De Inverno
por
Marcelo Costa
maccosta@hotmail.com
11/06/2003
"Os Novos Vampiros: 170 bandas catalogadas,
novos selos independentes, festivais... é a cena musical de Curitiba.
Veja como a "cidade modelo" está inundando de sangue fresco o rock
nacional".
Carlos Eduardo Mendonça, Setembro
de 1993, Revista Bizz.
Em quatro páginas, a Revista
Bizz (em uma de suas melhores edições, a que traz a entrevista
de André Forastieri com Kurt Cobain) mapeava a cena curitibana como
até então não havia sido feito em cenário nacional.
Destaques para várias bandas e vários bares. Praticamente
dez anos depois, Dary Jr., vocalista da banda Terminal Guadalupe (ex-Lorena
Foi Embora) olha a revista em minhas mãos e diz que metade dos bares
fechou e muitas das bandas não existem mais.
Também, não é
difícil de entender. Após o estouro de Raimundos e Charlie
Brown Jr, pouca coisa nova surgiu no rock brasileiro que freqüenta
as paradas. Mesmo a boa cena gaúcha capitaneada por Bidê ou
Balde e Video Hits em 2001 esbarrou na porta do sucesso.Mas, é claro
que mesmo que não apareça na grande mídia, a cena
underground brasileira se renova e revigora. E como anda Curitiba hoje
em dia? Pelo que parece, bem, obrigado. É claro que falta espaço
decente para shows, espaço nas rádios e principalmente exposição
fora da cidade, problemas, alías, que afetam praticamente todas
as bandas nacionais nesse combalido início de século. É
preciso ser atento e forte, como já cantou décadas atrás
o Sr. Excelentíssimo Ministro Gilberto Gil.
Porém, não dá
para se chorar sobre o uísque derramado. Dessa forma, várias
bandas de qualidade circulam pelos bares curitibanos, ganhando espaço
em jornais da cidade, quando não na televisão. Para saber
um pouco mais sobre a cena curitibana, o S&Y passou duas semanas conversando
por email com Ivan Santos, um dos responsáveis pelo selo/projeto
De Inverno e músico da banda OAEOZ. Mais do que conferir o papo,
é se ater aos links lá embaixo. Há um punhado de bandas
bacanas te esperando, caro leitor.
Ficou muito famoso nos anos 80
o título do primeiro álbum dos Engenheiros do Hawaii, que
dizia "Longe Demais Das Capitais". Vocês se sentem assim, sendo de
Curitiba?
Eu diria que em certo sentido, a gente
está é perto demais, o que dificulta o desenvolvimento de
uma identidade cultural própria. Ao contrário do RS, as rádios
daqui, via de regra, tocam aquilo que se toca no eixo Rio-SP. E o curitibano,
em geral, não dá bola para a produção cultural
da cidade, preferindo consumir o que vem de fora.
Quer dizer que as rádios
aí são como em SP?
Via de regra a programação
das rádios de Curitiba é uma simples mimetização
das do eixo Rio-SP. Entretanto, alguns espaços específicos
se abriram em três emissoras: a rádio Educativa FM (do Estado);
a 96 FM (rádio rock) e a Transamérica. A rádio Educativa
tem aberto muito espaço para artistas locais (não só
de rock, mas também de mpb, jazz, instrumental, etc). Até
o ano passado, havia também um projeto chamado "todos os caminhos
do rock", criado pelo produtor Ciro Ridal, que consistia num bloco de 14
programas de 30 minutos cada, cada um voltado para uma vertente ou segmento
do rock e pop. Entre esses programas havia, por exemplo, o Piracema, produzido
e apresentado pela Adriane Perin, uma espécie de talk show sobre
o cenário independente que também tocava esse tipo de som.
