Entrevista - Leonardo Panço
por
Marcelo Costa Foto: George Frizzo / Divulgação
Email
16/11/2005
Sempre tive preguiça de aprender a tocar algum instrumento.
Mesmo assim, cheguei a montar, com amigos, várias bandas em
mesa de bar, daquelas que nunca dão em nada. Com o tempo, aprendi
a saciar a minha paixão pela música ouvindo música, mas existem
momentos em que eu queria que tudo fosse diferente. Jason
- 2001, Uma Odisséia na Europa foi responsável por um destes
momentos. Seis brasileiros rodando a Europa numa van e fazendo
62 shows em 80 dias por 15 países. É fudidamente rock
and roll.
Primeiro, as apresentações. O Jason é um combo de hardcore cuja
casa é o Rio de Janeiro e a discografia se divide entre álbuns
lançados de forma independente pelo selo Tamborete no Brasil
(Odeia Eu de 1999 - Eu Sou Quase Fã de Mim Mesmo
de 2000 - Eu, Tu, Denis de 2002) e dezenas de canções
espalhadas em splits e coletâneas ao redor do mundo (Chile,
Canadá, Colômbia, Alemanha, Espanha, França...). O livro Jason
- 2001, Uma Odisséia na Europa funciona como diário
de turnê e conta a saga dos brasileiros em uma autêntica
tour pelo velho mundo. Escrito pelo jornalista (e guitarrista
da banda) Leonardo Panço, Jason - 2001, Uma Odisséia na Europa
é uma aula de "vida na estrada", coragem e "faça você mesmo".
Uma das grandes vantagens do livro do Panço é que o texto é
convidativo. O cara escreve como se estivesse conversando com
você em um boteco após um show, e isso prende a atenção. O tom
confessional da escrita acaba conquistando o leitor, que acaba
acompanhando todas as histórias como se estivesse olhando sobre
o ombro do autor. Mais. O jornalista não se prende apenas ao
cardápio básico de um diário de turnê (ensaios, shows, viagens)
e presenteia o leitor com pequenas tiradas divertidas, além
de histórias curiosas dos locais por onde a banda passou:
"A viagem começou um pouco estranha, porque entramos no avião e o calor era bizarro. O ar-condicionado estava quebrado e tivemos que sair e esperar duas horas até que tudo fosse reparado. As aeromoças usavam uma camiseta com uma foto de um coroa fumando charuto e nas costas as datas comemorativas do último vôo do subcomandante Marcos. Não o mexicano, claro, mas um funcionário da Swissair. Para quem acredita no Homem, Deus costuma ser piadista. Acabou não acontecendo, mas não duvido nada que o avião caísse só por ser o último dia de trabalho do Marcão. Não é difícil. Todo mundo quer seus quinze minutos de fama". Ou ainda: "Demos um rolê, o povo comprou uns presentes e entramos numa rua chamada Ave Maria com uma história muito interessante. No século XVII, todas as casas ali eram prostíbulos e os moralistas da região e de uma mesquita mataram todas as putas. As vasculharem as casas, descobriram vários bebês enterrados. Daí foi dado o nome Ave Maria para purificar a rua". Hardcore também é cultura. :_)
Shows em squats e em beiras de piscina, uma semana sem tomar
banho, guitarras quebradas, travessias por fronteiras, rango
natureba, cerveja Mahou na Espanha ("A melhor cerveja de toda
a viagem"), brasileiros perdidos no reduto do grupo separatista
ETA ("Nós tínhamos o nome da cidade em espanhol e as placas
estavam em basco"), cama improvisada em estúdio ("Dormimos em
meio a cinco Marshalls"), meninas que não falavam inglês ("Só
alemão, francês, espanhol, italiano e... português"), shows
para estudantes na Eslovênia e mais, muito mais. "Não é pra
qualquer um, não é pra quem pode. É pra quem quer. É pra quem
faz", escreve Wander Wildner na contra-capa do livro, que ainda
traz, além da turnê européia, relatos das turnês pelo Nordeste
em 1998 e 2000, e pode ser adquirido no site da gravadora Tamborete
(http://www.tamborete.com.br) ou por e-mail com o próprio autor
(panco@jason.art.br) por R$ 20,00 + correio. O S&Y conversou
com Leonardo Panço por email. Confira o bate-papo.
Quanto tempo vocês gastaram para acertar os detalhes da viagem? Do momento que vocês encanaram fazer essa aventura até entrar no avião?
Por volta de um ano se eu bem me lembro. Ficava umas 3 horas todo dia na madrugada com conexão discada no meu 486 da época. Sete dias por semana falando com pessoas de 15 países ou até mais (alguns não rolaram) pra tentar fechar tudo. Um mapa da Europa colado na prateleira, um calendário ao lado, vendo qual a melhor seqüência, como preencher os dias vazios, pra onde ir, essas coisas. Lembro bem do dia em que resolvemos ir. Conversando num bar, o (Flávio) Flock falou que iria e o Fábio também. Depois ele pipocou e preferiu ficar.
