Entrevista - Banda Black Rio
por
André Azenha
Fotos: Divulgação
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12/08/2006
Sempre que jornalistas e críticos musicais tupiniquins resolvem fazer as famosas "Discotecas Básicas" da vida do cancioneiro popular brasileiro, há sempre um álbum que é "batata" figurar entre os escolhidos: Maria Fumaça, lançado em 1976, e que - se não teve na época o devido reconhecimento - com o tempo, fincou seu espaço entre as obras que revolucionaram de alguma maneira a MPB. A história é a seguinte: No Rio de Janeiro na primeira metade da década de 70, mais precisamente na Zona Norte, o movimento Black Rio se estabeleceu (o nome em inglês buscava fundir as línguas) e fazia pessoas influenciadas pelo "Civil Rights Activism" norte-americano, freqüentarem sem parar os bailes de fins de semana.
Tendo em vista a repercussão dessa turma, a gravadora Warner, recém estabelecida no Brasil, resolveu lançar uma banda que fosse a pioneira desse movimento - e também fosse um contraponto a Motown. Para isso, convocou Oberdan Magalhães, saxofonista conhecido ligado a grandes nomes do samba. Junto de amigos como o trompetista Barrosinho, o trombonista Lúcio, o guitarrista Cláudio Stevenson, o baixista Jamil Joanes, o pianista Cristóvão Bastos e o baterista Luis Carlos, ele formou a Black Rio, banda que misturou brilhantemente grooves do samba e do funk com a musicalidade do jazz, gafieira, e criou uma obra dançante. Dessa primeira formação, foram lançados, o já citado Maria Fumaça, e os excelentes Gafieira Universal (de 1978) e Saci Pererê (de 1980). A trupe ainda participou de discos de Luis Melodia e Caetano Veloso e seguiram fazendo shows pelos anos 80 até a morte repentina de Oberdan, em 1984, por causa de um acidente de carro.
Após um intervalo de quinze anos, a banda voltou pelas mãos do filho de Oberdan, Willian Magalhães, pianista, tecladista, arranjador e produtor que já trabalhou com gente como Gil, Caetano, Gal Costa e Ed Motta, entre outros, e que após um trabalho de imensa pesquisa, que incluiu conversas com músicos da primeira formação, decidiu remontar a Black Rio, junto de novos músicos. É dessa nova fase o álbum Movimento, lançado em 2001 pelo selo Regata, e que no ano seguinte levou a formação a ganhar o Prêmio Caras (antigo Prêmio Sharp) como Melhor Banda Pop-Rock, o que de alguma forma ajudou na divulgação do trabalho. "Sempre ajuda. Agora, o que mais ajuda mesmo é a realização da música", comenta Willian. Em 2002, foi lançado na Inglaterra Rebirth, regravação de Movimento com nova mixagem, e uma música a mais. O lançamento ganhou elogios da crítica gringa. "A repercussão foi excelente no mundo inteiro. Houve aceitação de críticos internacionais e no Brasil também. A crítica foi surpreendente", se orgulha.
Em bate-papo agradável com o S&Y em passagem por Santos para show no Bar do Sesc da cidade, o músico comentou porque só Tim Maia conseguiu uma grande repercussão comercial da galera que fazia black-music nos anos 70. "Por várias razões: Porque teve sorte, tinha um baita valor e era um cantor excepcional", diz o músico, que ainda falou do próximo CD, Samba Nova, sobre a possibilidade de criar um disco tão bom quanto Maria Fumaça, cobrou uma melhor política cultural do governo para os negros ("Apesar de termos lá o ministro Gilberto Gil, ele está apoiando muito mais o teatro") e disse que o site da banda terá uma rádio com programação de artistas que influenciaram a turma "black-riana". Atualmente a Black Rio, além de Willian (teclado e backing-vocal), excursiona com Sérgio Carvalho (baixo), Tiago Silva (bateria, filho do Robertinho Silva), Mafrano Maracanã (percussão), Celso Fonseca (guitarra), Marquinhos (voz), Demétrio Bezerra (trompete), Johnson de Almeida (trombone) e Vítor Alcântara (saxofone).
Abaixo, a entrevista completa.
O Maria Fumaça é - até hoje - um dos álbuns mais citados da música brasileira. Depois que você remontou o projeto da banda, existe a pressão e a cobrança de fazer um disco tão bom que cause a revolução sonora que foi ou não há essa cobrança pessoal sua, nesse sentido?