Tem vários outros programas que abriam para as bandas locais, como
o Ciclojam, dirigido pelo próprio Ciro, que exibia gravações
feitas ao vivo com as bandas. Esse programa hoje também tem uma
edição na TV Educativa. (OAEOZ inclusive já tocou
nos dois). Também a 96 FM (a autodenominada rádio rock) dirigida
pelo Helinho Pimentel (ex-Estação Primeira) criou um projeto
chamado Geração Pedreira (a referência é à
pedreira Paulo Leminski, onde já rolaram/rolam grandes shows), que
passou a abrir espaço sistemático na programação
da rádio para as bandas locais, divulgando shows, tocando as músicas,
etc. Esse projeto resultou em um show na própria pedreira de onde
foram editados em fevereiro deste ano quatro cds coletâneas com um
total de 71 bandas. Os cds foram encartados no jornal Gazeta do Povo (o
maior do Estado e de propriedade do mesmo grupo que controla a emissora
local da TV Globo), com 60 mil cópias cada título (que, aliás,
esgotou rapidamente). Esse lance foi, digamos, "inspirado" no projeto da
De Inverno Records/Jornal do Estado (onde eu trabalho), lançado
em 20 de dezembro, com 18 bandas e um tablóide de 16 páginas.
Na Transamérica, quem abriu espaço foi o Mauro Mueller, locutor,
produtor e também músico que tem tocado som de bandas locais
independentes em seus horários. Chegou também a produzir
um programa de televisão num canal local (o qual o OAEOZ participou
algumas vezes tocando). Fora isso, o que rola mesmo é o que você
escuta nas rádios de qualquer capital brasileira. No caso da Rádio
Educativa, com a mudança de governo houve também a mudança
na direção e orientação da rádio. O
Todos os Caminhos do Rock foi extinto. Alguns poucos programas foram mantidos,
em horários dispersos. O Ciclojam, do Ciro continua, e na versão
para a TV, conseguiu apoio para gravar novos programas (por enquanto estão
exibindo os já gravados). Na rádio o espaço para as
bandas locais praticamente se extinguiu. Na TV, a promessa é de
apoiar a produção local, mas por enquanto, está tudo
parado por falta de verbas.
Como é ter uma banda em
Curitiba? O que a cidade influi na musicalidade?
Depende muito do tipo de banda a que
você se refere. Wandula e Djambi são duas bandas da cidade,
mas uma não tem nada a ver com a outra. Sempre digo que Curitiba
não tem uma cena, mas várias cenas paralelas, que convivem
(ou não) de forma estanque, em geral sem intercomunicação.
Isso tem mudado um pouco nos últimos tempos, mas ainda é
a regra. Exemplo - as bandas de reggae (caso do Djambi) e hardcore têm
grande público cativo e mercado garantido. Eles até podem
sobreviver de seu trabalho musical. Já os grupos mais difíceis
de se classificarem ou encaixarem num determinado segmento, penam e dependem
de esforço próprio para conquistar espaço.
Santo de casa realmente não
faz milagre? Mas há, podemos dizer, uma cena por ai, certo?
Eu diria que santo de casa em Curitiba
tem que fazer sim, muitos milagres, mas por si mesmo (rs). A cena existe
sim e não é de hoje. A Adriane fez uma série reportagens
especiais na Gazeta. Em mais de dez capítulos, ela contava a história
do rock curitibano mostrando que desde a década de 50, quando o
ritmo chegou ao Brasil, a cidade já tinha muitas e boas bandas.
E nos últimos anos tem crescido, se fortalecido e diversificado.
O problema é que não faz parte dos hábitos das pessoas
valorizar o que é produzido aqui. Mas isso paulatinamente vem mudando
graças a insistência/persistência das pessoas que produzem,
dos músicos, das próprias bandas e de uma abertura maior
de espaços na mídia local. Além disso, como já
disse, em Curitiba não há uma única e grande cena
unificada em um movimento organizado como você pode ver hoje em dia,
por exemplo, em lugares como Goiânia. Há cenas paralelas que
"convivem" de forma estanque e dificilmente se misturam. Alguns desses
segmentos como o hardcore, psicobilly e o reggae têm público
garantido e se auto-sustenta. Já as bandas mais difíceis
de serem classificadas tem dificuldade de se encaixar em um público.
Ao contrário da cena gaúcha,
que sempre teve muito destaque na mídia, o que não queira
dizer que foi sucesso (alguns, isolados), a cena curitibana sempre foi
muito underground. Por que? Ou vocês andam fabricando bandas legais
que a gente desconhece?
