Entrevista - Charme Chulo
por Tiago Agostini
Blog
Foto: Divulgação
09/10/2006

Apesar do que muitos podem pensar, não há nada de brincadeira no trabalho do Charme Chulo. O uso da viola caipira, o flerte com o brega, as roupas populares e a performance dramática à Morrissey, Renato Russo e Ian Curtis do vocalista Igor Marcel são elementos incorporados à música e atitude da banda, como forma de defender o estilo Charme Chulo de ser: uma mistura de rock inglês anos 80 (impossível não citar Smiths) com manifestações populares que a banda assimila. "A gente não inventa nada, se baseia no que as pessoas usam nas ruas", explica o guitarrista Leandro Delmonico. "É uma busca estética", completa Igor.

Depois de trocas na formação, o Charme Chulo se firmou com a formação atual, que, além dos primos Igor e Leandro, tem Peterson Rosário no baixo e Rony Jimenez na bateria. Com essa segurança, eles passaram dois meses em Florianópolis gravando o primeiro CD, sucessor do elogiado EP Você Sabe Muito Bem Onde Estou. Ainda sem previsão de lançamento, o CD começa a ser mostrado ao público. Cinco músicas (três inéditas e duas regravações do EP, Polaca Azeda e Piada Cruel) já estão disponíveis para download no site da banda. Enquanto isso, eles viajam pelo Brasil fazendo shows e participando de importantes festivais, como o Grito Rock de Cuiabá e, mais recentemente, o Ampli, em São Paulo.

As músicas novas mostram um amadurecimento musical do som da banda, resultado do trabalho do produtor do disco, Xuxu, guitarrista e vocalista da Pipodélica. Os ecos de Smiths continuam presentes, mas se vêem mais as influências da Legião Urbana. Mazzaropi Incrimado, a mais agitada, é perfeita para a "dança epilética" que Renato Russo tanto fez, inspirado em Ian Curtis. Barretos, outra das novas, também segue na linha pra cima, e mesmo levada pela guitarra mantém o espírito country, principalmente com o riff inicial.

Não Deixa a Vida Te Levar, a última inédita, quebra um pouco o ritmo e larga as influências caipiras. Assim como Polaca Azeda, destaque do EP, que ainda é a música com melhor presença da viola, mas que perdeu um pouco a riqueza melódica com a nova batida mais marcial. Assim, o posto de melhor música do álbum (pelo menos por enquanto) fica para a outra regravação, Piada Cruel, que pouco mudou, ganhando mais presença de bateria. As faixas marcam principalmente a evolução de Igor como cantor. Dominando melhor sua voz, ele corta alguns agudos que incomodavam no EP e empresta mais vida às canções da banda.

De passagem por Florianópolis, o quarteto conversou com o Scream & Yell sobre a gravação do disco, shows e o estilo Charme Chulo de vida. Estilo de vida? "Não sei bem se é uma ideologia, mas é um estilo de banda", decreta Leandro.

Vocês terminaram de gravar o primeiro CD há um mês, aqui em Florianópolis. Por que escolher Florianópolis?
Igor: A gente resolveu vir gravar aqui porque o Xuxu (guitarrista e vocalista da Pipodélica), que é o produtor do CD, mora aqui. Ele deu todo apoio pra gente gravar, como instrumentos, e ele tinha intimidade com o estúdio, onde todos os trabalhos da Pipodélica foram gravados.

Leandro: Na verdade nesse CD a gente quis trabalhar com um produtor, porque o EP foi independente. Esse foi nosso primeiro trabalho grande de gravação e a gente aprendeu muito. Procuramos vários produtores e o Xuxu se identificou com a idéia da banda.

E qual foi o critério para escolher o Xuxu?
Leandro: A gente entregou uma pré-produção pra alguns produtores, alguns até com renome no Brasil. De um jeito ou de outro, Curitiba não tem nenhum grande produtor ou pelo menos alguém que se identificou tanto com a banda quanto pessoas de fora, e o Xuxu é o maior exemplo disso. E eu acho que, apesar de a gente vir de estilos diferentes, as idéias acabaram batendo.

E quais foram os principais aprendizados nessa gravação?
Leandro: Foi nosso primeiro disco, então a gente aprendeu muito. A gente tinha feito um EP de forma independente, corrido, com seis faixas. E disco tem todo um conceito, a gente quer distribuir por um selo, ter música de trabalho, quer fazer uma coisa maior. Então o trabalho foi muito intenso. E acho que a formação da banda agora se completou com o Rony e o Peterson. O grande lance desse disco é que é o primeiro disco do Charme Chulo em todos os sentidos: a gente tem uma formação definitiva, começamos a usar três vozes, que é algo que a gente não fazia. Realmente eu acho que a banda começou, fechadinha, a partir desse disco.

Igor: É um aprendizado natural. Uma evolução, já que a gente nunca tinha feito uma gravação desse nível.

Tem previsão de lançamento?
Igor: Como a gente quer lançar por um selo isso é muito incerto ainda, porque a gente tá sondando os selos. Se não surgir até lá uma proposta interessante, vai ficar pro começo do ano que vem por uma questão mercadológica. Se você lança o CD no final do ano você lança um trabalho morto, porque perde um ano inteiro. A intenção é sair até, no máximo, março do ano que vem. Se não sair nesse prazo ai a gente vai fazer realmente um trabalho alternativo, colocar tudo na Internet.

Leandro: É, mas de um jeito ou de outro a gente já vai adiantar o trabalho na Internet, colocando cinco músicas no site, duas regravações e três inéditas.

