"Velocifero", Ladytron
Por
Eduardo Palandi
Blog
30/10/2008
Uns anos atrás eu era um cara apaixonado. Não sei se pela pouca idade, pelas poucas preocupações ou porque realmente tinha sorte, mas era. Aí vieram algumas mudanças na minha vida... e eu continuo apaixonado, embora isso seja menos perceptível, já que disfarço bem (sem entrelinhas, por favor) a cada vez que algo ou alguém mexe comigo. Musicalmente, as paixões diminuíram, já que segundo a teoria do mestre Álvaro Pereira Júnior o nosso gosto musical aos 23 anos é o que vai perdurar pelo resto da vida; estou com quase 27 e percebo isso, a não ser quando aparece um desses discos aparentemente inofensivos, mas que, não muito no fundo, me deixam apaixonado de novo.
Esse ano deu pra contar nos dedos quantas vezes me apaixonei: três. Uma, pelo primeiro do Last Shadow Puppets, projeto paralelo do cantor do Arctic Monkeys que supera a banda "principal". Alex Turner namora, atualmente, uma apresentadora de TV chamada Alexa Chung, que me arrisco a dizer que é a inglesa mais bonita da história (procure uma foto dela no Google e concorde comigo), então não é de se estranhar que faça um disco tão apaixonante, sem medo de esbarrar no brega - como alguém aí pode dizer, pelas orquestrações de "The Age of the Understatement".
A segunda paixão foi daquelas que te marcaram lá atrás e que,
a cada vez que você a revê, corre um frio pela espinha e outro
pela barriga: o retorno do Portishead. "Third", sobre o qual
escrevi aqui,
é uma evolução espontânea de uma banda que derramou corações
partidos por sua carreira. Em um relacionamento, essa evolução
espontânea costuma se chamar "casamento", mas na música pop
ela é a constatação de que a qualquer tempo o Portishead é uma
banda especial - ouça os discos da década passada e constate
que nenhum deles ficou datado.
E a terceira paixão é o motivo desse texto: ela me arrebatou
pelo conjunto, pelos altos e pelos baixos, e me arrisco a dizer,
faltando dois meses para o ano acabar, que é o melhor disco
de 2008. Lançado em junho, "Velocifero", do Ladytron, é espetacular.
Tão bom que, mesmo sendo absolutamente contrário a usar camisetas
de bandas, comprei uma do Ladytron na Insound e a tenho usado.
Mas vamos ao álbum: ele começa com "Black Cat", um krautrock de batida seca que desemboca em uma letra em búlgaro, repetida de forma ainda mais seca, como um mantra: "esqueça as desilusões / encontre uma nova estrada para frente a cada dia". Em português, parece coisa de livro de auto-ajuda. Mas em búlgaro, na voz da Mira Aroyo, só pode ser uma ordem. Na seqüência vem "Ghosts", primeira música de trabalho: um pop redondinho e de refrão introspectivo que diz "há um fantasma em mim / que quer pedir desculpas / mas isso não significa que eu queira me desculpar". Para quem já fez "Blue Jeans 2.0", a "Be My Baby" da década, repetir uma canção tão pop e tão bonita parece fácil - e em "Ghosts" a banda conseguiu.
Em "I'm Not Scared", o Ladytron bebe em uma das bandas que mais admiram, o My Bloody Valentine, fazendo algo que, se tivesse os vocais da musa Helen Marnie um pouco mais escondidos, poderia estar no "Loveless". Exatamente o oposto de "Runway", segunda música de trabalho e que lembra o tecnopop da virada da década de 1980 para a de 1990. "Season of Illusions" e "Burning Up", a seguir, se encaixariam perfeitamente no segundo disco do grupo: traz as batidas eletrônicas que fizeram a fama, o compasso que não dá para dançar nem para ouvir prestando atenção na letra, as camadas de sintetizadores ganhando massa rumo ao final da canção. Embora não tenham sido compostas para serem destaques do disco, não dão vontade de pular para as faixas seguintes, como em vários discos cujo começo é tão forte quanto este. A segunda inclusive merece um remix para isolar o vocal e algumas passagens, aumentando sua duração e apresentando-a às pistas de dança - não tente tocar a original numa festinha, não vai dar certo.
Aliás, este é um dilema do disco: ele é todo bom, mas não tem O hit, como foram "Seventeen" e "Destroy Everything You Touch", nos dois anteriores. Se não tem um, há espaço para outras coisas interessantes, como "Kletva", uma marcha búlgara, e até para um breve ponto fraco: "They Gave You a Heart, They Gave You a Name", apesar do bonito nome, é chatinha: o vocal não casa com a letra e ambos não casam com o arranjo. Se Mira cantasse, ao invés de Helen, talvez ficasse melhor - seu sotaque búlgaro dá um charme às letras mais pesadas, como esta, um convite à fuga e ao isolamento. Mas os belos efeitos de distorção no meio não fazem com que seja uma canção totalmente perdida.
"Predict The Day" é uma espécie de rap sintetizado, e uma grande surpresa. Ajuda bastante o trava-língua que Helen Marnie faz com a letra, sobre karmas. "I never thought, I didn't think twice", ela repete, e você realmente acredita que a vida da moça é tão irresponsável assim. Se fosse, ela não se preocuparia tanto com a traição que descreve nas três faixas seguintes: na primeira, a maravilhosa "The Lovers", ela fala "somos os amantes que você não conhece / somos o som do seu nome fora da sala / somos as sirenes na rua". Imagine se "Trash", do Suede, fosse uma música sobre traição - é mais ou menos isso. A mesma situação de traição é contada sob uma outra perspectiva logo depois, em "Deep Blue": Mira Aroyo parece ser a amiga da pessoa traída, tentando protegê-la do mal que o fato pode causar, e os backing vocals de Helen soam como ecos do que aconteceu. Encerrando a trilogia da punhalada, o Ladytron junta os cacos no dia seguinte, na arrasadora "Tomorrow": "eu não te odeio, nem te quero, nem penso em você".
E para encerrar o disco, a música mais bonita do ano, "Versus".
À primeira audição (e à segunda, e à terceira...) ela não faz
feio em um filme do He-Man, por exemplo. Para piorar, a letra
não faz nenhum sentido em português, há um órgãozinho muito
brega, assovios à la Scorpions... mas o dueto de Helen Marnie
e do tecladista Daniel Hunt é qualquer coisa de maravilhoso:
acredite, ele compensa tudo aquilo que faria de "Versus" uma
porcaria. Então chega de palavras para tentar defini-lo cá nesta
resenha: com a melhor música do ano, "Velocifero", o melhor
disco do ano, acaba. Como o Röyksopp não deve lançar nada em
2008, esta deve ser minha última paixão antes do ano que vem.
Mas é caso para namoro e mesmo para casamento.
"Eduardo Palandi, 26, é sueco e não desiste
nunca"
|