Eu acho que sucesso é um termo
subjetivo e uma situação circunstancial. Realmente, não
houve nenhuma banda daqui que tenha conseguido sucesso de público
em âmbito nacional. Mas isso diz muito mais sobre o subdesenvolvimento
da própria indústria cultural do País do que sobre
uma incapacidade da cidade em produzir bandas com potencial pop. Muitas
das bandas daqui de outros tempos e de hoje poderiam perfeitamente estar
tocando no rádio e atingindo o grande público. Só
que é de conhecimento geral, as rádios e a indústria
fonográfica estão fechadas para coisas novas.
E esses grupos de reggae sobrevivem
tocando material original ou é necessário fazer cover? Alias,
como estão os espaços de shows na cidade?
Olha, não é um meio
que eu conheça pessoalmente, mas pelo que sei já existem,
sim, uma série de grupos que estão tocando material próprio,
apesar de continuarem também, principalmente ao vivo, tocando versões
de standarts do gênero. Em relação a espaços
para shows, são muito variáveis e há uma grande instabilidade.
Há alguns espaços já consolidados, cujo exemplo mais
simbólico é o 92 graus, tocado há mais de dez anos
pelo JR Ferreira, e nascedouro da cena que surgiu no início dos
anos 90, e teve grupos como o July et Joe, e os mais conhecidos fora, Boi
Mamão, Relespública, etc. Lá até hoje tem shows
vários dias por semana o ano inteiro. Tem também um festival,
o National Garage, já com dez anos. O último aconteceu no
final do ano passado, e foi dedicado somente a grupos locais. Foram 100
bandas em onze dias (nós tocamos numa terça, com casa cheia,
junto com Beijo AA Força, Bad Folks, Undeads, aaaaaaaaaaamalencarada,
e Supercross). O problema é que muitas vezes falta divulgação
e o equipamento de som é precário. Quando produzimos o Rock
de Inverno lá o ano passado, alugamos outro som e cuidamos de toda
divulgação. Atualmente existem vários outros espaços,
em geral em bares, com estruturas e condições bastante variáveis.
Tem desde o Era Só o que Faltava, mais "mauricinho", onde rolam
desde espaços específicos para grupos locais mais pop no
início da semana, até bandas do circuito nacional e artistas
mais comerciais de mpb nos fins de semana. Esse tem palco pequeno (mas
legal) e bom som. Só que dificilmente abre para bandas mais autorais.
Há o Empório, onde tocam bandas cover e outras de som próprio
com um perfil mais para o “rock n roll” tradicional. Havia, até
recentemente, o espaço da Sociedade Portuguesa, que abria para produções
locais mais “indies” (odeio esse termo). Tinha palco bem legal e um ótimo
espaço, mas parou. Fizemos lá no final do ano o lançamento
do cd do Sofia. Aí existem uma série de bares que abrem para
shows, a maioria sem estrutura, de uma forma precária. Sem palco,
som e muitas vezes sem alvará para música ao vivo ou com
problemas com os vizinhos. O Camorra (onde fizemos um show com o Pipodélica
(SC); o James, o Korova, são exemplos. Lugares pequenos, com lotação
de cem ou mais pessoas. De uma forma geral, eu diria que atualmente não
faltam lugares para tocar, mas as condições são bem
variáveis e na maioria dos casos os grupos arcam com a maior parte
das necessidades da produção – divulgação,
equipamento, etc. O que faz com que alguns grupos, como é o caso
do OAEOZ, optem por fazer uma quantidade menor de shows até para
ter condições de produzi-los melhor.
Quando surgiu a De Inverno? Vocês
já tinham histórico de outras gravadoras por ai?
