Lambchop
- Entrevista
por
Leonardo Vinhas
leonardo.vinhas@bol.com.br
O Lambchop é
uma super banda. Ok, a brincadeira aqui tem a ver com aqueles que sempre
acharam que oito Titãs era um exagero de banda, então que
tal os norte-americanos do Lambchop com 14 integrantes. Dois bateristas,
vários baixistas, uma seção de metais e alguns faz-se-tudo
formam está que é reconhecida como uma das formações
mais originais, emocionais e brilhantes dos últimos tempos.
Entre o inicio
da banda e a data desta entrevista, contamos 16 anos de serviços
prestados a boa música. Isso, do começo quando o grupo gravou
uma série de fitas k-7 sob o nome de Posterchild. O nome Lambchop
surgiu em 1992, trazendo consigo, no ano seguinte, um contrato com a importante
gravadora Merge e o primeiro single, "Nine".
A história
de lirismo, delicadeza e boa música ganha destaque com o mundialmente
elogiado "Nixon", de 2000, presente na lista de melhores do ano de praticamente
todas as grandes publicações do mundo.
Agora, de uma
só vez, aportam no Brasil os dois álbuns mais recentes dessa
turma de Nashville, capital mundial do country, terra em que Kurt Wagner,
o lider/agregador, reuniu mais de uma dúzia de amigos para dedicar-se
a paixão pela música. "Tools In The Dryer" reúne raridades,
lados b, canções esquecidas e outras colaborações.
"Is a Woman", álbum mais recente do grupo, é encharcado de
sutilezas.
Entre os vários
amigos que formam o Lambchop está o clarinetista Jonathan Marx,
responsável pela compilação de faixas de "Tolls In
The Dryer" e um Lambchop desde 1992. O S&Y cruzou as américas
e estendeu um papo via telefone Taubaté/Nashville com Marx para
descobrir que apenas metade da turma excursiona enquanto a outra metade
mantém empregos "normais" (jornalismo, engenharia, carpintária)
e que o termo alt-country não é bem visto pelo banda, o que,
convenhamos, seria reducionismo. O Lambchop é uma orquestra que
mistura jazz, soul, country, rock e quetais com lirismo, frescor e sutileza.
Uma super banda, com todas as letras. Confira o bate papo.
S&Y
- Olá, Jonathan. Onde você está agora?
Jonathan Marx - Estou no escritório
do meu emprego, em Nashville.
Eu tinha
a informação de que a banda estava em turnê pela Europa...
Somos 14 pessoas, sete estão
em turnê e sete ficaram em casa. A cada turnê, viaja um grupo
diferente de pessoas, depende dos empregos e da situação
pessoal de cada um. Eu não posso sair sempre, não gosto de
deixar meus colegas de trabalho em uma situação em que fiquem
sobrecarregados de serviço. Não sei ao certo onde a banda
está agora, acho que estão na Irlanda...
E em que
tipo de emprego você trabalha?
Eu trabalho em um jornal, o Nashville
Scene (www.nashvillescene.com).
Acabaram
de ser lançados no Brasil a coletânea de "Tools In The Dryer"
e o recente "Is A Woman". Como você apresentaria esses dois discos
ao público brasileiro?
Bem, "Tools In The Dryer" é
uma coletânea com faixas extraídas de alguns singles em 45
rpm, de compilações, de CDs não-oficiais que nós
mesmos gravamos e de algumas fitas que tínhamos guardadas. Fizemos
esse disco para que os fãs pudessem ter acesso a esse material,
o que seria difícil sem a compilação, e também
serve para apresentar a banda para quem não nos conhece, mostrando
que não somos nenhum tipo particular de banda, somos uma banda de
muitas possibilidades que vão além de definições
como soul ou country ou qualquer outra coisa.
"Is A Woman" é um álbum
mais calmo e mais sutil que o anterior, "Nixon", que tinha muitos metais,
cordas, um acento mais soul, corais gospel. É um álbum mais
sossegado mas ainda com nossa cara.
Por que "Is
A Woman" é tão mais diferente de "Nixon"? De onde veio a
motivação para essa mudança, quais foram as razões?
Várias razões. Nós
excursionamos após o lançamento de "Nixon" e muitas pessoas,
principalmente na Europa, esperava que recriássemos as canções
exatamente como elas estavam no álbum. E isso é difícil,
é caro e complicado colocar 14 pessoas excursionando e tocando em
palcos muitas vezes pequenos, as condições são realmente
difíceis. E "Nixon" é álbum realmente difícil
de ser reproduzido ao vivo, porque exige todo esse pessoal e todas essas
condições. Então optamos por fazer um álbum
que fosse mais fácil de tocar em turnê, que não desse
essa frustração aos fãs, mas cujas composições
abrissem possibilidades para receber mais instrumentos quando conseguíssemos
ter mais pessoas no palco quando mais de sete de nós estivessem
disponíveis. As composições de "Is A Woman" vão
bastante para essa direção.
