Entrevista - Jorge Quase
por
André Azenha
Foto: Divulgação
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27/04/2006
Se para as bandas já é difícil conseguir um lugar ao sol no cenário
musical, imagina para um cara que praticamente faz tudo sozinho,
das músicas à capa do CD. Difícil, não? Porém, todas as dificuldades
parecem não desanimar o músico Jorge Quase que - apesar de ao vivo
contar com uma banda completa - é "o cara" responsável pelo divertido
álbum Simancol, lançado no ano passado, de maneira independente,
sem selo, e que possui uma mistura de rock, marchinhas, samba e
música brega que dá caldo.
A idéia de partir para um trabalho individual surgiu após algumas
experiências coletivas que não deram certo. "O projeto solo veio
depois de quebrar a cara em várias bandas", comenta em entrevista
ao S&Y. Influenciado por um primo, fã de Jimi Hendrix, dos primeiros
acordes para as composições foi um pulo. E após o lançamento de
uma demo, com muita ralação ele conseguiu colocar na praça o disco
Simancol, cujo nome é uma brincadeira com as marcas e remédios.
"Banquei todos os custos e estou fazendo a divulgação pessoalmente.
Não tenho gravadora, selo e nem empresário", diz.
Com dez faixas de acento pop que passeiam por estilos completamente
diferentes, o trabalho poderia soar confuso e esquizofrênico, mas
essa variedade parece não incomodar o músico. "Esse é o meu maior
dilema: Quem é meu público? Não sei. Acho que as pessoas que gostam
de música sem ser xiitas. Aquele que só gosta de metal, ou só gosta
de reggae, ou só de samba, certamente não vai curtir. Mas acho que
tem muita gente por aí que aceita um som mais eclético", analisa
o músico. "Eu quero que esse modo de pensar agrade as pessoas, mas
se não agradar, paciência", afirma sem medo.
Entre os destaques da obra, estão as músicas Mariela e Gordinho
Peludo. A primeira relata uma experiência amorosa do músico
e a segunda fala de um amigo. "A maioria (das músicas) tem a ver
comigo ou com algum amigo. São histórias que ouço ou vivo. Ou ainda
tem as que percebo no contato com as pessoas à minha volta", conta.
Ciente das dificuldades que um artista solo iniciante enfrenta no
mundo musical (ainda mais quando o artista também é professor -
de português - como ele), Jorge procura alternativas para levar
suas canções ao público e diz que o cenário independente está cheio
de brodagem, que ao invés de ajudar, dificulta o aparecimento de
novos nomes. "Acho que tem espaço pra todo mundo, mas há uma certa
dificuldade em fazer parte desses cenários. Posso dizer mais dos
independentes: é uma grande panela, a brodagem rola solta. Quem
tem um trabalho sério, mas não tem conhecidos, sofre bastante até
conseguir as primeiras migalhas. Por causa disso tenho procurado
espaço longe dos grandes centros também e fora do circuito já tradicional",
analisa.
Em um longo e agradável papo com o S&Y, Jorge ainda falou sobre
onde foi buscar os músicos que o acompanham ao vivo, como faz para
conciliar as aulas com a carreira musical, dos covers que tem que
tocar para fazer apresentações em baladas, bandas que o influenciaram,
projetos para 2006 e outros assuntos. A seguir, confira o bate papo.
Como surgiram a idéia e montar um projeto solo e o interesse
pela música?
O projeto solo veio depois de quebrar a cara em várias bandas. Não
encontrava muita gente que estivesse a fim de fazer o que eu queria,
por isso resolvi fazer tudo sozinho. E isso implicou um monte de
mudanças, mas eu acabei me adaptando. Gosto de música desde bem
pequeno. Eu tenho um primo, que é uns cinco anos mais velho que
eu, que gostava muito de Jimi Hendrix. E acabei me influenciando
por ele. A partir da guitarra, tudo rolou, estudei por muitos anos,
até que comecei a compor e não parei mais.
E em que ano você começou esse trabalho solo?
