Lache e Lucila Cueva
Por
Leonardo Vinhas
Operário
Padrão
23/05/2008
Lache e Lucila Cueva são duas bandas argentinas que, fora os fatos de manterem-se no circuito independente argentino e de terem lançado seus discos de estréia no fim do ano passado, não têm qualquer coisa em comum. Ah, sim, podemos dizer também que ambas começam com L... e ambas são excelentes. Antes de falar a respeito, é bom você saber que indie na Argentina designa mais ou menos o mesmo que por aqui, com tudo o que isso tem de bom (na real, quase nada) e de ruim (todos aqueles vícios e esnobismos que você já está cansado de ver - ou de praticar, caso você seja parte do "meio").
A diferença é que, no país vizinho, o circuito dos bares era mais forte e melhor estruturado financeiramente, constituindo uma camelada obrigatória para qualquer banda que almejasse tocar na Kabul ou demais "rádios rock" (todas mainstream) de lá. Isso, claro, até a crise das gravadoras começar a restringir as apostas em novos artistas devido à "crise" (mp3 e etecéteras); antes do advento dos reality shows musicais, que queimam todas as etapas para gerar tranqueiras prét-a-porter; e da tragédia de Cromañon, que restringiu drasticamente o número de espaços disponíveis para "rockear".
Hoje, o meio "alternativo" na Argentina sobrevive com mais dificuldade, e as bandas de lá que insistem por esse caminho têm que se virar para chamar a atenção no universo internético e, ao mesmo tempo, percorrer o circuito de bares com o sonho de chegar a um lugar como o La Trastienda, uma espécie de Credicard Hall com programação regular (na qual brasileiros como Ed Motta, Hermeto Paschoal e Lenine são constantes), um lugar que geralmente atesta que os músicos estão prontos para largar seus empregos e viver de suas canções.
Isso posto, vamos aos discos: Lache são cinco garotos bobos, que cresceram com muita TV e vídeo e, em vez de se bundearem como emos, capricharam na regurgitda musical de tanta alimentação made in USA. "I See Dead People", "I Wanna Be a Jedi", "Espaiderman" e "Peter Punk" são alguns títulos que mostram onde os guris querem chegar, misturando inglês, espanhol e referências "culturais" com o único intento de divertir.
OK, eles poderiam ter nos poupado de "X.U.X.A. ", uma adaptação pra lá de fuleira de "Ilariê" (aquela mesmo - dona Meneghel também foi muito famosa na Argentina...). Mas é a última faixa, e até lá você já se divertiu bastante com "Desertor", "Elefante" e outros proto-hits de sua estréia, "Como Leche pero Lache". Seu som se apóia em trilhas sonoras de desenho animado (notadamente as cançonetas que o genial maestro Carl Stalling compunha para os desenhos Looney Tunes), pop inglês despretensioso (Vapors, Squeeze, e outras bobagens) e um baita espírito adolescente (o que sempre se traduz numa punkice ou outra). Para usar referências identificáveis: soa como uma cruza de Tenacious D com Réu e Condenado (lembra deles?), só que menos pueril e escatológica, com uma identidade pessoal mais marcada e um forte pendor bubblegum.
Já o Lucila Cueva são três moças sem frescuras ou gracinhas, invocadas a ponto de fazer um hard rock onde o "hard" se sobrepõe ao rock. Mesmo com riffs de guitarra funkeados e alguns discretos toques psicodélicos, a coisa tende para um som - com o perdão da expressão - colhudo, mais intimidante que muito marmanjo fazendo pose de macho conseguiria fazer. Entretanto, não se trata de um trio de marias-homem lavrando barulheira: o som da guitarra é limpo em 99% do tempo, com espaço inclusive para violões, e a cozinha não se limita a um baixo de três notas segurando uma dublê de baterista. A gatinha Laura Volando não tem dó de castigar pratos e caixas, como pode atestar quem já as viu ao vivo. Seu som tem inegável parentesco com os Divididos, roqueiros de estádio responsáveis por "Que Ves" (que foi versionada pelo Tihuana, lembra dessa também?), mas Mariana Pellegrino não força a barra nas inflexões à Ricardo Mollo (a coisa mais irritante dos veteranos em questão), e a dinâmica de power trio sustentada pelas meninas tem luz própria - basta recorrer a hits imediatos e indeléveis como "Naufragio" e "Noches de Sol" para perceber isso logo de cara.
As nove faixas deixam sua estréia homônima enxuta e melhor que suas demos anteriores. Desconte a grungera "No Creo Entender", feita para FMs roqueiras, e aproveite bem o resto. Além da música, o interessante sobre ambas as bandas - e o fator que as trazem aqui agrupadas, apesar das gritantes diferenças - é os meios que elas utilizaram para se distinguir no meio da gigantesca oferta do "meio". Lache abusa dos vídeos, todos de baixo orçamento, mas extremamente bem-feitos, com soluções simples e inesperadas, que compensam até mesmo a atuação canastrona dos músicos. "I See Dead People" é o melhor exemplo: Freddy Kruger, Jason Voorhes, Michael Myers, Drácula e uma Múmia vão disputar uma violenta partida de futebol com a banda, e que termina com o vocalista "interrompendo" a filmagem para festejar com os atores - com direito a roda de bêbados cantando "Hava Nagila" e fazendo dancinhas eróticas. Tolo, sim, mas hilário.
As meninas do Lucila Cueva se valeram da mais antiga forma de divulgação conhecida para músicos: shows, shows e shows, seguidos por um forte boca-a-boca. Mesmo sendo de fora do eixo bonairense (são de Córdoba), conseguem enorme repercussão a cada show, e não por serem belas moças (sem nenhum sex-appeal de palco, é bom dizer). Este ano, subiram pela terceira vez consecutiva ao palco "alternativo" do gigantesco festival Cosquín Rock e deixaram o autor destas linhas sem nada para dizer que não fosse redundante. Um show que te hipnotiza pela pegada crua e direta, mas sem aridez ou niilismo. Lache e Lucila Cueva, duas bandas sem nada em comum, sem maiores inovações e sem maiores pretensões que levantar uma graninha e conseguir boas histórias fazendo o que gostam. Duas bandas muito boas. Abra uma Quilmes e vá atrás desses discos. Faz bem.
Site oficial Lucila Cueva: http://www.lucilacueva.com.ar/
Site oficial Lache: http://www.tomelache.com.ar
MySpace Lache: http://www.myspace.com/lachemania
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