Buzzcocks
por
Dagoberto Donato
08/08/2003
Junto com o Sex Pistols e o Clash,
eles ajudaram a fundar o punk rock britânico. Vinte e cinco anos
depois e com dois membros originais na formação – Pete Shelley
e Steve Diggle, que dividem as guitarras e vocais -, o Buzzcocks acaba
de lançar um disco que mostra que a banda continua em forma. Intitulado
com o nome do grupo, o novo álbum mostra um retorno à crueza
punk rock do início da carreira sem perder a infecciosa propensão
ao pop demonstrada pela banda ao longo dos anos. Direto de sua casa em
Londres, Diggle falou por telefone à Trama.com sobre o novo disco,
Kurt Cobain e o início do punk, além de ensinar como se quebra
uma TV no palco.
Vocês acabaram de chegar
de uma tour pelos EUA. Como foi?
Chegamos há dois dias após
54 dias na América. A tour foi muito boa. Foi rock. Fantástica.
Primeiro fizemos nossos shows e por duas semanas nós abrimos para
o Pearl Jam. Antes, passamos dois meses excursionando pela Europa. Foram
quatro meses sem parar.
É bom voltar para casa?
É. Mas só vamos ficar
por aqui umas três semanas. Aí vamos para a Espanha e Itália.
Há planos de vir ao Brasil?
Espero que sim. O disco novo acabou
de sair por aí. Estivemos aí há alguns anos. Adoramos
tocar aí. Os fãs brasileiros são muito legais. Eu
quero voltar àquele lugar, a Vila Mimosa. Conhece? Eu estive lá
por uma noite e foi muito bom.
Fale um pouco sobre o novo disco.
É meio que uma volta ao básico.
É mais pesado que o anterior, mas tem todas as características
clássicas do Buzzcocks: as melodias, os grandes riffs. É
um disco bem direto, cru. É como uma volta às raízes
do punk rock. É por isso que decidimos nomeá-lo apenas Buzzcocks.
Porque é como um novo começo.
Como vocês foram parar na
Merge Records?
Nós gravamos o álbum
e alguém da Merge escutou. Eles sabiam que estávamos sem
gravadora e foram muito legais em lançá-lo. Eles têm
sido muito bons nisso. São muito fãs da banda. Não
são uma gravadora muito grande, mas são apaixonados pela
música que eles lançam. Nos sentimos muito próximos
a eles. Não é como uma grande corporação que
só quer que você faça dinheiro. A Merge gosta do Buzzcocks
e da música dos Buzzcocks, e é isso que faz a diferença.
Vinte e cinco anos atrás,
você imaginava que em 2003 você ainda estaria tocando punk
rock com os Buzzcocks?
Não. Eu não sabia se
a gente ia durar três semanas, três anos ou três séculos.
A gente só queria fazer música para aquele momento. Não
sabíamos o que ia acontecer com nossas vidas. Fazíamos o
tipo música que achávamos interessante. Você pode morrer
a qualquer momento. Então nossa filosofia era ‘viva sua vida aqui
agora’. Nunca imaginei que fôssemos durar 25 anos, mas acho que somos
mais rock hoje em dia do que naquela época. Nunca achei que fosse
ser assim porque, teoricamente, você tem que ficar velho e cansado.
Isso nos mantém vivos. Ainda pulo no palco como no começo.
Vocês participaram do início
do punk rock britânico. Como o estilo surgiu para vocês? O
que vocês ouviam na época?
A cena musical estava meio morta quando
a gente começou. Haviam bandas progressivas como Yes e Emerson,
Lake & Palmer que pareciam que iriam ficar por aí para sempre.
A minha geração, que tinha 20 anos, precisava de algo empolgante,
rápido, furioso. Não havia nada assim. Eu lembrava do Who
fazendo grandes discos e quebrando as guitarras dez anos antes. Gostávamos
também do Velvet Underground. Mas não havia mais nada disso.
Queríamos criar algo direto, nervoso e intelectualmente interessante.
As letras do Buzzcocks foram influenciadas pelo existencialismo. Sabíamos
escrever letras e sabíamos escrever músicas. Não éramos
idiotas. Queríamos fazer as pessoas pensarem.
Em 76, vocês convidaram os
Sex Pistols para as duas primeiras apresentações em Manchester.