Foi mais ou menos entre 2002 e 2003. Foi assim: em 2003 lancei o
primeiro disco, a demo rosa, com as músicas mais bacanas que tinha
feito nos anos anteriores, de 1998 a 2002. As que vieram depois
disso, acabaram entrando no Simancol. O projeto solo, de
fato, surgiu mesmo quando lancei a primeira demo.
E para juntar os músicos que tocam com você?
Os músicos eu consegui falando com amigos. No primeiro disco, foi
um amigo que tocou baixo e trouxe o batera. Nesse, já estava tocando
com um pessoal, por isso foi mais fácil. Mesmo assim, foram dois
baixistas e tive que contratar quem tocasse trompete, trombone,
essas coisas.
Seu som passeia por vários estilos e lembra algumas bandas. Quais
são as influências?
Gosto muito de Cake, Pato Fu, Língua de Trapo, Frank Zappa, The
Cure e gosto de música brega. Cafe Tacuba é bem bacana também. Esses
sons me influenciaram em algumas canções, mas não sei até que ponto
dá pra ver isso claramente, porque está tudo diluído na minha cabeça.
Quando componho, não fico pensando em influências, e tenho dificuldade
em vê-las no meu trabalho.
As músicas têm um grande potencial melódico. A intenção é soar
pop mesmo?
É, eu gosto de melodias. Geralmente é a parte que mais demora, mas
nunca pensei em ser ou não "pop". Quando eu toco samba, por exemplo,
eu quero soar como do samba. Quando eu toco marchinha, a mesma coisa.
Se isso for pop, eu sou de corpo e alma.
Você não tem medo do trabalho soar confuso para os fãs apenas
de rock ou para quem curte só samba?
Esse é o meu maior dilema: Quem é meu público? Não sei, acho que
as pessoas que gostam de música sem ser xiitas. Aquele que só gosta
de metal, ou só gosta de reggae, ou só de samba, certamente não
vai curtir. Mas acho que tem muita gente por aí que aceita um som
mais eclético. O que define meu som é a minha vontade no momento
e o desafio de tentar sempre algo novo. Eu quero que esse modo de
pensar agrade as pessoas, mas se não agradar, paciência.
O CD foi feito completamente de forma independente? E quando
foi lançado?
Foi. Eu banquei todos os custos e estou fazendo a divulgação pessoalmente.
Não tenho gravadora, selo, nem empresário. Sou eu que faço tudo.
Oficialmente o álbum foi lançado em 15/12/05.
Você pretende seguir um caminho independente ou se pintar uma
gravadora grande você topa?
Acho que ser independente é legal por ter liberdade de fazer o que
quiser. Mas é muito duro. E quase não dá grana. Pelo menos nesse
começo ainda não deu. Se pintasse uma gravadora que aceitasse os
meus projetos, sem fazer restrições, eu topava.
No momento você tem outro serviço além da música...
Tenho. Sou professor de português.
E isso ajuda de alguma maneira na sua obra?
Já ajudou mais. Quando eu fazia faculdade de Letras, tive contato
com muita poesia. Isso me ajudou demais a pensar o texto das canções.
Mas também, por causa do contato com aqueles que são "cabeça", me
ajudou a decidir pelo outro lado; ou seja, a não ser e não pretender
ser "cabeça". Acho esses intelectualóides todos muito chatos.
Vamos falar das músicas. Elas são autobiográficas ou não? Como
pinta a inspiração?
Sempre penso em coisas concretas. A maioria tem a ver comigo ou
com algum amigo. São histórias que ouço ou vivo. Ou ainda temas
que percebo no contato com as pessoas à minha volta.
Quem é a Mariela (da canção Mariela)?
(risos) Essa é foda...
Pode contar...
Foi uma mina que eu ficava há uns cinco anos. E a letra é bem o
que rolou. A gente ficou algum tempo e na hora de acontecer o óbvio
ela virou pra mim e disse que era virgem. Por causa desse episódio,
nasceu a música. Mas me deixa explicar uma coisa. A música pode
parecer machista, mas não é...
Mas o público masculino vai adorar...