A cobrança sempre existiu. Agora, o Maria Fumaça é um disco que a própria geração do meu pai foi cobrada, isso deles em relação a outros discos, porque foi um trabalho que foi um marco na carreira da Black Rio. Foi um momento que a banda surgiu de uma encomenda internacional feita pelo presidente da Warner, que queria uma coisa diferente pra lançar nos Estados Unidos e fazer uma contraposição à Motown, por ser um selo negro que estava acontecendo de forma significativa, e foi uma jogada de gravadora. Ou seja, foi uma encomenda internacional de fazer um som negro que não tivesse essa coisa peculiar americana. Daí surgiu a Black Rio. E dentro desse projeto, existia todo um tratamento específico. O disco demorou a ser elaborado, mais de um ano, e era uma condição também relacionada a época. Vieram dois técnicos americanos... Além do álbum ser um marco, ele foi um marco em sonoridade. Vieram esses dois técnicos - que gravaram - e mais um terceiro técnico norte-americano mixou o disco em Nova York. E eu acho que a própria banda Black Rio fez trabalhos excelentes nos discos seguintes, mas não conseguiu atingir esse resultado do Maria Fumaça. Até porque a indústria começou a cobrar com o relativo sucesso dele, que a banda se comercializasse mais, e a ela tentou se comercializar, e eu acho que ela foi bem sucedida nesse sentido, porque ela pegou elementos que ela mesmo tinha criado e tentou colocar isso dentro de uma linguagem bem mais popular. Devido ao som que estava nascendo, de uma cultura totalmente antropofágica de misturar samba com sons de James Brown e Steve Wonder, a banda de certa forma não conseguiu superar o primeiro disco por várias razões. O Maria Fumaça é um trabalho com poucas composições originais, mas é um trabalho de arranjos que soam como novas composições. E, além disso, é um trabalho instrumental e o instrumental de certa forma é o tipo de música como o Jazz, que é mais fácil pensar em um Charlie Parker eternizado ou um Miles Davis com obras instrumentais, do que pensar em um trabalho pop. Ali era uma época de efervescência cultural muito grande, e não só a Black Rio, como muitos outros artistas faziam grandes obras. E em relação ao Movimento, comparar ao Maria Fumaça, acho que não. Porque o Movimento, na verdade, é uma iniciativa mais voltada pra essa tentativa inicial da Black Rio nos dois discos posteriores (Gafieira Universal e Saci Pererê) de popularizar mais o som. E isso é algo bem interessante porque muita gente que está tendo contato com a atual formação faz a ponte com a geração anterior. E é uma coisa muito ampla. A gente quer fazer um álbum instrumental também...
Você acha possível conceber um trabalho que cause a mesma repercussão
na música brasileira?
Isso é uma coisa que eu não estou muito preocupado. Não tenho esse tipo de obsessão. Acho que conseguir reproduzir as características da Black Rio em concepção, harmonia e ritmo, já é muito difícil, porque os caras não deixaram nenhum tipo de segredo. Eles faziam arranjos coletivos. Então não havia partituras. Meu pai não deixou partituras. Foi um trabalho de pesquisa que fiz e tive que consultar alguns músicos da formação original - o próprio Lúcio que gravou com a gente o Movimento - sob como se comportavam os instrumentos e que forma se pensava (a música). E acho que chegamos a um padrão de manter aquela concepção e estamos em um processo de evolução, e com certeza, quando tivermos uma condição melhor, de maior reconhecimento, teremos a tranqüilidade de fazer uma Maria Fumaça 2.
Quando você retomou a banda, chegou a sofrer algum tipo de comparação com seu pai?
Sempre. O que me deixou tranqüilo é que mostrei o disco para basicamente quase todos os integrantes (da primeira formação) e todos e eles concordaram que esse resultado seria exatamente o que a Black Rio estaria fazendo hoje em dia. Se meu pai estivesse vivo, estaria tocando comigo (risos).
Seu pai foi sua principal influência?
Sim, foi minha principal influência e, apesar de ser outro instrumento,
foi o cara que me deu todos os toques da música mais importantes,
da parte mais filosófica. Meu pai, como eu, tocou com várias pessoas
da música brasileira. Gil, Caetano, Cassiano, Tim Maia. Enfim, ele
foi o cara que estava dentro desse processo, que foi chamado para
formar a banda, mas acho que a Black Rio... o Maria Fumaça
não foi superado por ninguém na música brasileira dentro dessa área,
desse tipo de estilo que é o samba-funk ou o samba-soul. Então essa
cobrança - de certa forma - existiu, mas fiquei tranqüilo porque
o espírito está aí. Fizemos um disco pensando que não fosse essencialmente
comercial, mas algo que tivesse esse lado também e prevalecesse
a qualidade musical, e conseguimos de certa forma. Claro que não
existe unanimidade - toda unanimidade é idiota - e existem pessoas
conservadoras e que talvez não dêem o braço a torcer. Mas temos
todo um caminho pelo resto da vida para comprovar e reafirmar todos
esses valores "black-rianos".
