Kátia Dotto
por
Leonardo Vinhas
leonardo.vinhas@bol.com.br
02/06/2003
São grandes as chances de,
em breve, alguém surgir com uma história de "cena rock feminina"
no Rio de Janeiro, para a qual descolarão um nomezinho bem sacado.
O surgimento de nomes como Leela, Mariana
Davies, mim e Bia Grabois, favorece a idéia, mas talvez a imprensa
carioca seja menos dada ao oba-oba e à "anglofilização"
que tanto afligem coleguinhas paulistas ou gaúchos. Mas se vier
a idéia, não se esqueça: as moças têm
todas elas trabalhos diferenciados cujos únicos pontos em comum
são a qualidade e o fato de serem mulheres (o que, estranhamente,
ainda chama atenção). Nesse aspecto, podemos incluir a elas
o nome Kátia Dotto.
Kátia, 23 anos, tocou contrabaixo
na formação original do Leela, colaborou no mim de Eva Leisz
e posteriormente se juntou ao Penélope,
banda que abandonou para se dedicar ao seu disco solo. "Do Lado de Dentro",
lançado recentemente de forma independente, é um conciso
trabalho de pop pesado, que em sete faixas condensa letras simples e melodias
memoráveis (mas longe do bubblegum grudento) alicerçadas
em muito peso. Produzido por Bernardo Fonseca (baixista do Engenheiros
do Hawaii) e Renatinho Ribeiro, o álbum conta com os produtores
segurando respectivamente baixo e guitarra, ao lado do baterista Raphael
Miranda, do Brasov. Patrick Laplan, ex-Los
Hermanos e atual Rodox, arranja e toca baixo na chacoalhante "Eu Quero
(Não Espero)", e a banda que acompanha a cantora nos shows inclui,
além de Raphael, os guitarristas Walter Villaça (que já
tocou com Cássia Eller e Nando
Reis) e Fernando Clark e a baixista Érika Nande (também
ex-Penélope).
Tantos "ex" poderiam dar uma idéia
de armação ou busca de credibilidade, certo? Mas Kátia
segue tocando e compondo desde a adolescência, e todo esse pessoal,
tão jovem quanto ela, é amigo de longa data. Em boa companhia
e cheia de boas idéias, a moça resolveu despontar seu talento
em composições muito legais, que podem ter "aquele" pique
punk pop (a deliciosa "Me Faz Esquecer", tudo que a Avril Lavigne faria
se não fosse tão pré-fabricada), exalar candura ("Me
Deixe Tentar") ou até incluir uma agradável porção
farofa (as guitarras hard rock da pesada e lenta "Somente Só"),
além do já citado suingue-britadeira de "Eu Quero".
Não será fácil
para Kátia Dotto escapar das perguntas óbvias sobre "ser
mulher no rock", tampouco para chegar ao merecido reconhecimento comercial.
Acredite, ela não está preocupada, como demonstrou com muita
simpatia e atenção nessa entrevista concedida ao Scream&Yell.
Ela sabe o quer para seu som e sua carreira, é meiga o suficiente
para não deixar a voluntariedade soar como arrogância e demonstra
conhecimento das mazelas do showbiz. Estamos diante de uma grande artista
ou o quê? Leia, ouça e tire suas conclusões.
Katia, como você define a música
de "Do Lado de Dentro"?
Muito pessoal, é a primeira
definição que me vem à cabeça, até por
isso o nome do disco. Representa uma determinada fase da minha vida, emocionalmente
falando. O som é pesado e ao mesmo tempo terno, delicado, apesar
dos timbres, as linhas melódicas e harmônicas do disco não
são agressivas, tampouco as letras.
O disco também é
bem enxuto: sete faixas. Como conseguiu resistir à tentação
de preencher os 70 minutos do CD? (risos)
Na verdade, não tem mais musica
por falta de tempo. Compus essas 7 musicas 2 semanas antes de começarem
as gravações, e até tínhamos umas outras 3,
mas não deu tempo de ficarem totalmente fechadas. Também
acho que um CD de estreia tem que ter poucas musicas, foi bom só
termos fechado 7.
Embora você toque guitarra,
baixo e bateria, no disco você apenas canta. Por que preferiu assim?