É apenas a minha maneira de encarar o sexo. Acho que esperar o casamento
é ridículo. Isso pros homens também... Fiz a Mariela, porque
aconteceu comigo, mas podia ser um "Marielo" se fosse com uma garota.
A música é mais no sentido do Carpe Diem mesmo. Para aproveitar
enquanto dá, enquanto é mais gostoso. O público masculino gostou e ainda não recebi reclamações femininas. Se bem que a Mariela
não escutou...
E o gordinho peludo (da impagável Gordinho Peludo)? É
alguém em especial? Existem muitos personagens no seu trabalho...
Eu gosto de usar dois elementos nas letras: personagens e marcas.
No outro CD tinha a Caninha Tomba-Trem. Nesse tem o Simancol.
E os personagens são essas pessoas que estão por aí perto de mim.
O gordinho é um amigo próximo. Quis fazer uma homenagem pra ele
e saquei que ia ser muito engraçado usá-lo. Tem um lance gay também.
Acho que é um pouco um grito contra certos preconceitos.
Ele não achou ruim entrar na música?
Não que ele ou eu sejamos gays (risos), mas achei que podia ter
a ver. Algo meio dos excluídos. Ele gostou quando soube da
música e a gente sempre fica sacaneando um com o outro com esse
tipo de zoeira.
Qual a origem do nome do disco?
Como eu disse, gosto de usar marcas. Achei que o mote do remédio
seria bacana. Abriu muitas possibilidades pro design do encarte
do CD e do site; bula, pílulas, tarja preta. Achei interessante,
já que tinha uma música assim.
Você que bolou a capa também?
Foi. As idéias principais foram minhas, mas teve um amigo que as
concretizou, e deu seu toque, aliás importantíssimo, no encarte.
Quanto ao site, esse amigo, o Marcello Jr., o criou utilizando as
idéias do encarte. E agora, eu bolo as atualizações e ele realiza,
mas não há muito a fazer, só atualizar mesmo com as novidades.
Como é possível encontrar tempo pra dar aulas e tocar o projeto?
É uma correria. Tanto que se apresentar tem sido raro. Desde dezembro
ainda não toquei de novo. Mas espero encontrar um jeito de conciliar
as duas coisas sem deixar uma pela metade. A parte mais prejudicada
por enquanto tem sido a da criação. Quase não tenho feito músicas
novas.
Os músicos do CD são os mesmos que ainda tocam com você?
O batera e o guitarrista sim. O baixista acabou de deixar a banda.
Ele também é professor e esse semestre está com aulas demais. Mas
já consegui outro. Começamos a ensaiar nessa semana. Vai ter show
no começo de abril, no dia primeiro.
Você considera seu trabalho conceitual? O que me pareceu é que
há a intenção de passear por vários estilos e ainda assim ter uma
cara própria, no sentido pop...
É isso mesmo. Apesar de ter vários sons bem diferentes, como hardcore
e samba, acho que consegui passar no CD uma personalidade. A vontade
era ter, sim, uma cara, mas não sabia se ia conseguir no início
do projeto. Foi um tiro no escuro e devo ter acertado em algo. Se
vai ser bom ou não, só esperando pra ver.
E quais os planos para 2006?
Esse ano é crucial. Precisa acontecer alguma coisa concreta com
a divulgação. Tenho escutado algumas críticas e têm saído notas
em sites e jornais. O grande objetivo é divulgar meu trabalho e
tocar mais. Espero, daqui até o fim do ano, tocar no mínimo uma
vez por mês. E esse lance de tocar é complicado também. Não quero
muito fazer balada, mas é o que tem aparecido por enquanto.
Nas baladas você toca covers? De quem?
Tem que tocar. Faço uma salada também, mas nem sempre próxima do
trabalho próprio. Rola Raul, Claudio Zoli, Marina, The Cure, Capital...
Sigo uma linha pop rock, mas dou umas fugidas pro Secos e Molhados,
Wander Wildner, Eduardo Duzek... I Will Survive, coisas assim.
E como você enxerga o cenário musical brasileiro atual? Principalmente
o independente.