E vocês
estão satisfeitos com o resultado final?
Sim, sim, com certeza! Totalmente!
Já
faz quinze anos que o Lambchop está na ativa, e normalmente vocês
são associados ao termo alt-country, no qual acho que vocês
não se encaixam...
Certamente não.
...mas ainda
assim permanece a associação ao termo. Isso chega a incomodar?
A mim, incomoda um pouco, sim. Eu
acho que é uma simplificação exagerada do nosso trabalho
e não nos sentimos ligados a esse tipo de música. Nós
temos uma conexão com o country, sim, mas a música country
mais antiga, dos anos 50, 60 e 70, não com essas coisas mais modernas
associadas ao gênero. É uma definição que não
se aplica a nós.
Josh Rouse,
outro artista que costuma ser ligado a esse rótulo, declarou em
entrevista ao Brasil que não se considera pertencente a ele...
Claro que não!
...e também
que considera vocês uma grande banda, mas mais uma banda de soul,
com elementos de country e de rock. Com soul (alma) acima de tudo.
É bem por aí. Veja o
Yo
La Tengo, por exemplo, você pode dizer que eles são uma
banda de rock comum? Ou mesmo o Superchunk,
eles são simplesmente rock? Acho que não, que eles não
cabem em nenhuma caracterização em particular, e o mesmo
acontece conosco. Na cabemos em uma definição específica,
e não queremos ser apenas um grupo de rock. Tem muita coisa em nossa
música.
Há
algum plano de tocar no Brasil? Vocês já receberam convites
para vir aqui?
Eu gostaria de ir aí, mas não
sei quando. Não recebemos convites ainda. Em grandes turnês,
já viajamos bastante pelos Estados Unidos, pela Europa e até
demos uma passada pela Austrália, mas nunca estivemos na América
do Sul. Seria legal irmos aí.
Você
sabia que tem um festival, o Free Jazz (que não é exatamente
de jazz), que recebe bandas com propostas musicais diferentes? No ano passado,
vieram Grandaddy, Belle and Sebastian e Sigur Ros. Poderia ser uma boa
oportunidade para vocês.
Sim, parece ser. Quando é esse
festival?
Em outubro.
Hmm, é um período difícil
para estarmos aí. Ainda estaremos em turnê, e os que estarão
em casa realmente não terão como ir. Eu mesmo estarei bastante
ocupado aqui no serviço. Mas gostaríamos mesmo, não
tenha dúvida.
Já
que há o interesse pelo país, vamos à pergunta básica
de jornalistas brasileiros: você conhece música brasileira?
(risos)
Deus, é claro! Não tanto
quanto gostaria, mas conheço, tanto que dei algumas entrevistas
na semana passada e disse aos jornalistas o quanto a música brasileira
me influencia. Alguns jornalistas brasileiros até ficaram de trocar
discos comigo, mas mesmo por aqui tem havido grande interesse, principalmente
pela Tropicália. Eu gosto de todos os diferentes estilos da música
brasileira, gosto de bossa nova, gosto pra valer da Elis Regina, mas também
gosto de coisas mais modernas, como... Otto,
é esse o nome, certo? Ele é bom, Amon Tobin também
é muito legal. Sei que ele não vive no Brasil e não
faz exatamente música brasileira, mas sou um grande fã dele,
ele é muito bom mesmo. Tenho interesse por música brasileira
há muito tempo e tenho encontrado boas novidades daí.
Já
ouviu Jorge Ben?
Sim, ele é realmente legal!
Tenho vários vinis dele que comprei por aqui numa loja que costuma
ter de tudo. Ele é fantástico!
Jonathan,
como nosso tempo está acabando, vamos a algumas perguntas rápidas:
vocês esperavam que "Nixon" tive uma repercussão tão
boa entre críticos e uma grande parcela do público?
Acho que não. Nós queremos
que as pessoas gostem da nossa música, mas esperamos que qualquer
um goste, não a fazemos para um público específico,
embora seja legal termos fãs que realmente gostem do nosso trabalho.
Alguns até gostam porque são fãs, outros vão
se interessando aos poucos... O mais importante é fazer música
e não se preocupar com esse retorno.
Imagino que
em uma banda de 14 pessoas seja difícil encontrar uma influência
musical comum, afinal é difícil até colocar todos
num palco, o que dizer de um consenso nos gostos! Mas, mesmo assim, existe
algo em comum que os influencie?
Há uma influência em
comum que é o fato de todos gostarmos de música, amarmos
música. Estamos ligados a ela, essa é a conexão maior.
Talvez duas ou três pessoas gostem de uma mesma banda ou tipo de
música, eu posso gostar de uma música que o baterista gosta,
ou que o baixista curte, mas o real fator comum é o interesse pela
música. Sempre trocamos CDs entre nós - aliás, sou
eu que apresento música brasileira para os outros, gostamos de tocar
juntos, então sempre alimentamos o interesse e o gosto pela música.
