Entrevista - Anderson Raposo, do Jason
Por Jorge Wagner
Foto: Arquivo Pessoal
Blog
30/05/2006
Tarde de domingo, mês de maio, dia das mães. Ele, bermuda jeans,
camiseta preta com estampa da Horror Business Records e chinelo
de dedo, encosta a bicicleta ("É emprestada. Daqui a
pouco tenho que ir lá devolver pro cara!") e se esparrama
pelo conhecido banco de madeira. Naquele banco, naquela tarde,
ele é só mais um calmo funcionário público em dia de folga,
apenas um cidadão (gordinho) qualquer. E essa é sua praça, sua
casa, sua área, sua cidade: a pacata e tediosa cidade de Paracambi,
interior do Rio de Janeiro, onde ele, Anderson Raposo, 24 anos,
nasceu e foi criado.
Anderson começou na música aos 16 anos, substituindo o vocalista
de uma banda de amigos ("Molecagem, tempos de colégio.
Saia da escola e ia pro fliper com os caras. Um dia chegaram
para mim, falaram que a 288 estava sem vocalista e perguntaram
se eu queria entrar. Topei!") e em 2002, aos 20, montou
sua própria banda, a Razzia, que terminou em maio passado, tendo
rendido pouco mais que alguns shows em um CD demo com três músicas.
Ainda em novembro do ano passado, Anderson assumiu o posto de vocalista do Jason, conhecida e experiente banda carioca de hardcore, já com vários álbuns (Odeia Eu de 1999 - Eu Sou Quase Fã de Mim Mesmo de 2000 - Eu, Tu, Denis de 2002, todos pelo selo Tamborete Brasil) e participações em splits e coletâneas lançadas em diversos países do mundo. Em pouco tempo, Anderson viu sua rotina de funcionário público, estudante universitário e músico-de-final-de-semana mudar, dando lugar à shows freqüentes, não só no Brasil, considerando as quase 35 apresentações da mini-turnê na Europa, que começou em 17 de março em Berlim, na Alemanha, passou pela França, pela Áustria e pela Eslovênia e voltou novamente para a Alemanha, chegando ao fim no último 1º de maio, com um show na cidade de Lübeck. Tudo uma grande novidade para o gordinho do interior, que saia do Brasil pela primeira vez...
Em maio do ano passado, a Razzia encerrou as atividades. O que aconteceu nesse intervalo entre o fim da sua banda e sua entrada no Jason?
Foi muita doideira! Só estávamos na banda eu e o Mayck, o guitarrista.
(A banda) Estava bem descaracterizada. Parecia mais um "Silver-Razzia",
porque o Marcos e o Régis (respectivamente guitarrista e baixista
da Silvertape, banda de nu metal natural da mesma cidade de
Anderson) eram quem tocavam bateria e baixo com a gente. Mas
nem sempre podiam, então deu no saco, e eu e o Mayck decidimos
terminar. Pensei em parar de vez, pensei em fazer uma coisa
acústica, descambar para um outro lado e fiz um barulho também
com uns amigos numa banda chamada KOM-21. Fiquei meio "nem
lá, nem cá", até que o Marcos, da Silvertape, me ligou
e disse "Aí, o Jason tá sem vocalista! Faz um teste!".
Corri atrás e fiz. A Razzia tinha acabado em maio, mas a gente
fez um último show em julho, e em outubro começou o lance pro
teste. Eles estavam com um cara que quebrava um galho, que era
o Caio, só que queriam alguém fixo, porquê tinham o disco pra
gravar, tinha muito show, e acabou rolando. Foi rápido! Nem
deu muito tempo de chorar as pitangas do Razzia!
E o primeiro contato com o Panço, como foi?
Eu perguntei pelo teste, como rolaria pra fazer, essas coisas.
Ele queria ouvir um som, algo que eu tivesse gravado, só que
eu não quis mostrar a demo do Razzia, porque era mal tocado,
mal gravado, primeira vez em estúdio, e podia queimar o filme,
né? Aí eu falei "Tenho, mas não tá legal! É mais jogo
você marcar um teste e ver qual é a minha". Ele me
mandou algumas músicas, deu uns sites pra eu pegar algumas outras,
e isso que atrasou um pouco o teste, porque tinha muito pouca
música e precisava de mais. Nem cheguei a dizer onde morava.
E como foi o teste? Outras pessoas chegaram a fazer?
Eles iam testar outros caras, mas me parece que nem chegou a
rolar. No dia do teste, passamos onze músicas, aí quando acabou
eles ficaram mais uns 40 minutos tocando um monte de riffs.
Quando acabaram, o Panço virou pra mim e disse: 'Isso que
você acabou de ouvir é o disco novo, que tem que fazer melodia
de voz. Daqui algumas semanas tem três shows pra gente fazer...
tem a Europa...", aí eu me assustei, né? "Ué,
eu tô na banda?!". Disseram que iriam ver, e que restava
saber se eu queria. É claro que eu queria! Fizemos um show em
Rezende, um em São José dos Campos e outro em Campinas, e foi
doideira porque era a primeira vez que eu fazia três shows seguidos.
