Leoni - Entrevista

por Marcelo Costa e Leonardo Vinhas
Foto: Divulgação
25/08/2002

Um dos maiores compositores da geração 80 do rock brasileiro está de volta à cena. Leoni, um dos criadores do Kid Abelha que pulou fora para montar os Heróis da Resistência e depois saiu em carreira solo, retorna a mídia após oito anos de silêncio, imposto mais pelo péssimo momento em que a música brasileira andou passando no fim da década de 90 do que por vontade própria. 

Com mais de 60 músicas inéditas, o músico entrou em estúdio, bancou a gravação e lança Você Sabe O Que Eu Quero Dizer por seu próprio selo, o Batuque Elegante com distribuição da Atração.

Autor de algumas gemas pop do cancioneiro brasileiro (Pintura Intima, Fixição, Os Outros, Lágrimas e Chuva entre muitas outras com o Kid Abelha e Nosferatu, Só Pro Meu Prazer e Silêncio com o Heróis da Resistência além de Garotos II de seu primeiro álbum solo), Leoni retorna inspirado com um belo álbum pop que mistura samba e guitarras, violões e percussão, ótimas letras e muitas canções de apelo radiofônico. 

Marcelo Costa e Leonardo Vinhas conversaram com o músico e já avisam que Você Sabe O Que Eu Quero Dizer deve pintar na listinha deles de melhores álbuns nacionais de 2002. Confira a entrevista e de uma ouvida no disco. Vale a pena. 



Pergunta inevitável. Nove anos sem um álbum é bastante tempo. O que você fez nesse tempo todo em que ficou "parado"?

Com o sucesso de Garotos II em 94, deu para que eu continuasse fazendo shows por um bom tempo. Simultaneamente aumentei minha área de ação na música fazendo trilhas de peças, produzindo bandas novas, compondo para outras pessoas, fazendo alguns jingles e preparando algumas demos para mostrar em gravadoras.

Em 1997 você lançou um single pelo selo Geleia Geral (Tudo Sobre Amor e Perda), certo. O que aconteceu?

Nada. As gravadoras criaram uma história de que iam lançar singles a R$ 4,99 e nós compramos a idéia. Lançamos o single, mas ninguém mais o fez. Daí o disco se perdeu porque não havia espaço na imprensa para crítica de singles, nem nas lojas e nem nas rádios, que disseram que tocariam a faixa quando saísse o disco. Foi uma pena porque era uma experiência muito rica e bastante ousada.

Você não chegou a cogitar entrar na moda desses acústicos e de regravações?

Eu não tenho nada contra, mas eu tinha 60 músicas inéditas clamando por exposição. Eu também achei que tinha que criar uma linguagem minha antes de voltar ao passado. Retornar à mídia depois desse tempo todo com um trabalho de reciclagem, para mim seria a minha mumificação. Eu não sou quem eu já fui, eu cresci, amadureci, tenho outros assuntos e interesses. Achei que isso tinha que ficar claro para as pessoas.

Como você analisa o mercado nesse seu momento de volta, levando em conta que alguns dos principais nomes do pop rock nacional anos 80 são os principais nomes atuais?

Acho coerente, são anos de contribuição, uma obra extensa e sólida e um público consolidado. Mas tem muita gente legal chegando. Além do fato de que o novo sempre enfrenta resistência. Quando a gente começou também ouvia que o nosso trabalho não podia ser comparado ao dos grandes da MPB.

Quando você começou o projeto de Você Sabe O Que Eu Quero Dizer e como foi o processo de gravação? Te deixou satisfeito o resultado final?

O processo teve início no primeiro semestre do ano passado, quando eu decidi gravar o disco. Primeiro eu montei uma banda e fiquei só ensaiando o repertório. Depois fizemos alguns shows com o repertório novo e alguns sucessos. Quando estávamos bem certos dos arranjos, entramos em estúdio e gravamos quase ao vivo. As percussões e os violões foram gravados na mesma sala ao mesmo tempo, o que significa que não houve possibilidade de regravar apenas um elemento, já que todos os sons vazavam em todos os canais. Isso deu um ar muito espontâneo ao disco. A preocupáção técnica teve que dar lugar à preocupação com a emoção do take escolhido. O disco é cheio de pequenos "defeitos" que, para mim, conferem personalidade e um toque humano no resultado final.

A mim surpreendeu, logo na abertura, aquela batida de samba, mas logo entra a parte acústica. Ficou muito bom! Como se deu essa aproximação com o samba, fato que nunca havia aparecido em seus trabalhos anteriores.

Musica pop, para mim, é o resultado das misturas mais inusitadas. Quando o Police  com a mescla de rock e reggae estava usando esse atributo antropofágico do pop. No Brasil, com uma tradição musical tão rica, não há motivo para não incorporar esses tesouros ao nosso pop. Eu sempre curti música brasileira, mas não tinha achado ainda a minha forma de sintetisar todas as minhas influências. Agora, sinto que estou descobrindo a minha linguagem.