O selo De Inverno Records nasceu como
conseqüência natural do festival Rock de Inverno, criado por
mim (Ivan, da banda OAEOZ) e minha garota, Adriane Perin (que é
jornalista). Quando começamos com o OAEOZ, em outubro de 1997, o
que dominava o rock brasileiro eram os pastiches de rock regional ou funk
hardcore metal de um lado e o pop vazio de outro. No underground, a cultura
do indie-guitar, ou do psicobilly/hardcore. Não nos encaixávamos
em nenhuma dessas categorias e inicialmente nos sentíamos meio sozinhos,
espécie de "patinhos feios" da cena. Com o tempo, fomos conhecendo
outros grupos surgidos na mesma época com o qual nos identificávamos
e tínhamos afinidade. Daí a idéia do festival, que
teve a primeira edição entre os dias 8 e 10 de junho, na
extinta casa Circus. Já no primeiro, editamos uma coletânea
com uma música de cada banda, para ser distribuída junto
com o press-kit. Após a segunda edição, quando já
tínhamos lançado também o disco "Dias" do OAEOZ, veio
a idéia de "oficializar" essa produção fonográfica
através da criação do selo. Quanto a outras gravadoras,
tinha a Bloody Records, do JR Ferreira, dono do 92 graus (bar com mais
de dez anos de atividade) que no início dos anos 90 lançou
13 compactos de grupos locais. A de maior expressão hoje é
a Barulho Records, especializada em hardcore, com dezenas de títulos
e algumas dezenas de milhares de cópias vendidas.
Há uma troca de informação
entre vocês e essas gravadoras da cidade?
Na verdade não. Até
porque, a única que chamaria de "gravadora" mesmo seria a Barulho,
que é especializada em hardcore, psicobilly, tem seu próprio
segmento, enfim. Curtimos bandas deles como os Catalépticos, e o
Pelebrói não sei (que tocou no Rock de Inverno do ano passado),
mas é cada um na sua. E a Bloody, que como a De Inverno é
mais um selo do que gravadora, que eu saiba, não lançou mais
nada ultimamente, o JR está se dedicando mais ao bar. E quanto a
De Inverno, como temos tiragens bastante pequenas, nos dedicamos mais à
divulgação do que à venda propriamente dita.
Como foi a repercussão desse
primeiro festival? E quantos festivais vieram depois?
Desde o início tivemos uma
boa repercussão, até porque para nós a divulgação,
principalmente na mídia, sempre foi uma prioridade. Já no
primeiro conseguimos trazer, por conta própria, o (saudoso) Celso
Pucci, que fez uma matéria para o Estadão, e uma repórter
do Correio de Popular de Campinas, Carlota Cafiero, escalada, aliás,
pelo Alexandre Matias, e que fez uma bela reportagem de página inteira
com a cobertura do festival. Em 2001 fizemos a segunda edição,
um pouco menor, num teatro local. Foram dois dias, seis bandas cada, todas
locais. A repercussão cresceu bastante no ano passado, quando com
o apoio da prefeitura de Curitiba, atraímos a vinda para o festival
de 26 jornalistas de outros estados e emplacamos reportagens e matérias
na MTV, Folha de SP, O Globo, TV Cultura, etc. Nesse ano ampliamos a escalação
para 15 atrações, cinco por noite, e incluímos, grupos
de outros estados – no caso Casino (RJ), Hurtmold (SP) e o Pipodélica
(SC).
Quantas bandas a De Inverno já
lançou? E como tem sido a receptividade do público?
Ao todo temos onze títulos
lançados, sendo 9 cds e 2 vídeos. O primeiro lançamento
oficial foi o cd “Compilação 1990-2000” – coletânea
com gravações do Hamilton de Locco, que atualmente toca bateria
no OAEOZ, mas que participa da cena local desde o início dos anos
90. Ele foi vocalista da banda Acrilírico que chegou a ter um compacto
lançado pelo Bloody Records, do JR Ferreira, passando ainda pelo
Folha Seca, projeto Única Coisa e Delírio Família.