Geralmente aqui a gente faz um por mês e olhe lá, e dessa vez
foram três em um fim de semana.
Já é a segunda vez que você faz referência ao fato de morar longe dos outros caras da banda. Isso chegou a representar alguma dificuldade para que você fosse aceito?
Na segunda vez que nós nos falamos, pelo MSN, o Panço perguntou o que eu fazia, se estudava, onde eu morava... aí eu falei que morava aqui no c..., aqui em Paracambi! (risos). Mesmo depois desses shows, eu ainda não tinha sido incorporado à banda. Estava ainda naquela fase de experiência que demorou ainda mais um mês ou dois. Os caras estavam meio inseguros, mas tudo fluiu bem. Eles viram que eu não estava de brincadeira, e aí firmou.
E para acabar com essa insegurança deles você contou com a ajuda do Junior, baixista dos Cabeçudos, com quem você chegou a ensaiar há uns anos atrás, certo?
Isso! Quando a Razzia ainda estava começando, o Helinho tinha saído dos Cabeçudos. Mais uma vez o Marcos me avisou disso, e eu cheguei a ensaiar com eles por duas vezes, e foi até legal. Só que os caras estavam bolados porque eu era muito mais novo que eles, e também por morar longe... e também logo depois o Helinho voltou pra banda e ficou por isso mesmo. Era só briga de amor (risos)! Mas foi legal porque hoje em dia o Junior é meu amigo, muito gente fina. Ele e o Zé, que nem está mais na banda, conversaram com o Panço, falaram bem de mim, etc. O Junior também me ajudou na época da Razzia, dando um alô no João Rodrigo, da Radio Cidade, e a gente acabou tocando na Vez do Brasil uma vez.
Cerca de 40 shows, mini-turnê na Europa e um disco para ser gravado em breve. Em tão pouco tempo você está conseguindo coisas que em quatro anos de Razzia pareceram tão distantes...
Quando paro para pensar, eu fiz em 47 dias o que eu não fiz em 4 anos! Em menos de um ano, estou fazendo mais do que fiz na carreira toda. É loucura, mas eu não troco isso por nada! Eu acho muito foda, e tenho mais é que ralar pra me enquadrar no padrão dos caras, pra poder corresponder e só subir o nível.
Uma das primeiras coisas que o Panço falou com você foi sobre
a viagem pra Europa. Quando finalmente chegou o dia, o que você
sentiu? Conte um pouco sobre a trajetória de vocês por lá.
Eu sei que é clichê, mas sabe a história do "filminho na
cabeça"? Desde o começo, as portas fechadas, de tantos
problemas, coisas que não deram certo, e isso acontecendo tão
rápido! Eu estava inseguro, ir pra outro lugar, com medo de
fazer feio, de perder a voz... medo de ficar muito cansado,
não agüentar o tranco, mas deu tudo certo! A gente chegou em
Berlim, tocamos por lá, depois em Leipzig, em Wiemar e em Chemnitz.
De lá fomos pra Austria e tocamos em Viena e em Graz. Depois
fomos pra Eslovênia, fizemos quatro shows por lá junto com o
pessoal do Left The Crowd, depois dois shows na França e então
voltamos pra Alemanha, onde ficamos até o final da turnê.
Além do Left The Crowd, quais foram as outras bandas com quem vocês tocaram por lá?
A primeira com quem nos juntamos, na Eslovênia, foi o Left The
Crowd, que é ligado a essa galera aí do emo, e é muito legal,
um pessoal super gente fina. Fomos pra França, e começamos a
tocar com o pessoal do 54-Suicides, que é mais pro lado de Killswitch
Engage, In Flames, etc. A gente ficou uns dois dias na casa
do vocalista, deu um rolé com eles, comemos churrasco e tal.
Depois, quando voltamos pra Alemanha, começamos a tocar com
o pessoal do May The Force Be With You, que é a banda em que
o Dave, dono da Horror Business Record, gravadora por onde saiu
o disco novo do Jason, que é até um split com essa banda dele
mesmo, e que fomos pra promover, com 11 shows seguidos e mais
um antes da turnê acabar. Fizemos também uns 3 ou 4 com o Six
Balls One, que foram os mais rock, os mais doideiras, antes
de tocar novamente com o pessoal do Left The Crowd, que aliás
vem para o Brasil em setembro fazer uma turnê com a gente, nos
lugares mais óbvios, tipo Rio, São Paulo, talvez BH, mais como
férias pra eles mesmo. Os caras do Left todos tem namorada,
e quando a gente disse que aqui tinha muito lugar maneiro, mulherada,
cerveja, o baixista me perguntou como se dizia em português
"desculpe, mas eu tenho um relacionamento sério".