Eu estava voltando a compor e cantar,
então aproveitei as ótimas companhias pra me concentrar nisso.
Aliás, falando de seus parceiros:
o disco é quase um "quem é quem" do rock carioca. (risos)
Como você conseguiu a participação de tantas pessoas
em um álbum de estréia?
Eu moro no Rio desde que eu nasci,
toco desde os 15 anos de idade e são todos meus amigos.
Também chama a atenção
o peso das guitarras. As influências que você cita em seu site
não são tão pesadas, o que a motivou a aumentar o
volume?
Eu já curti sons bem mais pesados
do que eu escuto hoje em dia. Não foi nada planejado, fomos fazendo,
e na hora foi assim que ficou, foi assim que achamos legal.
Você tocou no Leela e no
Penélope. Por que você saiu dessas bandas? O que você
aproveitou desse período com elas?
Ganhei muita experiência de
vida e profissional tanto com o pessoal do Leela quanto com o Penélope.
Resolvi mergulhar de cabeça no meu som, e me dedicar 100%. Eu também
toquei com a Eva Leiz no mim, guitarra no começo e depois mudei
pro baixo, ate dezembro no ano passado.
Você acha que seu som é,
de alguma forma, influenciado por essas bandas?
O que influencia a gente é
tudo que existe em nossa volta, seja como exemplo bom ou ruim. Musicalmente
falando, é difícil falar do Leela, porque eu estive lá
desde o começo, mas do Penélope já fica mais fácil
porque eu já ouvia muito, como fã, e é claro que me
motivou a começar a escrever, a fazer shows.
Ambas as bandas tinham duas frontwomen
de forte presença. Você se sentia ofuscada de alguma forma
por elas?
Não é esse o motivo
pelo qual eu faço música, mas para responder sua pergunta,
nunca tive esse tipo de problema, já fui frontwoman e já
fui instrumentista, são duas experiências completamente diferentes.
Já que você citou
o assunto, você realmente parece se interessar só pela música,
sem deixar vaidades e miudezas adquirirem importância. Te incomoda
a atitude às vezes mesquinha dos "rockstars" nacionais, independentes
ou não?
Não é que eu não
tenha uma preocupação com estética, só não
acho que as pessoas devem somente desenvolver esse lado. A musica em si
é muito mais importante, é lógico que boa aparência
conta, na verdade, carisma conta muito mais que a beleza em si, e isso
é uma coisa que nasce com a gente, você pode ate desenvolver
no futuro, mas se você não tem, não será a mesma
coisa.
O álbum é totalmente
independente, sem ligação sequer com selos ou patrocinadores.
Como você conseguiu realizá-lo com uma produção
tão boa?
Tudo que é preciso é
bom gosto. Com bom gosto, pode se fazer de tudo.
Suas letras são todas ligadas
a relacionamentos. São autobiográficas?
Não são todas, não,
mas as que são, sim, são autobiográficas.
Há muitas mulheres no rock
carioca, fazendo um excelente trabalho: Bia Grabois, Mariana Davies, Bianca
Jhordão... você acha que existe uma "cena" feminina de rock
no Rio?
Para te falar a verdade eu não
gosto muito desse negocio de "cena". Acredito em trabalhos competentes,
sejam eles feitos por quem for. E a presença da mulher no rock já
vem de muito tempo, já era hora da gente parar com isso e encarar
como uma coisa normal. (sorriso)
Há alguma semelhança
no trabalho dessas garotas?
Não vejo nenhuma, não...
Há alguém cujo trabalho
em música você considere, de alguma forma, próximo
ao seu? Alguém que te dá a sensação de "estamos
falando a mesma linguagem"?
Humm...acho que tem uma galera fazendo
um rock bem legal, como o trabalho da Lan Lan e do Umanoi aqui do Rio.
Cada um tem suas características, mas acho que temos um ponto em
comum.
Quando você começa
a excursionar?
Por enquanto devo me manter no eixo
RJ-SP, tirando alguns festivais que quero fazer.
Pode adiantar se algum desses festivais
está confirmado?
Segredo... (risos)
O que você espera conseguir
com "Do Lado de Dentro"?
Conseguir fazer shows interessantes,
e deixar o pessoal curioso para o que vem por ai... E eu também.
http://www.katiadotto.com.br
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