Depois veio o cd “Belas Noites”, reunindo gravações diversas
do Cores D Flores, banda atual da Mariele Loyola (ex-Escola de Escândalo,
Arte no Escuro, Volkana). Em seguida veio o “Take um”, cd com gravações
ao vivo do OAEOZ; o cd e o vídeo com as gravações
ao vivo do Rock de Inverno 2, com três faixas de cada grupo – Trio
Quintina, Máquina, Sofia, Cores D Flores, Loxoscelle e Zaius; a
coletânea do Rock de Inverno 3, com uma faixa de cada grupo – Pipodélica,
OAEOZ, Criaturas, Sofia, Poléxia, Volume, Casino, aaaaaamalencarada,
Svetlana, Excelsior, Relespública, Magog, Hurtmold, Pelebrói
não sei e Lorena foi embora...; os últimos lançamentos
foram o cd do Sofia e a coletânea Novos Sons Fora do Eixo vol I,
distribuída em parceria com o Jornal do Estado, encartada no jornal,
com uma faixa de cada uma das 18 bandas. Além disso, distribuímos
os cds lançados antes da criação do selo, como o “Dias”,
do OAEOZ, e as coletâneas Rock de Inverno e Rock de Inverno 2, além
do vídeo com as gravações ao vivo do Rock de Inverno
(1ª edição). Pode se dizer que as bandas que são
parte do catálogo do selo, por enquanto, são o OAEOZ, o Cores
D Flores e o Sofia. Em geral, a receptividade tem sido muito boa. As três
edições do festival tiveram casa cheia, e os shows que produzimos,
na maioria das vezes, também tem tido bom público. Quando
as pessoas têm a oportunidade de conhecer, ouvem e gostam. No último
dia das mães, por exemplo, o OAEOZ fez sua primeira apresentação
depois de seis meses no estaleiro após a saída do Igor, num
pequeno bar daqui chamado Korova, junto com outro grupo - Iconoclastas
- e tivemos 165 pessoas se espremendo no lugar. Outra resposta surpreendente
foi à coletânea lançada em parceria com o Jornal do
Estado, que teve cinco mil cópias produzidas e esgotou nas bancas
de toda a cidade. Acho que o público existe, é questão
de conseguir chegar até ele, fazer com que ele saiba o que está
acontecendo. Por que hoje em dia vivemos aquela situação
em que as pessoas se orgulham de saber o que está acontecendo do
outro lado do mundo, mas não sabem o que rola no bairro ou na cidade
delas.
Você, trabalhando com um
selo e armando festivais, deve conhecer bem a cena da cidade. Então,
diz para nós quais as bandas que mais se destacam? Quais as suas
preferidas e quais aquelas que você apostaria?
Eu diria que conheço parte
da cena, não ela toda, até porque como já comentei,
é muito diversa e estanque. Não tenho um conhecimento profundo
do que rola em segmentos como hardcore, psicobilly, reggae, metal e outros.
A Adri, por trabalhar como repórter do caderno de cultura da Gazeta
do Povo, recebe muita coisa de todo tipo de gênero. A gente está
sempre procurando ouvir de tudo, mas é impossível ouvir tudo.
Nós da De Inverno nunca nos propusemos a representar a cena curitibana
como um todo. Muito pelo contrário, fazemos uma opção
clara por aquilo que gostamos, por grupos que trabalham com música
própria e que buscam desenvolver uma identidade musical própria,
sem se preocupar com modismos, hypes ou padrões pré-estabelecidos.
Nesse sentido, se você prestar atenção, nos nossos
eventos e produções, incluem-se desde grupos de metal, punk,
hardcore, até música eletrônica, pop, psicodelismo,
mpb, etc. E mesmo assim, eles tem algo em comum que é a busca por
uma linguagem própria. Nesse sentido, poderia citar muita coisa
legal, mas vou me restringir em algumas. Das mais recentes, gosto muito
do Criaturas, que estreou em junho do ano passado num festival em Morretes
tocando junto com o OAEOZ e logo em seguida ganhou projeção
tocando no Rock de Inverno 3 e mais recentemente no Curitiba Pop Festival.
