruéis e violentos, porém, nada se assemelha com os
dias que estamos vivendo. Porque o mundo cresceu seis vezes
em 200 anos. Pouco? Se a Terra tinha 1 bilhão de habitantes
em 1804, em 2004 eram 6 bilhões. A previsão da ONU é de que
seremos 7 bilhões em 2012 e que em 2050 não exista mais espaço
para a humanidade na Terra. Essa superlotação trouxe mais pobreza,
mais violência e mais crueldade para esta deliciosa bolotinha
azul que você e eu, caro leitor, adoramos habitar. Com a popularização
da Internet então, tudo fica mais claro e, ironia das ironias,
agora temos acesso a toda sujeira do mundo com muito mais rapidez
e detalhes. Está tudo ai.
Canções Dentro da Noite Escura, décimo primeiro disco
de inéditas da carreira de João Luiz Woerdenbag Filho, o Lobão,
é filho desta época de muitas dúvidas e quase nenhuma certeza.
Barulhento praticamente todo o tempo, lírico quando pode ser,
e suave em algumas passagens, Canções Dentro da Noite Escura
não é só o melhor disco da carreira do grande Lobo, como também
um dos álbuns que melhor traduzem a hipnose de quem vive as
noites violentas de nossos dias, melodicamente e textualmente.
Não que o disco radiografe a pobreza e a miséria. A poética
de Lobão vasculha a alma daqueles que caminham nas noites escuras
destes tempos desertos: "Às vezes eu me sinto um fantasma /
Arrancando flores do jardim / À meia-noite", define Lobão na
canção Você e a Noite Escura. Antes de ser social, o
problema é pessoal. Se cada um cuidasse bem de sua própria alma,
o mundo talvez fosse bem melhor.
Lobão delimita sua área de atuação: é o Rio de Janeiro, entre
Copacabana, Ipanema, Leblon e o Vidigal. Não à toa, muita gente
está definindo o álbum como uma ópera-rock carioca. Das treze
canções, Lobão resgata uma letra inédita de Cazuza (com quem
havia escrito a junkie Gloria e a linda Azul e Amarelo),
outra de Júlio Barroso (com quem assinou um de seus grandes
sucessos, Noite e Dia) e ainda regrava outra deste último
(Não Quero Seu Perdão, que apareceu pela primeira vez
no disco Declare Guerra, do Barão Vermelho, em 1984).
No restante do disco, ou seja, nas outras dez faixas, é Lobão
compondo letra e música, desnudando seu universo - paralelo
- em frases, guitarradas e paisagens.
Pra Sempre Essa Noite abre o disco com guitarras acompanhando
uma bateria acelerada. Quanto o ouvinte começa a se acostumar
com a porrada, a canção cai para uma bossa com sotaque samba.
"Através do céu, desse céu azul, vou caminhando pelas ruas do
Leblon", narra Lobão em uma declaração de amor ao Rio, e a sua
amada. "Eu quero você apaixonada / Delirando de felicidade",
encerra. Seda é Cazuza entupido de baseado, dialogando
com Bob Dylan em um blues que flagra "o vento secando lágrimas".
Depois das Duas começa densa. Bateria eletrônica se une
à guitarra criando um clima claustrofóbico que narra carros
passando no Baixo-Leblon enquanto a chuva cai. "E não é só porque
choveu / Que você está tão triste assim / Mas ainda nos resta
atravessar o frio desta noite", diz a letra.