A grande marca pra quem ouve vocês pela primeira vez é o uso da viola. Como foi começar a usar ela na banda e qual a relação de vocês a música popular do Paraná? Leandro: O Charme Chulo nasceu a partir dessa mistura. Eu e o Igor tínhamos outros projetos musicais, com muita influência do rock inglês. O Charme Chulo nasceu quando a sentimos falta de colocar algo brasileiro, não de uma maneira barata, mas porque completaria a gente. E até pelo lance do Paraná ser um Estado que não tem uma identidade muito forte, tem o norte que lembra o interior de São Paulo, o sul lembra mais o Rio Grande do Sul. Essa coisa da viola é muito forte, não só a viola raiz, como também a música brega. E a gente já tava insatisfeito, já tinha letras em português, mas não era nem Charme Chulo ainda, era só um projeto experimental.

Igor: Aí a gente se interessou pela viola caipira e pela sonoridade que poderia surgir dessa mistura, já que era uma música bem representativa no nosso estado.

Leandro: O Brasil em grande parte é rural. O Rio de Janeiro é samba, mas tem Mato Grosso, Minas, Paraná, aqui mesmo no interior de Santa Catarina o pessoal tem essa cultura. E a gente faz isso de uma maneira séria. Ai eu comecei a correr atrás de um monte de tiozinho pra aprender a tocar viola, foi bem engraçado, e a banda surgiu a partir daí. A gente foi experimentando, e foi nesse primeiro disco que encontramos um equilíbrio. Por exemplo, a gente tem seis músicas com viola e seis com guitarras. Dá pra separar friamente assim, mas a gente tenta misturar tudo, pra ficar um bolo só. É legal que o Charme Chulo está sempre se reinventando, a gente não tem uma fórmula. É a viola e as influências da cultura popular mesmo, não só de raiz, mas também das coisas que a gente vê na rua.

Igor: Até vanerão, músicas gaúchas também.

E o fato de o Brasil ser mais popular ajuda na empatia de vocês com o público?
Leandro: É bem engraçado, porque apesar de fazer uma música com viola a gente toca pra um público independente. Tanto que eu tava brincando com o Peterson que a gente poderia tocar na Festa do Pinhão (em Lages, SC), na Festa da Uva (em Caxias do Sul, RS), pra ver qual seria a reação. Eu acho que tem que dar espaço pra todo mundo ouvir música, mas é claro que hoje quem dá espaço pra música própria são pequenos circuitos, pequenos bares. Mas eu acho que a gente tem esse lado da viola, mas explora também esse lado mais alegre, dançante, e acho que facilita. A gente ainda não teve oportunidade de fazer uma mostra pra um público realmente popular, mas eu tenho curiosidade de saber qual seria a reação.

E vocês participaram de alguns festivais nesse ano, como o Ampli, em São Paulo, e o Grito Rock, em Cuiabá. Qual a experiência de tocar nesses festivais?
Igor: É sempre muito importante para qualquer banda que tenha um trabalho próprio e quer mostrá-lo. É uma oportunidade em que o público está reunido em massa, e isso divulga muito mais do que apenas um show que você faça isolado na cidade.

Leandro: Tem prós e contras. Você não passa o som, ajeita só na hora, às vezes viaja muito pra tocar apenas 30 minutos, e aquilo tem que ser legal, mas nem sempre é, não só por culpa do som. Mas é algo bastante interessante, acho que a gente evoluiu bastante com os festivais.

E essa história de cada um se vestir como um estereótipo (Igor é o evangélico, Rony o caubói) foi pensada?
Leandro: Tem a ver, a gente tem que investir na parte visual.

Igor: E pra gente é importantíssimo essa estética, comunicar o que a gente quer passar.

Leandro: Assim como nas letras, nas roupas a gente tem influência popular. Você anda no Centro de Curitiba e vê as pessoas usando chapéu, e não é brincadeira. A gente não forma personagens, e sim se baseia no que as pessoas usam nas ruas, de uma maneira até engraçada. Até parece influência do interior do Paraná. E a gente acaba utilizando isso.

Igor: É o Charme Chulo. É essa mescla, essa dicotomia entre uma cidade tão charmosa com coisas ao mesmo tempo meio chulas.

Mas isso é uma particularidade de Curitiba ou a banda poderia ter nascido em outro lugar?
Igor: Poderia ter sido em São Paulo, talvez aqui em Floripa não, mas em Curitiba isso é bem forte.

Leandro: Eu acho que, na verdade, o Charme Chulo teria que ter nascido em Curitiba, mas nosso estilo representa todo o país. O Brasil inteiro é Charme Chulo. Você tem governantes analfabetos, você tem, sei lá, pessoas que fazem churrascos na Câmara dos Deputados. Mas é que Curitiba fez um certo marketing durante um tempo de uma capital social. E a gente explora isso, porque o Charme Chulo surgiu quando a gente cansou de ir em bares independentes onde só rolava o rock inglês, que a gente gosta, mas via de repente o cara cego tocando viola na rua e pensava : "por que as duas coisas não podem se misturar?"

Charme Chulo seria um estilo de vida?
Igor: É exatamente. Chega nesse ponto. É uma busca estética.

Leandro: É a união dos contrastes, porque são duas coisas opostas, mas dentro do charme tem o chulo. As coisas vão surgindo aos poucos, a gente está andando, vê alguém e diz: "olha, esse cara é muito charme chulo". Estilo de vida eu não sei bem se é, ou uma ideologia, mas é um estilo de banda.

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Site Oficial do Charme Chulo