Você Sabe O Que Eu Quero Dizer pode ser definido com o nome de seu site, "batuque elegante"?

Tem muito a ver, mas é mais que isso. A idéia do nome do selo é chamar a atenção para a parte mais brasileira do disco. Mas a idéia mais importante e que gerou a escolha dos instrumentos foi a de deixar as canções bem aparentes. Com a percussão ao invés da bateria era possível criar uma amplitude maior de dinâmicas. Bateria normalmente ocupa muito espaço e faz muito barulho. Eu queria que as letras e melodias fossem o destaque do CD, porque eu acho que é na composição que eu tenho algo a dizer. Daí, tudo foi construído ao redor de minha interpretação ao violão. Os outros instrumentos tiveram que se acomodar ao redor dessa base.

Esse último disco nos soa como uma união de tradições tanto do samba como do pop, sem soar folclórico ou estetizado. Procede?

Na verdade é a união das "minhas tradições". Eu sempre ouvi muita música brasileira, só não tinha achado um jeito de juntar esses mundos no meu trabalho. Mas como música pop é local ideal para misturas sem fronteiras, eu não podia deixar de aproveitar esse nosso tesouro musical. è um deperdício não se aproveitar de um patrimônio que inclui Noel Rosa, Pixinguinha, Cartola, Lupicínio Rodrigues, Luis Gonzaga, Tom Jobim, Chico Buarque, Caetano, Gil, Milton Nascimento, Jorge Benjor e, porque não, Cazuza, Renato Russo, Herbert etc. Temos um dos povos mais musicais do planeta e temos que ter orgulho disso.

Apesar de toda a percussão, as guitarras têm forte destaque no disco. A guitarra ainda é a base do pop, pelo menos para você?

Eu adoro guitarra!! Para mim é o instrumento solista por excelência no pop e no rock e é muito versátil e sempre orgânico. Acho que a junção de guitarra com percussão é que gera a estranheza que eu perseguia, por serem representantes legítimos dos mundos que eu queria fundir.

Muitas composições são em parceria, algo que você já declarou gostar de fazer. Apresente seus parceiros desse disco e conte brevemente como se deram os contatos com eles.

Tenho uma parceria com o Leo Jaime, de quem já sou parceiro há uns 20 anos, desde a Fórmula do Amor. Fotografia era a música que abria o show que nós fizemos juntos. Acho até que ele vai gravar no disco ao vivo dele. Com o Frejat eu compus Napalm no Morro, uma canção politicamente incorretíssima. A nossa parceria por enquanto se resume a essa música, mas já temos outros dois projetos. Nós escrevemos essa canção em 95, logo depois de eu entrevistá-lo para o meu livro. Com a minha mulher, Luciana Fregolente (atriz e escritora), compus duas canções para o disco, mas temos muitas outras na gaveta. As Cartas Que Eu Não Mando, inclusive, a idéia e quase toda a letra é dela. É muito prático e profícuo ter um parceiro em casa. Ela é minha "personal parceira". ;-)

E por último tem Samba e Saudade que é uma parceria com a Suely Mesquita que é uma super compositora aqui do Rio e com quem eu tenho mais duas canções escritas.

Você sempre foi um compositor muito preocupado com harmonias e arranjos, nunca se contentou com a precariedade dos estúdios e produtores brasileiros nos anos 80, enfatizou isso em seu primeiro disco solo. É dificil trabalhar assim no Brasil?

Atualmente não temos nenhuma deficiência técnica. Até em estúdios caseiros podemos encontrar condições muito boas de trabalho.

Qual das novas canções você gosta mais?

Cada hora eu gosto de uma. Não é demagogia, eu não saberia dizer.

Como é o processo de divulgação e distribuição do disco? Ele está chegando as rádios? E shows?

A distribuição é feita pela Atração, uma gravadora pequena, mas que tem ótima distribuição nacional. Quanto à distribuição, ela é feita pelo meu selo, Batuque Elegante, e tem sido um trabalho de guerrilha. Algumas rádios já estão executando a canção Melhor pra Mim, principalmente em BH, Uberlândia e Rio. Agora é que vou começar a marcar os shows.

Como o álbum foi lançado por um selo pequeno, o que isso tem de bom e de ruim para um artista que esteve ligado às majors por muito tempo?

De ruim é só a falta de grana. Dinheiro compra tempo, as coisas acontecem mais rapidamente. Sem dinheiro a estratégia tem que estar muito mais azeitada e tem-se que ter paciência. As coisas vão acontecer, mas há de se esperar. De bom, tem o controle e a propriedade da obra e o controle dos rumos da carreira. Dá muito trabalho, mas aparece tanta gente para ajudar quando sente a verdade e o entusiasmo com que a gente (selo, músicos, empresário, equipe etc.) tem tocado o trabalho, que chega a ser comovente. O contato direto com os fãs, os lojistas, os divulgadores e tudo o que cerca a divulgação de um disco também tem sido muito instrutivo e gratificante.

Você diria que há outros compositores trabalhando nas mesmas propostas que você.