A tríade de canções de abertura faz a cama para a chegada das
pesadas Boa Noite Cinderela e O Homem-Bomba, que
surgem na seqüência. Boa Noite Cinderela é dedicada a
Cássia Eller, um blues violento com guitarras uivando no meio
da noite e bateria castigando os pratos de ataque. A letra é
um dos melhores momentos de Lobão no álbum: "Um centavo só por
uma alma / Uma orquídea por um desalento / Uma abóbora por um
detalhe / Um silêncio por qualquer silêncio / Uma cara ao menos
por um tapa / Uma rosa por algum espinho / Uma vida só por uma
noite / Uma noite por algum carinho / O terror agora é minha
fúria / E essa fúria agora é minha malandragem / O terror é
minha carroça / Tirando chinfra de carruagem / Por favor, depressa,
já é tarde / Teu desejo agora é meu silêncio / Eu só preciso
de mais um pouco / Pra me curar desse deserto / Por favor, depressa,
já é cedo / Teu silêncio agora é o meu desejo / Eu só queria
cantar mais um pouco / só pra te ter mais um pouco / mais um
pouco, um pouco mais / Nessa noite escura". Já O Homem-Bomba
é uma cacetada. Lobão encarna o personagem e se imagina minutos
antes de um atentado. "O pesadelo é uma espécie de passatempo
/ Enquanto o ódio despeja destroços na alma", diz a letra sobre
uma base violentamente pesada.
Vamos Para o Espaço mistura carnaval e psicodelia com
margaridas que explodem no asfalto. A base, novamente, é blues,
mas se torna eletrônica depois, relembrando o excelente A
Vida é Doce. "A paisagem paralisada anuncia misérias embelezadas
a prazo enquanto a gente bebe as nossas lágrimas", diz a letra.
Você e a Noite Escura é uma canção pesada que antecede
as guitarras barulhentas da ótima A Balada do Inimigo.
"O impossível é uma droga perigosa o bastante para nós, reféns
do que virá", canta Lobão, entre ótimas tiradas como "talvez
algumas sorrisos nos tornem um pouco mais Silvio Santos das
nossas torturas pois a salvação floresce como um escárnio".
A base é pesada, mas no refrão volta a se transformar em bossa.
"Sonhos refrescam e pesadelos curam", canta Lobão em Tranqüilo,
balada que abre com guitarras mas é conduzida por violões. Quente
é a letra inédita de Julio Barroso que Lobão ganhou de um companheiro
de Gang 90. "Qualquer dia da semana, um coração vazio se enche
de amor / E um coração vazio é um copo que enche de inverno
o inferno do eterno furor de viver", diz o poema de Julio, musicado
com leveza por Lobão, que incluiu um violoncelo no arranjo.
Ai Galera Maluca é uma instrumental rápida, eletrônica
e pesada, que abre caminho para Não Quero Seu Perdão.
Na versão do Barão Vermelho, composta por Frejat, a poesia de
Julio Barroso se transformou num rock anos 50. Na melodia composta
por Lobão, porém, a melodia destaca a letra, que traz mais trechos
do poema original, retirados do livro A Vida Sexual do Selvagem.
"Se eu tenho o seu amor, não quero seu perdão", resume genialmente
a letra. Como reforço, Lobão fecha Canções Dentro da Noite
Escura da mesma forma que começa, com uma declaração de
amor em formato balada de guitarras: A Gente Vai Se Amar.
Após exatos 56 minutos, Lobão encerra o disco mais completo
e complexo de sua carreira. Distribuiu ao longo do álbum baladas
envenenadas por letras cortantes e poderosos riffs de guitarras,
blues que se transformam em bossas, rocks que saem de mãos dadas
pela avenida com sambas. Canções Dentro da Noite Escura
não é um disco leve porque o tempo que nós estamos vivendo não
é nada leve. As noites são escuras e os dias cada vez mais curtos.
Lobão entrega ao público, em bancas de revistas, encartada na
revista Outracoisa, o melhor álbum lançado em 2005 até
o momento. Não tem para Pato Fu nem para Kid Abelha, que lançaram
ótimos discos. Também não tem para Oasis, Coldplay e White Stripes.
Canções Dentro da Noite Escura é um disco urgente que
retrata o momento que vivemos de forma poética, apaixonada e,
por que não, com certa ironia. É a trilha sonora de 2005. O
futuro só começa a importar depois que aprendemos a lidar bem
com o presente. 2050 já está por ai, mas 2006 chega antes. Fique
atento.
Ps. O CD está sendo vendido encartado na revista Outracoisa
número 10, ao preço de R$ 13,90.
Links
Site Oficial de Lobão
- Baixe a música "Seda"
Site Oficial
da revista Outracoisa
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