A black music, o soul que vocês fazem e muita gente boa faz,
são estilos musicais agradáveis. Por que não há o mesmo apelo comercial
no Brasil que, por exemplo, o axé e o pagode?
Eu acho que isso vai refletir em uma questão até sociológica. A música negra brasileira é muito mais conceituada pelo lado do samba ou das músicas folclóricas mais tradicionais. E a própria Black Rio, na época quando ela pintou... Pra você ver, uma banda que tem esse expoente todo de influenciar bandas internacionais como Jamiroquai, na época foi acusada de ser uma banda americanizada. Da mesma forma que outros artistas passaram por isso como Tom Jobim. A questão básica é que mesmo a gente fazendo um som que tenha uma coisa voltada pro soul, pro funk, não o funk de morro, acho que isso é algo muito pouco difundido no Brasil. Quem conseguiu chegar em um maior patamar foi o Tim Maia, ou talvez o Cassiano.
Por que o Tim Maia ultrapassou essa barreira?
Por várias razões. Porque teve sorte, tinha um baita valor e era
um cantor excepcional. No samba, quantos conseguiram? Vários conseguiram.
No rock... Se a gente for comparar, o soul é um modelo importado,
mas o rock também é um modelo importado. E quando falo da questão
social, é a questão da imagem. Nunca em uma cultura, ou em uma sub-cultura
como no Brasil, foi dado muito espaço para o negro, não só por essa
questão de ter sido dado espaço, mas também na iniciativa do negro
da conquista do seu espaço e a formação do negro. Não temos muitos
negros formados, não temos dentro da política uma cultura, apesar
de termos lá o ministro Gilberto Gil, ele está apoiando muito mais
o teatro, que é uma área mais carente que não é auto-suficiente
como a música, enfim... Então os negros aqui ou conseguem uma projeção
dentro de um som mais popular, com apelo como o pagode e o axé,
preferindo isso a fazer algo voltado para o soul, que é uma linguagem
que exige um pouco mais dentro da composição, da letra, tecnicamente
falando. E por essa coisa não ter sido tão difundida, por só haver
o Tim Maia, que seria o maior representante dentro do movimento,
que foi muito forte, acho que era muito peculiar. Hoje em dia vejo
muito isso em São Paulo: a música negra desenvolvida aqui, no Rio
nem tanto, mas é... É só uma questão de tempo de começar a haver
negros dentro de posições sociais e políticas mais bem colocadas,
de forma que possa incentivar... O rap pode ser até ser um salto,
como está acontecendo com o Marcelo D2. (Talvez) possa transcender
a questão da soul music, que é o que consigo ver como tomando conta
desse setor. Tem o Seu Jorge também. E a Black Rio quer se colocar
nesse setor, dentro de um prestígio que já existe.
Mudando de assunto. Como foi a repercussão do Rebirth (regravação internacional para o Movimento, com outra mixagem e uma música a mais) na Inglaterra?
A repercussão foi excelente no mundo inteiro cara. Houve aceitação de críticos internacionais e no Brasil também. A crítica foi surpreendente. Um dos críticos disse: "Black Rio tem aceitação surpreendente da crítica". Então acho que o nosso disco tem uma puta qualidade mesmo, é bem gravado, gastamos muito dinheiro para fazê-lo, até além da conta pra não correr nenhum tipo de risco, ganhamos o prêmio Caras...
Esse prêmio ajudou na divulgação do trabalho?
Sempre ajuda. Agora o que mais ajuda mesmo é a realização da música.
Esse próximo disco continua com a onda blacksoul, mas puxa um pouco
pro samba. A Black Rio sempre será matriz para essas pesquisas entre
samba, funk, baião, e estamos fazendo isso com um pouco mais de
tendência pro samba, por ter uma aceitação maior. Teremos duas músicas
do Jorge Ben que serão regravadas com arranjo "black-riano"...
Quando sai? De maneira independente? As músicas estão prontas?
Já temos músicas prontas, e pode ser de forma independente. Temos
um site que tem uma procura absurda.
Tem nome o álbum? Quantas músicas?
Samba Nova... Doze músicas. A previsão era pra sair em 2007, mas pode sair esse ano. Dependo ainda de alguns fatores. Cheguei em São Paulo agora...
Como está a freqüência de shows?
Até que está boa. Tivemos uma média de um show por semana até abril. É uma freqüência razoável. Não estamos com uma mídia muito grande e a questão agora é partir para o disco novo mesmo e colocar o show na rua. O nosso site terá uma rádio, com bandas que nos influenciaram, tanto americanas como brasileiras.
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Site Oficial
da Banda Black Rio
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