Sim. Acho que existe uma turma que já anda misturando pop e mpb com muita inspiração. Dá pra lembrar rapidamente de Cassia Eller, Lenine, Paulinho Moska, Pedro Luis, Bangalafumenga, Adriana Calcanhoto etc.

O que você anda ouvindo no momento?

Eu escuto de tudo um pouco, mas como ganhei recentemente o acústico do Jorge Benjor, o novo do Nelson Sargento e o Time Out do Dave Brubeck Quartet, é isso que tem rolado mais no meu CD Player. Gosto muito do disco do Sérgio Brito (Titãs) e do Frejat.

Além do álbum, você tem mais algum projeto guardado no bolso? Não pensou  em escrever um segundo livro depois do Letra, Música e Outras Conversas?

Eu adoraria escrever um outro livro, mas isso demanda muita, muita disciplina ou tempo sobrando e eu não tenho nenhum dos dois. Então vai ficando como um projeto para anos de vacas mais gordas.



"Você Sabe o Que Eu Quero Dizer" - Leoni (Batuque Elegante - Atração)

por Leonardo Vinhas

Foi sempre assim, e talvez já não vá resolver, mas Carlos Leoni Rodrigues Siqueira Junior sempre foi um compositor pop subestimado. Fosse nos hits da primeira fase do Kid Abelha (Fixação, Como Eu Quero e Lágrimas e Chuva, só para ficar nos mais conhecidos), fosse em sua carreira-solo (que emplacou Garotos II e quase Falando de Amor), os detratores sempre o reduziam a nada mais que um compositor de cançõezinhas medianas, muito água-com-açúcar, nada muito digno de nota. Compor esse tipo de coisa, poderiam dizer tinhorões e alternativóides, é para qualquer um.

Hoje é tudo igual, mas mudou. Leoni continua sendo o grande compositor que sempre foi (alguém, fora o Phil Collins e o Nasi, liga para a opinião de jornalistas frustrados e elitistas?), mas está na independência com seu segundo disco solo, distribuído pelo selo Atração Fonográfica e lançado após um hiato de oito anos em relação a sua estréia homônima. Você Sabe O Que Eu Quero Dizer é o disco que muita gente queria ouvir: a tradição do samba e do pop anglofilizado (esses neologismos...) graciosamente unidos sem soar como macumba para turistas.

Leoni passou um tempo andando no escuro para não achar as respostas, mas o incentivo de sua mulher e parceira Luciana Fregolente o colocaram no estúdio junto com o ex-companheiro do KA Beni Borja na co-produção, acompanhado de ótimos músicos que acompanharam a tradução do "batuque elegante" da sua cabeça para a prática. O resultado é sublime.

Esse disco é tudo que podia não ser: assimilável, ousado, diferente, gostoso de se ouvir... e pop. Da melhor estirpe, e com as melhores letras, principalmente nas composições em parceria com a esposa, a faixa-título e As Cartas Que Eu Não Mando. Substituindo a bateria por muito compententes percussionistas (entre eles Eduardo Lyra, acompanhante regular dos Paralamas do Sucesso) e centrando força nas guitarras e violões, Leoni define a receita do disco, na qual se permite variar sem contudo perder o apelo pop. Assim, se as duas canções já citadas são hits instantâneos (mesmo!) graças ao ritmo forte e ágil, Fotografia (parceria com Léo Jaime), Melhor Pra Mim e a bela Temporada das Flores (não deixe o título assustá-lo) obtém o mesmo efeito pela delicadeza. Napalm No Morro entrelaça violões tensos e uma prosódia de quem se emputece em e com uma cidade como o Rio de Janeiro, ainda que nos versos de Mais Perguntas Que Respostas e Criado Mudo (uma homenagem ao avô do músico) esteja evidenciado que Leoni encontrou a felicidade em termos superiores: família, amor, essas belas coisas.

Você conhece cada frase de tudo o que ele vai dizer, mas assim mesmo se surpreende. E a surpresa maior está em Tudo Sobre Amor E Perda. Se inventarem um dicionário interativo, que permita a audição de música, no verbete "música pop brasileira" vai ter que constar essa canção. O desapontamento, o rancor e a sensação de ter bancado o trouxa, sentimentos que não raro surgem após o término de um romance, estão aqui atirados e prensados contra o primeiro que vier para incomodar o momento de fúria com palavras contemporizadoras. E ainda num formato musical (lembrando: guitarras e violões bem escolhidos com uma batucada de primeira, só que ainda melhor) que seu cérebro vai custar a esquecer.

Mesmo que o preconceito insista em castigar o trabalho de Leoni, é só por um momento. O bom senso de quem gosta de boa música há de garantir a esse disco o reconhecimento que o músico merece, nem que leve anos, embora seja melhor agora. Você pode ajudar nisso, acho que você sabe o que eu quero dizer.

Leonardo Vinhas nunca sabe o que as mulheres querem lhe dizer com palavras indiretas. Aliás, ele acha que nenhum homem sabe.