Havia algum senso de cena, camaradagem ou algo do tipo?
Os Sex Pistols estavam ainda começando
e só haviam feito dois shows em Londres. Eles queriam ir para Manchester
e nós dissemos que ajudaríamos no que fosse possível.
Eles fizeram o primeiro show e não havia muita gente lá.
Eles voltaram a Manchester três semanas depois e nós abrimos
para eles. Todos os jornalistas apareceram para ver o Sex Pistols e viram
também uma banda de Manchester. Acabaram escrevendo sobre a gente
também. O jornal local não acreditava que havia uma banda
assim na cidade. Logo estávamos nos jornais e nas revistas: havia
o Sex Pistols, o Buzzcocks, o Clash e o Damned e isso era tudo. Nos primeiros
meses de 76 éramos as únicas bandas punk da Grã Bretanha.
Mais tarde, apareceu um monte de bandas. O engraçado é que
as melhores bandas foram as primeiras a aparecer. As que surgiram depois
não eram tão boas. E, como alguém disse, somos a única
banda que sobrou. O Joe Strummer morreu, o Joey Ramone morreu, nunca pensei
que fosse ser assim...
Vocês lançaram Spiral
Scratch, o primeiro single punk independente da história. Como foi?
Nós morávamos em Manchester,
que fica a 200 milhas de Londres. Fazíamos o tipo de música
mais anticomercial do mundo. Se chegássemos nas gravadoras em Londres
eles ririam da nossa cara. Diriam que não iriam lançar esse
lixo. Descobrimos que era possível lançar um disco com apenas
400 libras. Parece simples, mas naquela época era difícil
imaginar que poderíamos fazer nossos próprios discos. Fizemos
mil cópias que venderam muito rápido, e tivemos que fazer
mais. Isso inspirou um monte de gente a fazer seu próprio disco.
Abriu muitas portas para pessoas que nunca teriam gravado um disco.
Como foi a gravação?
Foi fantástica. Normalmente,
há a mesa de gravação e a sala de gravação,
separadas por uma janela. Gravamos o disco no corredor, no meio das latas
de lixo. Preferimos gravar lá do que na área apropriada.
E toda vez que o engenheiro de som acertava o som, o nosso produtor Martin
Hannet ia lá e bagunçava tudo. Foi assim que o disco ficou
com esse som esquisito, meio bem produzido, meio mal produzido. É
um som bastante único. Nós poderíamos ter ido para
uma major, ter polido nosso som e no transformado numa banda no estilo
da Costa Oeste americana, como Crosby, Stills, Nash & Young, mas não
queríamos. E quando o disco saiu, ele detonou a cabeça das
pessoas.
Em uma matéria da revista
inglesa Uncut, você diz que quando leu "Hammer of Gods", a biografia
do Led Zeppelin, achou o estilo de vida deles "leve"...
Isso mesmo! Eu e o Pete Shelley podíamos
beber mais que qualquer um que sentasse com a gente. Podíamos usar
toneladas de drogas e sair com milhares de garotas. A mesma coisa que em
"Hammer of Gods". Só que não saíamos falando para
todo mundo porque para a gente eram coisas naturais. Não víamos
como algo importante para nossa imagem ou algo do tipo. Eram coisas que
faziam parte da nossa rotina. E queríamos que prestassem mais atenção
nas nossas músicas do que nas bebidas e drogas e coisa e tal.
O Pete Shelley disse que o Allan
McGee (ex-dono da gravadora Creation e atual dono da Poptones) o ofereceu
um drinque pelo milhão de libras que ele ganhou por causa da influência
do Buzzcocks nas bandas da Creation. De Nirvana a Green Day, passando até
por Oasis e Smiths, vocês influenciaram muita gente na história
do rock. Como se sentem a respeito disso?
É incrível como tantas
pessoas foram influenciadas pelo Buzzcocks. Nós fizemos os discos
que queríamos fazer e isso foi tudo. Não percebemos que estávamos
influenciando as pessoas. Nos últimos anos, passei a pensar a respeito
disso e perceber o quão único é nosso som. As pessoas
utilizam algo disso no som deles, mas só há um Buzzcocks.
