Slow Motion Daydream - Everclear
por
Leonardo Vinhas
leonardo.vinhas@bol.com.br
27/06/2003
Em certo sentido, disco do Everclear
é sempre a mesma coisa: nas primeiras audições, você
pensa "pô, paguei tão caro por essa baba e só tem três
musiquinhas legais". Ainda assim, persiste a vontade de ouvir, e algumas
pressionadas de play depois, você não consegue mais tirar
o disco do seu aparelho. É como se você descobrisse o gosto
do doce depois de ficar experimentando a cobertura.
"Slowmotion Daydream" (Capitol, 2003,
distribuído no Brasil pela Sum), o sexto álbum (descontado
o EP de estréia "White Trash Hell" e o semi-pirata "Live In Los
Angeles") em quase doze anos de carreira, não foge à essa
regra. Porém, dessa vez, há mesmo um de fato: a idade começou
a chegar. Art Alexakis - guitarrista, vocalista, letrista, compositor e
produtor da banda - acaba de completar 41 anos, e certamente isso muda
algumas coisas.
Não que ele alguma vez tivesse
afetado a imagem de jovem rebelde: desde o álbum de estréia,
"World of Noise" (1993), ele deixou claro que era um homem de trinta e
poucos anos com vários traumas passados que ainda o afetavam, mas
sem nunca forçar uma jovialidade própria ao estrelato rock.
Essa postura aberta sempre gerou letras que garantiam identificação
imediata com grande parcela de seu público; essas, aliadas às
melodias redondas que combinavam rockão invocado com pop radiofônico
oitentista e música popular americana (country, soul, essas coisas),
garantiram o sucesso da banda, principalmente após o estouro dos
singles "I Will Buy You A New Life" e "Everything To Everyone", do álbum
"So Much For The Afterglow" (1997), que permitiu ao trio (completado pelo
baixista Craig Montoya e pelo baterista Greg Eklund) abandonar o circuito
de clubes para começar a lotar ginásios e até estádios.
De certa forma, "Slowmotion Daydream"
é uma forma de tentar reeditar "So Much": estão aqui a colaboração
Art Alexakis e Lars Fox na produção, a presença do
órgão do Wallflower
Rami Jaffe e, principalmente, a mesma combinação entre pop
e peso que havia sido respectivamente separada nos álbuns "Learning
How To Smile" e "Good Time For A Bad Attitude", ambos pautados no divórcio
de Alexakis. É claro que ambos os discos (muito bons, diga-se de
passagem) legaram lições bem aprendidas: a delicadeza melódica
do belo arranjo de cordas de "A Beautiful Life" é descendente direta
da canção "Learning How To Smile", enquanto "Black Jack"
e "I Want To Die A Beautiful Death" bebem no hard rock reinventado de "Good
Time..."
Mas o que manda aqui são os
vocais cantados e confessionais (ao contrário das declamações
e dos berros dos anteriores), as guitarras em e-bows, as conduções
seqüenciadas, os refrãos que aumentam de tom no final da canção.
Tudo como em "So Much For The Afterglow".
Isso é ruim? Em termos, já
que SMFTA é o melhor álbum do Everclear. Todavia, também
incomoda a repetição, já que em "Learning How To Smile"
Alexakis provou que era capaz de surpreender até mesmo seus detratores
com um pop vívido e grandioso, cheio de variações
e aberto a nuanças delicadas. O fato de "Good Time..." ser um amontoado
de raiva e guitarras altas só aumentava a expectativa para esse
disco, expectativa que só fez crescer após o lançamento
do excelente single "Volvo Driving Soccer Mom" no início desse ano
(pudera, já que a faixa tem guitarras "secas" mandando um riff "quebrado",
batidas alternadas, programações colantes e uma letra pra
lá de sagaz). Esse aperitivo antevia mais uma surpresa, que veio
em proporção bem inferior.
"Chrysanthemum" é a única
grande boa novidade, onde o acordeão de Jaffe acentua uma melancolia
como nunca se ouvira num álbum do trio. Já "The New York
Times" também "inova", mas de forma decepcionante: versos constrangedoramente
piegas sobre o atentado ao World Trade Center aparecem dentro de uma melodia
que parece Phil Collins com vontade de soar grunge - e o pior é
que a música é insuportavelmente memorizável, nos
moldes da versão dos Titãs para "É Preciso Saber Viver".
As demais mudanças que se poderiam fazer presentes acabam sendo
discretas demais: uns violinos e violoncelos aqui, uma bridge mais trabalhada
ali e nada muito diferente do que o fã está acostumado.
As letras, outrora um dos diferenciais
da banda, apresentam o maior sinal de cansaço: "TV Show" nos leva
(com poesia inferior) aonde "Wonderful" (hit de 2000) já estivera.
"New Blue Champion" transforma em lamúrias o que costumava ser desabafo,
e "Blackjack" quer alfinetar Bush e os republicanos, mas se esconde muito
em metáforas vagas - muito pouco para quem tinha dedicado um álbum
a Al Gore no auge do imbróglio eleitoral. A lentidão nesses
temas fica ainda maior se compararmos tais faixas com os acertos textuais
do disco: "Science Fiction" e "Volvo Driving Soccer Mom" ("Aonde vão
todas as estrelas pornôs/ quando as luzes se apagam? Porque quando
você precisa de uma/ elas nunca estão por perto/ Eu acho que
elas se mudam para os subúrbios/ e se tornam esposas republicanas
oxigenadas/ com crianças republicanas oxigenadas/ e vidas republicanas
oxigenadas").
A calmaria musical é muito
mais palatável, como nas belas cordas de "Science Fiction"
e "Chrysanthemum". Essas, curiosamente, apresentam mais vigor que o rock
de "How To Win Friends And Influence People" e "Sunshine (That Acid Summer)",
que parecem ter sido feitas seguindo uma cartilha meio gasta de rock americano.
As já citadas "Blackjack" e "I Want To Die a Beautiful Death" são
faixas pesadas que escapam bem da burocracia, assim como o punkinho pop
de "Catch You When You Fall Down", faixa não-creditada na capa (tal
como "Hating You For Christmas", de um certo álbum de 1997...).
E ainda há o pop "alexakiano" de "A Beautiful Life" e "New Blue
Champion", que, se não brilham muito, pelo menos fazem mais que
o mero papel de filler (faixa que ocupa espaço em álbuns
medíocres. Pesquise nos LPs de qualquer artista que tenha dezenas
de singles).
É verdade que a simples expectativa
provocada por uma espera de três anos já prejudicaria um pouco
a reação à "Slowmotion Daydream", mas é verdade
que o Everclear acomodou um pouquinho. Ainda assim, o trio e o Foo Fighters
são as únicas bandas norte-americanas em atividade a produzir
rock decente com um pendor pop. E da mesma forma que "One Bye One" não
traz tudo que a banda de Dave Grohl pode fazer, esse disco deixa um tantinho
a desejar. Se fosse para conferir uma nota, seria 6 pelo conjunto da obra
e 8 por algumas faixas isoladas. Na média, 7 - bem mais que muita
banda de irmãozinhos chupadores de Led Zeppelin ou suecos supostamente
sujos embalados em terninhos.
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