Eles fazem um som calcado em sonoridades sessentistas, mas sem aquela ranço
retrô-regressivo comum a grupos do gênero. O Poléxia
também me agrada muito com um som que une pop, indie rock e romantismo
em doses certas, riffs ganchudos e canções perfeitas. Tem
também o setor dos “minimalistas” – Wandula, Poli e Svetlana. Os
dois primeiros lembram trilha sonora de filme europeu. Sem falar na Edith,
vocalista do Wandula e do Svetlana, que acaba de lançar seu segundo
cd solo, tão maravilhoso quanto o primeiro. E é claro, gosto
muito do Sofia e do Cores D Flores (até porque se não não
teria lançado os discos). Tem ainda o Loxoscelle, que reúne
um time de supermúsicos e é encabeçado pelo Lúcio
Machado, que faz a parte técnica das gravações da
De Inverno Records. Eles estão com disco quase pronto. É
um som que une violões de doze cordas e riffs de guitarras, numa
praia mezzo Alice in Chains/Soundgarden, sem cair no pastiche. O Zigurate,
outro que está com disco pronto pra ser lançado, e é
mais na praia do gótico/art rock. O Trio Quintina. O ESS – eletrônico
indie rock, em que toca o Igor (ex-OAEOZ). Ele também tem um projeto
novíssimo chamado Íris, que estreou no final do ano passado
abrindo o lançamento do cd do Sofia. É um som bem jazzy/groove,
com letras de inspiração beat. Enfim, tem pra todos os gostos.
Acho que uma das grandes qualidades da cena de Curitiba hoje é justamente
essa diversidade.
Você tem uma banda, OAEOZ.
A influência é Mutantes mesmo? :) Quanto tempo tem a banda?
Não. Na verdade o nome foi
escolhido assim. Eu, o Igor e o Camarão, junto com o Eduardo (violino)
já ensaiávamos a alguns meses quando pintou o primeiro show
e não tínhamos um nome. Eu e o Igor fizemos uma lista, fomos
riscando, sobrou esse e mais outro que foi descartado. Ficou OAEOZ, mas
a idéia era muito mais uma homenagem ao Arnaldo Baptista do que
propriamente aos Mutantes. Gosto de Mutantes, mas particularmente me marcou
mais os trabalhos solos do Arnaldo (Lóki, Sing Alone), e os discos
dele com a Patrulha do Espaço. Mas não somos uma banda retro-setentista.
Pelo contrário, as principais influências do OAEOZ inicialmente
foram bandas dos anos 90, como Mercury Rev, Morphine, Tindersticks, além
de Fellini, jazz (Chet Baker, Coltrane) e por aí vai. A banda começou
oficialmente em outubro de 1997, mas eu já vinha compondo com o
Igor desde pelo menos 1994/95. Chegamos a ter antes um projeto chamado
Dusty, do qual participava ainda o Rubens K, e que só fez duas apresentações
ao vivo.
Quais os próximos projetos
da De Inverno?
O projeto mais imediato é a
quarta edição do festival. O problema é que estamos
com um projeto de lei de incentivo federal parado em Brasília há
sete meses e não sabemos até agora como vai ser. Devemos
ainda lançar este ano o novo cd do Cores D Flores, que está
em fase de mixagem, e provavelmente distribuir o primeiro do Loxoscelle,
que está em finalização. Além disso, o OAEOZ
pretende gravar um novo disco no segundo semestre.
Mercury Rev, Morphine, Tindersticks
são bandas de som bastante denso e que se pode perceber influenciando
também o trabalho da Edith no Wandula e o Svetlana. Não sei,
posso até estar errado, mas o frio curitibano aproxima vocês
desse tipo de sonoridade?