A ligação é essa: a música afeta a todos nós
de alguma forma.
Uma curiosidade:
como vocês surgiram com o título "Your Fucking Sunny Day"
(algo como "seu dia ensolarado de merda")? Pergunto
porque acho que é o melhor título dado a um tema instrumental,
muito legal, por sinal.
Bem, acho que esse é um exemplo
perfeito do humor de Kurt (Wagner).É parte de sua sensibilidade,
seu raciocínio, e nós gostamos disso. É simplesmente
o jeito que ele escreve.
Tools in
The Dryer - 2001 (Merge/Trama)
Is a Woman
- 2002 (Merge/Trama)
por Marcelo
Silva Costa
"Tools in the
Dryer" nada tem do oportunismo das coletâneas de sucesso. Meio que
para apresentar o verdadeiro Lambchop ao mundo que os descobriu somente
com o elogiadíssimo "Nixon" (2000), Jonathan Marx compilou 16 faixas
que mapeiam 13 anos de história. A viagem musical tem inicio no
primeiro single, "Nine" de 1993, uma deliciosa rock song com guitarras
sujas e tchu tchu tchu nos vocais empolgantes. Segue com a dobradinha "Whitey"/"Cigaretiquette"
de 1996. A primeira, com pedais de efeito distantes na mixagem criando
clima, vocal declamado e clima de boteco. Já a segunda, climática
a lá big band, com guitarra a frente em batida ska numa letra que
não lamenta quando diz: "Estou fumando, estou fumando de novo".
Em "Each With A Bag of Fries", de 1992, a gravação tosca
registrada em seu quarto dá um charme todo especial para a canção.
Se o quesito
é tosquice, "All Over The World"(1987) ganha disparado. O vocal
anasala no microfone e quase encobre os instrumentos. Flautas e clarinetas
brincam numa farra leve e divertida. "Style Monkeys", tosquice da mesma
seção Marc Trovillions bedroom 1987, lembra muito REM. A
crueza das duas gravações encanta. Contudo, viajamos até
1999, "Up With Love", primeiro single de "Nixon", soul/jazz de primeira
numa versão remixada arrepiante. A mais recente canção
da compilação é "Love TKO", registrada ao vivo no
verão londrino de 2000, inspiradora. Um crescendo que só
faz imaginar como eles podem ser bons ao vivo.
O encarte aponta
"Tools In The Dryer" com um álbum de "A-sides, B-sides, live tracks,
and remixes", mas ele funciona mesmo como um álbumd e fotografias,
belas fotografias.
Viramos uma
página do álbum e chegamos a "Is A Woman", o sucessor de
"Nixon" e a resposta do Lambchop para aqueles que encaixavam a banda na
seção "alt-country" da música atual. "Is A Woman"
chuta para longe o termo reducionista, centrando inspiração
em baladas lentas, quase jazz, quase lounge, quase soturnas, traçando
um paralelo com Tom Waits, Leonard Cohen e Tindersticks.
A musicalidade
do álbum é toda amparada em pianos, violões e uma
percussão quase audível. A frente, a voz de Wagner em falsetes
desfilando letras de solidão, abandono e morto. A quietude do álbum
parece querer destacar os temas sombrios que permeiam o mundo estranho
de Kurt.
"The Daily Growl"
abre o disco num quase silêncio até a voz de Kurt declamar
"Thought I felt a chill / Thought an underrated skill / A Hazard to the
emotionally challenged / Fibres from a rope / In the roughness of your
hands you cope". Mais a frente, a letra ainda diz: "Down the street you
go / Rumors of a one man show / How silly we can about the future". Seis
longos e belos minutos de música. "Caterpillar", a música
que mais se destaca em "Is a Woman" são 6m19s de estranhezas e belezas.
"I have shat upon the hillside / neck deep in cushion clover / up where
I'm sure you've braided those necklaces and bracelets," canta/declama Kurt
sobre quase base nenhuma. A letra prossegue: "but you have lost your socks
and panties / out by the caterpillar / that grades the road I walk on /
while I'm dreading English." O clima cresce, contagia.
Contudo, diferente
de "Nixon" e "Tools in The Dryer", "Is a Woman" é um álbum
para ser escutado em silêncio, na solidão, naquela hora em
que os garçons estão subindo as cadeiras sobre as mesas,
fechando o bar e você não sabe se quer voltar para casa ou
procurar outro bar aberto. Um álbum para ser degustado, não
ouvido, no momento certo. Esse é o mundo estranho de Kurt Wagner,
meus amigos. Cuidado ao entrar nele. É difícil, por vezes
dolorido, porém, como disse Jonathan, "é simplesmente o jeito
que ele escreve". E é belo e emocionado.
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