Qual dos países por quais o Jason passou que mais te impressionou?
Todos são diferentes no geral, né? De beleza, a Noruega é disparado o mais bonito. A Espanha também é demais. Já a Polônia é meio Brasil. Tudo velho, camelô, flanelinha, nego distribuindo filipeta no sinal. Gostamos bastante de lá também. O pessoal era bem animado. E pra tocar a Alemanha é o melhor. Tem lugares demais. Fizemos acho que 22 shows. A Gangrena Gasosa foi na mesma época e tocou em um único lugar igual. O Nitrominds vai e os lugares não são os mesmos que nós vamos. É impressionante mesmo.
No livro você sempre fala "fizemos nosso melhor show" aqui, ali e acolá. De toda a turnê européia, qual você considera o melhor show, englobando público, local, etc...
São essas coisas de deslumbre mesmo, de todo dia ser o melhor. Coisa de jovem iniciante. É tão complexo escolher o melhor show porque tem que ser uma soma de tudo. Do seu astral individual, com o lugar, com as pessoas da platéia, com o equipamento. E quase nunca os quatro estão em sintonia. É muito difícil. Vou escolher um então onde tocamos na beira de uma piscina em uma sala fechada. As pessoas ficavam dentro da piscina e nas outras três bordas. A cidade chama Schwerte. Inclusive dá pra dizer que foi o melhor show da segunda tour também em 2003. Pelo menos foi o mais emocionante pelas circunstâncias que estávamos passando no dia.
Como foi a experiência de ser um brasileiro indo pra lá e pra cá na Europa?
Nesse aspecto eu gostaria de ter contato com os humanos normais para saber se realmente os brasileiros são bem-vindos em qualquer situação. Me senti muito bem-vindo em 99% das situações ou mais, mas sempre com artistas, punks, ativistas, uma galera de mente mais aberta. Será que os alemães normais dos vilarejos do leste iam gostar da gente? De qualquer modo a gente gostou bastante. Era sempre divertido mudar de país, de moeda, de cidade, de tudo. Tudo novidade. Até ser parado na fronteira e ficar lá uma hora e meia no frio, hoje dá pra achar graça. Na hora não muito.
Qual o segredo para agüentar ficar tanto tempo sem tomar banho? :_)
Pô, aqui no Rio (de Janeiro) tomo banho duas vezes por dia, às vezes três. Então aconteceu na Espanha de ficar acho que foram nove dias. Só uma lavadinha nas pias aqui e acolá. Os squats só tinham água mega gelada, pra escovar os dentes, machucava tudo. Lá fora a neve. Então não rolava mesmo. Até chegar no País Basco e um cara ter chuveiro quente. Fiquei tipo uma hora. Cabelo Bob Marley total.
Andando pra lá e pra cá no velho mundo, com certeza você deve ter se deparado com pequenos tesouros do mundo musical. Comprou algo?
Nada, nada. A gente tava muito preocupado com dinheiro. Seis
pessoas por 80 dias em 14 países é uma viagem caríssima. Daí
quando vi que podia gastar algo, pisei logo na jaca. Comprei
a guitarra que você já sabe. Uma Gibson SG igual a do Angus
Young. Nem foi tão cara assim porque ainda era marco alemão,
quase igual ao real. Ótimo preço. Mas depois não dava pra gastar
mais com nada. Trouxe dois cds que gosto muito, mas de banda
que tocamos juntos. Rifu - www.rifu.net
- e Not Enough - www.notenough.de.
E a guitarra, ficou bacana?
É aquilo. Igual não fica mais, né? Mas um luthier consertou e uso ela até agora.
Quando você teve a idéia de escrever o livro, foi inspirado em algum relato de outra banda, ou foi na loucura mesmo, de reunir os escritos?
Eu sempre quis lançar um livro, acho que pelo ego mesmo. Sabia que 80 dias era motivo suficiente pra uma história destas. Acho que inspirações, mas não sei se muito diretas, foram o óbvio On The Road, do Kerouack, tudo do Bukowski e um que eu nunca li, o Get in The Van, do Henry Rollins, da Rollins Band. Nesse livro ele conta os anos em que ficou no Black Flag. Mesmo sem ter lido (hoje em dia eu li as seis páginas iniciais num site), acho que essa foi a maior inspiração.
Já dá para dizer que a Tamborete é uma mega-corporação? Afinal,
agora além de lançar discos de um monte de gente, vocês também
estão lançando esse livro. Qual das duas áreas é mais complicada
para se trabalhar: ser livreiro ou ser dono de gravadora?