De certa forma sim, mas isso não
pode ser aplicado como regra geral. Realmente existe determinado "segmento"
da cena curitibana cujo som tem características mais "intimistas/introspectivas"
tanto na forma quanto no conteúdo, como é o caso das bandas
que você citou. Se bem que em relação ao OAEOZ, essas
influências citadas foram uma referência inicial, que com o
tempo se desdobraram em muita coisa diferente. Além disso, apesar
de termos influências "estrangeiras", também temos uma porção
bem "brasileira", sem que isso signifique folclore ou antropologia. É
bom destacar ainda que no OAEOZ, as referências de cada integrante
são bastante distintas. Eu, por exemplo, gosto muito do rock brasileiro
independente da segunda metade dos anos 80, como Fellini, Mercenárias,
Vzadoq Moe, Sexo Explícito, 3 Hombres, etc. O Camarão (baterista)
já é mais ligado em MPB e jazz. O Rodrigo tem um background
mais voltado para o punk rock e o André Ramiro é o lado mais
"indie". Voltando à questão principal, Curitiba tem sim bandas
com um som que poderia ser classificado de "invernal" ou "outonal" o que
é compreensível quando se pensa no clima e na própria
natureza étnica da colonização da cidade. Afinal,
como diz um ditado brincalhão, Curitiba é o melhor lugar
do mundo para se esconder no carnaval. Mas não dá para colocar
isso como regra, pois a cidade tem também muitos grupos que fazem
música totalmente for fun, como Pelebrói não sei ou
aaaaaamalencarada, e até grupos mais ligados ao samba mpb que são
exatamente o oposto disso.
Por fim, não há um
projeto de uma tour de algumas bandas curitibanas por outras cidades? O
que vocês pensam a respeito de tocar fora de Curitiba?
Na verdade já pensamos nisso
sim. Já andamos planejando até uma turnê De Inverno,
ou um mini festival Rock de Inverno em sampa ou rio, etc. Só que
por enquanto está só no terreno dos planos/desejos, pois
é preciso conciliar trabalho, agenda, empregos, produção,
grana, etc, e tudo isso leva tempo e demanda planejamento. Falando pelo
OAEOZ, é claro que a gente quer tocar fora e muito, mas também
não queremos fazer uma coisa apressada, sem as mínimas condições
de produção, apenas para “queimar a cara”. Acho que esse
será um passo natural daqui pra frente, mas é questão
de fazer as coisas com calma, e direito. Da mesma forma como a gente tem
procurado oferecer para as bandas de fora que trazemos para tocar aqui
(Mopho, Phonopop, Momento 68, Pipodélica, Casino, Hurtmold – pode
perguntar pra eles) as mínimas condições de produção
– equipamento, divulgação, etc – também queremos,
quando for para tocar fora, que possamos ter essas garantias até
para que não seja uma coisa improdutiva apenas pra dizer que fizemos
por fazer.
Como que pessoas do resto do país
podem entrar em contato com a De Inverno e conseguir material das bandas
do selo? E que sites você indicaria para que o (e-)leitor visitasse
e soubesse mais sobre a cena curitibana?
O caminho mais fácil é
o e-mail deinverno2@yahoo.com.br
ou oaeoz@yahoo.com.br
Quem quiser um e-catálogo
do selo é só pedir nesses e-mails. Quem quiser mandar material
o endereço é:
Rua São Pio X, 430
Ahú de Baixo
80540-240
Curitiba – PR
Temos também páginas
na internet , mas ambas estão desatualizadas. Para acompanhar notícias
atualizadas nossas é só acessar o blog.
De Inverno - http://www.deinverno.com
OAEOZ - http://www.oaoez.com
BLOG - http://www.deinverno.blogger.com.br
Em relação a sites daqui
que eu recomendo pra começar listaria o:
Espaço Cultural 92 graus –
http://www.92graus.com
Noticias O Bule – http://www.obule.com.br
E-zine do Abonico Ricardo Smith –
http://www.bacana.art.br
Bandas - Terminal Guadalupe – http://www.terminalguadalupe.net
Catálogo De Inverno
resenhas
por Marcelo Costa
Formada no final de 1997, OAEOZ se
utiliza do folk para longas viagens instrumentais que os aproxima do rock
progressivo, embora não seja o teclado que conduza o som da banda.
Letras que falam do cotidiano ("No meio da semana eu te liguei para falar
de trabalho" da música "Recado") ganham arranjos que privilegiam
violões e a guitarra solo. "Dias" foi o terceiro trabalho
do grupo reunindo em onze faixas, gravações de estúdio
e ao vivo, jam sessions, faixas instrumentais. A faixa título, com
toques jazz na introdução brasileirissima, ganhas bons riffs
de guitarra no meio e se destaca em um bom repertório. "Take
Um" traz várias gravações ao vivo do OAEOZ,
a maioria gravada em 5 de maio de 2001, no show de lançamento do
disco "Dias". Ao vivo a banda se mostra bem mais a vontade e a qualidade
da gravação é perfeita. Já a "Compilação
1990/2000" faz uma panorâmica na carreira do baterista Hamilton
de Lócco, de trabalhos com bandas como Acrilírico, Folha
Seca, e Delírio Família. A base é o jazz com muita
brasilidade e a qualidade das gravações varia, mas é
perfeita em mostrar o trabalho do batera.
