Jane Birkin ao vivo em São Paulo
Por André Fiori
Blog
18/03/2008

Completamente despojada, com jeans qualquer nota e camiseta simples, Jane Birkin, 61 anos, entrou no teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros, em São Paulo, para uma das apresentações mais encantadoras que a capital paulista assistiu nos últimos tempos. A cantora e atriz inglesa (que construiu sua fama na França) veio ao Brasil divulgar seu primeiro filme como diretora, "Caixas", e aproveitou a passagem para cantar em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Após um atraso de 20 minutos, incomum para os padrões Sesc de qualidade (a saber: preços justos, horário agradável que raramente presencia atrasos, bom som e instalações confortáveis), Jane sobe ao palco para apresentar um repertório baseado em seus dois últimos discos, "Rendez-Vous" (2004) e "Fictions" (2006), representados por composições de autores contemporâneos como Neil Hannon, do Divine Comedy, e o ex-Pulp Jarvis Cocker.

Assim como nós dois álbuns, que são cantados parte em francês, parte em inglês, a atmosfera 'bilíngue' também é uma tônica da noite. Logo de início, ela pergunta à platéia em qual língua deve falar entre as músicas: o idioma de Amélie Polain ganha. Ela responde, falante, que no mundo inteiro é assim. "Todos querem me ouvir em francês", explica. Porém, em suas longas explanações introduzindo as canções, Jane misturava os idiomas, pulando de um verbo em inglês para um adjetivo em francês, criando uma terceiro dialeto, no qual o público se esforçava para 'pescar' algo.

Logo na segunda canção, a antiga "Di Doo Dah" (de Serge Gainsboug), Jane surpreende o público e abandona o palco. Ela parte em direção a platéia, passeia pelos corredores do teatro chegando até os balcões superiores, local de onde canta parte da canção. A banda, um jovem trio afiadíssimo que se revezava entre harpa, violão, piano, teclado, bateria, programações, violino, viola e contrabaixo (e sabe-se lá o que mais), é excepcional com destaque para o pianista Christophe Cravero, cuja cara de menino impressiona e não nega que o petiz tem apenas 18 anos. É ele, inclusive, quem acompanha Jane em uma versão de "Strange Melody", só voz e violino.

O repertório segue e a língua portuguesa pede passagem através de "O Leãozinho", de Caetano Veloso, que registrou a canção em dueto com Jane. A cantora apela para um caderno, e se sai bem no 'brazilian portuguese'. Dentre as canções de acento britânico, o deleite vem com a já citada "Strange Melody" (de Beth Gibbons, do Portishead), "Home" (de Neil Hannon, do Divine Comedy) e "Alice" (de Tom Waits e Kathleen Brennan). Das mais recentes, a delicada "C'est Comme Ça" e a inédita - e de sua autoria - canção de protesto "Song For Aung San Suu Kyi" chamam a atenção.

O ex-marido Serge Gainsboug é uma constante, senão tanto em repertório, mas na atmosfera. Parece que seu espectro está ali pairando no ar, admirando o show de um canto do palco. Ela conta histórias sobre ele, e canta algumas canções, como "Quoi", que lhe deu confiança como intérprete. De Gainsbourg, são também as quatro músicas que encerram a apresentação: "Je Suis Venue Te Dire Que Je M'en Vais", recentemente regravada como "I Just Came To Tell You That I'm Going" por Jarvis Cocker no álbum tributo "Monsieur Gainsbourg Revisited"; "Ex-Fan de Sixties" (segundo o compositor, "uma ode aos rockstars mortos"), também regravada pelo Stereo Total) e a dramática "Manon".

Para o final, um momento de rara delicadeza. Jane agradece a recepção calorosa da platéia paulistana e diz, em francês mesmo, "Je T'aime", desculpando-se por não saber falar em português. Ela pede então ao público que como falar "Je T'aime" em português. Após algumas divertidas tentativas, sai um 'euxiamu" que se não soa perfeito, soa muito sincero. E abre as portas para o número final, "L'Aquoiboniste", encerrando de forma impecável uma noite encantandora.