Olhei pra ele de cima em baixo e ensinei: "Tô facinho!"
(risos)
Rolou alguma história engraçada durante a turnê?
Teve um show no Yellowstone em que subiu uma mina no palco, gatinha até, e começou a dançar, rebolar no palco, e veio pro meu lado rebolando! Aí começou aquela dança estilo Janes Addiction, rala-rala no palco, todo mundo rindo, né? Aí tentei agarrar, só que ela não quis, saiu correndo do palco. Quando fui ver, o namorado dela estava lá em baixo tirando foto, amarradão! (risos)
Para um cara que sai de uma cidade brasileira no meio do nada, quais as diferenças que mais te chamaram a atenção durante esse período da turnê?
Muda tudo! O pessoal tem mais respeito, mais consideração pelos músicos, pelas bandas que tocam. Tanto quem assiste, quanto as outras bandas, o pessoal que promove os shows, os donos dos squats, dos bares... eu nunca fui tão bem tratado! Mesmo no lugar mais buraco o som era muito melhor do que em muito lugar que eu já toquei aqui. Fora que nunca curti tanto, nunca bebi tanto quanto lá!
A cerveja da Alemanha é realmente melhor que a daqui? (risos)
Ah, é mais forte no sabor, mas não tem muito álcool não! A gente bebia, bebia e não ficava doido! (risos)
E nas horas vagas, o que vocês faziam?
A gente jogava muito totó e corria atrás de lavar roupa, que era um pouco complicado. E tentava manter contato com o povo daqui também, por internet e telefone, o que era meio complicado. Nem sempre a gente tinha internet por perto, ou mesmo telefone. E totó direto! Eu que odiava isso fiquei viciado! (risos)
Qual a maior dificuldade que você passou por lá?
Chorei pra caramba no segundo dia! Estava um frio danado, e a gente dormiu num squat sem aquecimento lá em Leipzig! Eu fiquei desesperado! Estava com duas calças, duas camisas, duas blusas, dois pares de meia, gorro, luva... e batendo o queixo! E pra ir no banheiro?! Como é que tira a calça pra dar a barrigada?! Não faz nenhuma diferença ser gordinho na Europa! (risos)
Por falar em gordura, no tempo da Razzia havia uma piada que dizia que vocês eram uma das bandas mais “pesadas” do país, pelo fato de você, o Mayck (guitarrista) e o Pepê (baixista) terem “alguns quilinhos a mais”. Pelo jeito o estigma continua com o Jason agora, né? (risos)
A Razzia tinha os “três tremores”, e essa formação do Jason já é uma das mais pesadas! (risos) Mas o Panço disse que quer emagrecer, eu estou na academia, então a coisa vai melhorar! (risos)
Quando vocês entram em estúdio e quais os demais planos pra esse ano?
Do disco novo, baixo e bateria já estão concluídos, e as guitarras estão 95% gravadas. O Floc, ex-baixista do Jason, vai escrever as letras e eu vou criar as melodias. Nesse meio tempo deve rolar uns experimentos que eu nem sei se deveria contar, mas o Andi, vocal do Left The Crowd, toca saxofone, e o Panço o convidou pra ver se rola de gravar alguma coisa. Mas deve demorar um pouco ainda. O Panço ficou na Europa acompanhando a turnê dos Replicantes, pra depois escrever um livro junto com o Wander, nos moldes do Jason - 2001, Uma Odisséia na Europa. Quando ele voltar ainda vai rolar a turnê com o Left e o lançamento da versão brasileira do split com o May The Force Be With You, e o disco de lados-b do Jason também. Tem o Nordeste também, que eu nunca fui, onde o Jason é grande pra caramba... só tô esperando voltar pra turbinar de novo!
Qual a sensação de, depois de ter passado um mês e meio na Europa, cantando, viajando, estar agora nessa praça, com meia dúzia de crianças em brinquedos de madeira? (risos)
Dá um pouco de desgosto. Tô meio de castigo aqui, mas tenho os dias do trabalho pra pagar, a faculdade, em que os professores me quebraram um galhão com as faltas, mas tenho que fazer as provas... Mas enquanto isso tá dando um desgostozinho, sim! (risos)
Essa é a sua primeira entrevista, certo? Aproveite o espaço!
É! Foi a primeira sim! Teve uma na Europa, mas foi com a banda,
e tudo que eu dizia era "Yes" e "Of Course", porque o Panço que
é o cara, o "Tommy Iommi" do Jason, então ele respondia
e eu só confirmava. Mas minha mesmo foi a primeira agora! Eu
estava nervoso, mas consegui relaxar e deu pra chegar lá! (risos)
Valeu a força, e abração, galera!
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Leonardo Panço
fala do livro "Jason - 2001, Uma Odisséia na Europa",
por Marcelo Costa
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Site Oficial do Jason
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