Acho que tem espaço pra todo mundo, mas há uma certa dificuldade
em fazer parte desses cenários. Posso dizer mais dos independentes:
é uma grande panela, a brodagem rola solta. Quem tem um trabalho
sério, mas não tem conhecidos, sofre bastante até conseguir as primeiras
migalhas. Por causa disso tenho procurado espaço longe dos grandes
centros também e fora do circuito já tradicional.
Para encerrar, qual foi a tiragem desse CD e o quanto você já
vendeu... E mais alguma coisa que queira falar...
Fiz 500 e vendi uns 30. Enviei pra divulgação uns 20, mas fiz só
um show, o de lançamento. Vendi tão poucos também porque deu um
problema com a fábrica que fez a prensagem. Saiu uma palavra errada
no encarte e eles ainda não me entregaram a segunda remessa. Por
isso nem estou correndo atrás disso direito. Pro começo de abril
devo ter todos disponíveis... aí é que deve começar de verdade.
"Simancol"
- Jorge Quase
por
André Azenha
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27/04/2006
Ah, o bom pop com melodias grudentas. Sempre é bom. No meio de tantos
artistas pretensiosos e malas, é sempre bom quando aparecem caras
capazes de criarem músicas com refrões que ficam na cabeça e deixam
uma sensação de alegria, felicidade. O álbum Simancol, do
músico Jorge Quase, é uma dessas obras com canções assim. Multi-instrumentista,
Jorge passeia por inúmeros estilos musicais, e por mais que a mistura
de samba, rock, marchinhas e brega possa soar confusa, acaba sendo
uma confusão saudável e gostosa.
A primeira das dez faixas é uma vinheta que prepara para a deliciosa
Festa, de letra simples, ótima para animar bailes e com forte
acento sessentista. ("Vai ter uma festa/ Que eu vou dançar/ Até
o sapato pedir pra parar/ Aí eu paro/ Tiro o sapato/ E danço o resto
da vida", diz a letra). A voz do rapaz no primeiro soa estranha,
mas depois nos lembramos de Neil Young e Nando Reis e tudo fica
nos conformes. A terceira é Mariela, canção rock grudenta
que fala sobre valores ultrapassados, como a necessidade do casamento
para perder a virgindade. Ótima para o público masculino ("Mariela/
Você tem que aproveitar/ Enquanto ainda está/ No auge da sua beleza",
diz sabiamente), a história é real e aconteceu mesmo.
Na seqüência, a mistura de estilos e ritmos segue numa ótima salada
musical e melódica: Simancol é uma marchinha deliciosa ("Se
seus amigos têm te evitado/ Não respondem seus recados, não ligam
pra você/ Tome Simancol, Tome Simancol") e a versão acústica ao
vivo de Deprê destaca uma letra direta e bacana ("Vou me
entupir de chocolate/ Vou me embebedar com leite parmalat/ Tomar
dois litros de sorvete com caramelo/ Pra ver se eu esqueço você/
Ficar na frente da tv o dia inteiro/ Pra ver se eu esqueço você").
Também merecem atenção as ótimas Gordinho Peludo,
feita para um amigo, Sambinha, e o encerramento ao vivo com
João Saiu para Comprar Cigarros e Nunca Mais Voltou. Em alguns
momentos, o instrumental lembra bastante a MPB, em outros é rock
puro, mas é nos momentos bregas que está o melhor do álbum.
A produção é bacana e os músicos são competentes. O único porém
é a falta das letras no encarte (que estão no site do músico www.ohabitat.com/jorgequase),
mas é algo compreensivo para alguém que custeou tudo sozinho. A
capinha, lembrando uma embalagem de remédio (tal qual fez o Spiritualized
certa vez) com a tarja preta é uma idéia muito boa e fica a dica
para o som desse rapaz persistente e que mostra talento para fazer
a alegria do público, acostumado com artistas "ambiciosos" que mais
enchem o saco do que outra coisa. Quem puder e quiser um pouco de
diversão, corra atrás de uma das poucas mais de quatrocentas cópias
que restam desse Simancol. Se mancou?
Site
Oficial de Jorge Quase - Download do álbum "Simancol"
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