É um elogio saber que o Kurt Cobain, o U2 ou o Pearl Jam foram influenciados
por nós. O Eddie Vedder era um fã que ia atrás de
nós nos hotéis e ficava lá com a gente, anos antes
de ter o Pearl Jam. É esquisito encontra-lo agora em circunstâncias
diferentes, com o Pearl Jam sendo tão grande. Foi muito legal fazer
esta turnê com eles. Eu subi no palco com eles no Madison Square
Garden e nós tocamos "Baba O’Riley", do Who. Em New Jersey, nós
tocamos "Rockin’ in the Free World", do Neil Young. Nós agora temos
novos fãs. Sabe a Meg Ryan? Agora ela gosta da banda. Ela falou
com a gente depois do show. O Bruce Springsteen também apareceu.
Ele tem nossos discos. Foi uma surpresa.
Em 94, vocês abriram a última
turnê do Nirvana. Como foi?
Foi fantástico. O Nirvana era
brilhante. Eram muito legais conosco. Eu estava com Kurt três dias
antes de ele se matar. Foi muito triste. Mas a turnê foi ótima.
O Kurt disse o quanto o Buzzcocks o influenciou. A música favorita
dele era “Harmony in my Head”. Ainda fico triste quando penso nisso. É
difícil acreditar que ele não está mais aqui. Nós
nos despedimos em Paris e voltamos para casa. Quando fiquei sabendo da
notícia, pensei "eu estava com ele três dias atrás,
eu podia ter falado para ele não ter feito isso". Acho que não
ia impedi-lo, mas nunca se sabe. Um dia ele me perguntou como nós
sobrevivemos por todo esse tempo. Eu disse que você tem que ter senso
de humor para sobreviver. Somos sérios no que fazemos, mas tem que
rir também, senão você fica louco. Eu escrevi um livro
que vai sair logo e vai se chamar "Harmony in my Head" que vai falar sobre
as mortes de Ian Curtis (eu estava com ele alguns dias antes), Kurt Cobain,
Marc Bolan... Várias mortes no nosso caminho. É incrível
ainda estarmos vivos.
É verdade que você
ensinou o Kurt Cobain como quebrar uma televisão no palco?
É verdade! Quando eles foram
nos ver em Boston, eu quebrei seis televisões no palco. Ele gostou.
E eu o ensinei como fazer. Quando você acerta a tela, ela implode,
e sai fumaça. Se você não acerta direito, você
vai quebrar a TV e não vai sair fumaça. O negócio
é acertar bem no meio da tela e deixar a fumaça sair. É
uma arte. Quebrei muitas televisões até aprender. Achava
que era só acertar a TV e pronto.
entrevista cedida pelo site Trama.com.br
"Buzzcocks" - Buzzcocks (Trama)
por Marcelo
Silva Costa
Mais diluído que gasolina em
posto brasileiro, o punk rock volta à ordem do dia com "Buzzcocks",
álbum homônimo da instituição punk inglesa.
Só que a parada aqui é diferente: "Buzzcocks" é, desde
já, um dos melhores trabalhos da banda, indo na cola do som 77 que
marcou seu inicio de carreira e tão inspirado quanto. É só
ouvir "Jerk", a primeiria música, e perceber que o genial Bad Religion
deve as calças, as camisas, as cuecas, os sapatos e tudo ao Buzzcocks.
Ao contrário de muita gente nova que tem apostado na tosqueira na
produção, o baixista produtor Tony Barber limpou tudo e o
som que sai das caixas é furiosamente nítido, empolgante
e cristalino. Um show de riffs de guitarra na cara da molecada que passou
todos os últimos anos achando que "punk pop" e "punk rock" fossem
a mesma coisa. Duas canções chamam a atenção
sem você ter sequer colocado o CD para ouvir: "Stars" e "Lester Sands"
são parcerias de Pete Shelley com Howard Devoto, recriando o núcleo
inicial do Buzzcocks. Enquanto a primeira tem uma estrutura mais quebrada
com a guitarra zoando tudo por cima, a segunda pinta ser o grande momento
do álbum: um guitarra altíssima abre a música no canal
esquerdo até a entrada da bateria demolidora. O vocal é pura
ironia punk enquanto o refrão serve para se jogar cervejas pro alto
em festas rock and roll. Das 12 faixas, 11 não passam dos 3h20s.
Quem viu os shows que a banda fez no Brasil em julho de 2001 não
deve estar surpreso. Então, os velhinhos mandaram bem de novo.
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