Apesar da parte gráfica não
ser das melhores (impossível não pensar no bom trabalho realizado
em Goiânia, por exemplo), as três coletâneas acima mapeiam
as três edições do festival "De Inverno" apresentando
muito material de excelente qualidade. No Volume 1, muita coisa
boa. A começar por "Filme" do Cores D Flores, banda capitaneada
por Marielle Loyola, ex-Escola de Escândalo, Arte no Escuro (ambas
de Brasília anos 80) e Volkana. Vocal personalíssimo, boa
guitarra, clima pesado e denso. A banda OAEOZ surge com a boa "De Inverno"
enquanto o ZeitGeist Co. apresenta a ótima faixa psicodélica
"Hollow of My Stomach Rises". Outro destaque é o Madeixas com a
assobiável "I Will Try". Completam o CD, Plêiade, Loaded,
Faus, Quisto e Zigurate. O Volume 2 traz menos canções,
mas boas surpresas. Vollume abre o CD com um bom rock inglês cantado
em português. O Sofia, uma das grandes promessas curitibanas, surpreende
com "Nada". Base folk, boa letra, vocal abafado. E o Trio Quintina surpreende
com "Balão Azul", MPB das boas. No Volume 3, quinze bandas.
O Pipodélica (com álbum reçém-lançado
pela Baratos Afins) abre com a ótima "Blá Blá Blá".
A Criaturas, com forte influência de Mutantes, apresenta "Óculos
Escuros". Sofia, OAEOZ e Volume também comparecem com boas faixas.
O Svetlana, uma das bandas que mais surpreendeu no Upload 2002 em SP, não
corresponde as expectativas em "Fancy Dress". A bateria, baixa e distante,
prejudicou totalmente o arranjo deixando os belos vocais de Edith e Luiz
isolados, uma pena. A veterana Relespública manda bem na cadenciada
"Bonde 77" enquanto a Lorena Foi Embora (já elogiada pelo S&Y)
apresenta a ótima "Dez Segundos". O grande momento do álbum
é "Céu Sem Cor" da Pelebroi Não Sei, delicioso rock
and roll básico de um cara que mesmo passando a roupa, fazendo comida
e cuidando do Rex, é abandonado pela garota. Lembra bastante Wander
Wildner, o que em si é um tremendo elogio. Os paulistas do Hurtmold
e os cariocas do Casino também marcam presença nessa ótima
coletânea. Se eu fosse você, pedia ela já!
Se na parte gráfica das coletâneas
o trabalho deixa a desejar, nas capas dos dois álbuns lançados
pelo selo até o momento, o cuidado surtiu resultados. Em seu álbum
homônimo, o Sofia finca base nos anos 80, no folk rock de bandas
como os Smiths (é louvável o cuidado com as letras) e, claro,
Legião Urbana. Nas dez músicas, muitos arpejos, dedilhados
de violão e lirismo. Já o Cores D Flores pisa no pedal de
distorção e com guitarras sujas abre o CD "Belas Noites".
Apesar das guitarradas de "Nada Por Acaso", o som é ultra pop, desses
que poderiam (deveriam) estar tocando em rádios. Dois lançamentos
bastante recomendáveis que se dependessem do bom gosto do público
(e não do jabá das gravadoras) teriam lugar garantido nas
FMs. Já o terceiro CD acima é a compilação
"Novos Sons Fora Do Eixo Volume 1", parceria do selo "De Inverno" com o
Jornal do Estado, item obrigatório para se entender o que Curitiba
anda fazendo de bom. Comentários mais detalhados sobre as bandas,
com informações para contato aqui
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