"Myths of the Near Future", do Klaxons
por Marcelo Costa
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15/02/2007

Uns anos atrás, numa noitada de boteco, eu e mais dois amigos chegamos a conclusão que o marketing fazia um bem danado para a música pop. Depois de cada um dos três enumerar histórias antológicas de gente como Beatles, Stones, Sex Pistols e Oasis (se não me engano, o motivo daquela discussão toda), entendemos que a música pop teria ficado chatonilda demais sem um escândalo aqui, uma prisão por drogas acolá, e frases bombásticas e de efeito para dar uma corzinha na história toda.

Esse papo de anos atrás foi a primeira coisa que lembrei quando o Klaxons gritou, do alto de seu semi-anonimato, ainda no ano passado, que a Inglaterra precisava de festa, que a Inglaterra precisava deles. A frase vinha amparada num boca-a-boca danado, que dava conta de que o trio deveria repetir em 2007 o alvoroço causado pelo Arctic Monkeys no mesmo período do ano passado. Singles vazados na web, remixes, músicas registradas em shows/raves pulavam de computador em computador. O marketing parecia a favor do grupo.

"Myths of the Near Future", o primeiro álbum oficial do Klaxons, chegou às lojas timidamente no dia 29 de janeiro, e não repetiu o feito recordista do Arctic Monkeys, mas cravou um belo segundo lugar na parada britânica. Classudo e feito para as pistas, "Myths of the Near Future" não é só o disco que a Inglaterra precisava, mas o mundo todo. Sério. É claro que quando escrevo "o mundo todo", estou ciente que nem todo mundo gosta de dançar ao som de barulho. Ian McCulloch disse certa vez que se assustou quando descobriu que o sucesso dos Smiths representava um certo tipo de público que ele desconhecia: "Eles eram o tipo de rapazes que não gostavam de futebol, viraram vegetarianos, não bebiam. Quando eles estouraram, eu fiquei assustado em ver como existia gente assim no mundo!"

Também não estou optando cegamente pela via contrária. O debute do Klaxons poderia ser o álbum a tirar a molecada dos cantos nas festas, colocando todo mundo para dançar junto em uma pista apertada, em busca dos últimos minutos de vida que valem a pena. Eles próprios criaram o termo que hoje abominam: new rave. Prefiro um que o amigo Lúcio Ribeiro vive repetido: punk psicodélico. O lance é mais ou menos assim: pegue a dance music / indie dance da virada dos anos 80 pros 90, e de uma acelerada nela. Jogue uma colher de ácido com Bowie fase "Let’s Dance" e Blur pré "Parklife" na mistura, e sirva ao som de sirenes e luzes de neon verde-limão (você já entrou no site deles?) numa pista de dança. O resultado é um dos grandes discos de... rock deste começo de 2007. Nada perfeito, nada original, totalmente anos 2000. O que você esperava?

Então você me pergunta: "Ok, mas só numa pista de dança?" Ouça a faixa 9, "Magick", já chegando ao Top 30 na minha Last FM. Vocais fazem a cama no início da canção. A idéia é que você deixe seu corpo flutuando para que a bateria entre massacrando seus pensamentos na seqüência. Ali pelo minuto e meio, um break. E é impossível não se ver pulando e socando o ar na balada dançando a segunda parte da canção. Se é só pista de dança? Klaxons é para se ouvir como se você estivesse ouvindo The Clash, Blur e Oasis. Se for em uma pista, melhor. O som tem uma urgência que pede para que você coloque seus demônios para fora, dançando e cantando. E isso, meu amigo, é o que o rock faz desde que Elvis chacoalhou sua Pelvis na televisão norte-americana 50 e poucos anos atrás. O mundo sempre dançou, e nunca percebeu. Acontece que o Klaxons, agora, quer que você faça isso consciente.

E eles imprimem esse ideal desde a música de abertura, "Two Receivers", que chega com a bateria num crescendo hipnótico querendo tirar o ouvinte do safari caustrofóbico do dia-a-dia para colocá-lo em uma praia coberta por ondas de melodias e vocais sobrepostos. Sirenes anunciam "Atlantis To Interzone" acordando todos aqueles que ousaram pensar que o lance era fechar os olhos e viajar. O baixo, ali pelo meio, arrebenta tudo. Esta versão surge mais limpa que a lançada em single no ano passado, mas ainda exala caos enquanto discursa sobre ladrões de mentes e cavalos que não conseguem dançar porque machucaram suas asas. "Golden Skans", novo single, é mais calma que suas predecessoras, e mais pop também. Uma guitarra suja (pra variar) dança por trás de uma bateria quase comportada.

Chapada e acelerada, "Totem On The Timeline" abre com James Ford, o líder da banda, repetindo: "No Clube 18:30 eu encontrei com Júlio Cesar, Lady Diana e Madre Teresa". A calminha "As Above, So Below" coloca o vocal na frente, e com um refrão devastador (que entra por uma porta da melodia e sai por outra deixando um zumbido de barulho para trás) engana aqueles que só ouvem a introdução de uma música. "Isle Of Her" é um mantra barulhento e robótico. "Gravitys Rainbow", uma das primeiras músicas da banda a ficar conhecida, ainda é uma das mais empolgantes. Essa é a tal que convida o ouvinte para viajar ao infinito, com base em um amor futuro sustentado por um baixo hipnótico e matador, um refrão desconcertante e um clima futurista anos 2000, tipo o futuro é o próximo segundo. Aproveite.

"Forgotten Works" é uma dos raros momentos do álbum que o coração do ouvinte consegue acompanhar o batimento da música, embora o refrão queira jogar os dois (ouvinte e música) em uma viagem psicodélica. O começo de "Its Not Over Yet" faz lembrar algo do Rapture, mas não dá nem tempo de processar a informação: o refrão joga tudo na parede, e quando devolve o freguês ao álbum, ele já está diante de "Four Horsemen Of 2012", o fim do mundo segundo o Klaxons. Tudo no último volume, misturado, mixado, mas com um resquício de algo que um dia chamaram de melodia. O mundo está queimando, e este final acachapante dura pouco mais de dois minutos, mas a canção tem 19 minutos. Após 15 minutos de silêncio, uma coda ensurdecedora avisa que o CD chegou ao fim.

"Myths of the Near Future" é o mais próximo que uma banda de rock chegou da música eletrônica. O mais próximo que o punk já chegou do psicodélico. É o registro sonoro do mundo tal qual o conhecemos acabando em forma de rave, com todos dançando e dançando e dançando enquanto o sol derrete geleiras, e os oceanos adentram as cidades costeiras em direção ao infinito. Na verdade, o mundo precisa de muito mais coisas do que festa, do que do Klaxons. Porém, o que eles oferecem é algo bastante tentador: diversão para os últimos dias. Basta aumentar o volume, apertar o play, e fechar os olhos. Mágica?