Gostaria não de ser uma mega corporação, mas de crescer um pouco mais. Espero que ainda role. Fiquei dois anos sem lançar nada, só me livrando dos encalhes e agora em dois meses já lancei o livro e o primeiro do Zumbi do Mato que estava fora de catálogo há 4 anos. Então estou de volta. Mas está sendo mais difícil trabalhar com o livro. Conheço menos gente no meio. Roqueiro não lê. Brasileiro nem ler sabe. Então é mais complexo. Fora que além disso tudo, infelizmente, tenho um emprego (quase) normal de 11 da noite às 7 da manhã, então tenho pouco tempo pras coisas. E quando eu durmo, as lojas abrem. É bem complexo.
Mais do que qualquer coisa, com a Tamborete, com o Jason, e com esse livro, você prova que o caminho para o mercado independente ainda é o "faça você mesmo". É isso mesmo?
Eu não estou provando nada. Faço as coisas da minha maneira porque assim é saudável. E quem pode dizer que eu não aceitaria um convite grande? Nunca recebi, né? Será que eu recusaria R$ 200 mil pra fazer um comercial da coca-cola que faria ter todas as coisas que não tenho? Taí uma dúvida.
Como se faz para adquirir os Cds lançados pela Tamborete e o livro?
A melhor maneira ainda é o e-mail e o site. Daí depósito bancário.
Aqui no RJ estou sempre nos shows também. www.tamborete.com.br
- www.jason.art.br
E como anda o Jason? Novos sons, novos lançamentos, novos clipes,
novidades?
Tem muita coisa acontecendo com a gente mesmo. É que as coisas
vieram um pouco mornas por não termos vocalista, mas a gente
não deixou de fazer nada. Passamos mais de dois anos ensaiando
sem voz . Já tem um ano que estamos compondo para o disco novo
sem saber se sairia ou não por não termos cantor. Praticamente
fechamos 17 instrumentais no último ensaio. Domingo agora fecha
tudo. Daí o Anderson vai criar as partes dele de melodias e
provavelmente o Flock vai fazer as letras em cima, como era
antes. O último clipe que fizemos foi com o César Maurício,
que é um cara que eu admiro há uns 15 anos desde quando era
do Virna Lisi. Agora ele é o cantor do Radar Tantã - www.radartanta.art.br
- e fez esse clipe em animação de presente pra gente. Estamos
divulgando ele há uns dois meses.
Quem quiser, ele está em alguns lugares: www.jason.art.br
- www.jason.biz.md
- www.underground-booking.de
- é só baixar e se puder, espalhar para os amigos, afinal na
TV é difícil de ver. Agora no dia 19/11 vamos tocar com o Mukeka
di Rato aqui no Rio e o Marcelo, nosso baterista, conseguiu
um esquema com um amigo dele que trabalha numa TV e tem equipo
à mão e vamos fazer um clipe ao vivo. Fora isso eu já tenho
duas idéias na cabeça pra outros dois novos clipes, inclusive
pela primeira vez, quero co-dirigir (uau). Mas só vamos filmar
quando tivermos o disco novo pronto, pra já ser com a formação
nova.
Em dezembro vamos tocar com duas bandas da Finlândia aqui no Rio. Fechamos com a Marginal Produções uma exclusividade para shows no estado de São Paulo. Vamos ver como funciona, espero que bem. De qualquer modo a gente quase não toca na cidade de São Paulo, então acho que vai ser bom poder voltar. A gente só não pode perder dinheiro. De resto, a gente quer ir direto, como já fizemos muito no passado. Esse ano fizemos seis shows no interior de São Paulo e agora são mais dois. Sempre é mais simples que na capital. Pelo menos para nós.
Vamos lançar em algum momento do mundo quatro CDs, vai ser uma avalanche. Um chamado Caras Dessa Idade Já Não Lêem Manuais, que vai ter um monte de lado b e o que couber dos clipes. Daí o novo, que vai se chamar Regressão, mas sem data pra sair. Sai também um split com cinco músicas nossas (ainda com a formação Glerm e Flock) com a banda alemã May The Force Be With You. Esse ainda não sei se sai no Brasil, mas espero que não. E lá fora sai um CD com 10 músicas do segundo disco e 10 do terceiro mais algum clipe de bônus, a princípio somente na Alemanha. Vai ser lançado em março, quando começa nossa terceira gira pela europa no dia 18/03 em Hamburgo. Esse disco sairá pela Urban Jungle Media.
Temos outras idéias, mas por ora essas são as que vão começar
a serem trabalhadas. De resto a gente gostaria de tocar em lugares
melhores e com mais freqüência. Vamos ver.
Links
Site Oficial
do Jason
Site Oficial
da gravadora Tamborete
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