Entrevista - Big Gilson
por André Azenha
Foto: André Azenha
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25/05/2006

"Quando vejo um jovem tocando blues tão bem assim e tão longe da América, sinto que minha missão nesta vida está cumprida..."

A frase acima é de nada mais, nada menos que do mestre BB King, e se refere ao músico brasileiro Big Gilson. O carioca já tem onze álbuns lançados na carreira e prepara para lançar o décimo-segundo, uma homenagem ao ex-companheiro inglês The Wolf, como ele conta em primeira mão para o S&Y."(...) No próximo semestre vou lançar um disco muito maneiro, que acho que é o melhor disco que já gravei. E posso dizer o nome em primeira mão, chama-se Chrysals. É fruto de uma parceria que fiz com um cantor inglês chamado The Wolf. (...) Faremos uma homenagem para ele. Todas as músicas são inéditas, minhas e da banda. Será muito diferente e os puristas talvez não gostem muito", comenta o guitarrista, que não aceita ser chamado de bluesman. "Eu sempre me considerei um tocador de blues e não um bluesman", afirma.

Contratado da Top Cat, Gilson tocava com a lendária guitarra Fender, mas atualmente sobe aos palcos com um instrumento 100% brasileiro, a guitarra Walker. Acostumado a se apresentar fora do país, o músico considera o público nacional completamente diferente do estrangeiro. "Há muita diferença. Lá os caras conhecem muito, não dá para enganar, tem que mandar brasa mesmo. Tem que evoluir muito para fazer algo lá fora. Por aqui o público aceita muito, por saber que você é bem recebido lá fora", comenta orgulhoso. Ao vivo, o cara sabe como entreter a platéia. Ele passeia por todos os estilos do blues, toca rock, deixa as pessoas subirem ao palco e manda bem no vocal.

Em um bate-papo divertido e agradável com o S&Y, enquanto afinava as cordas de sua guitarra depois de ter pego um trânsito lento na estrada, o músico também falou sobre influências, deu uma cutucada nos puristas do blues, contou um pouco de sua história, disse quem são seus ídolos e valorizou as empresas fabricantes de instrumentos e materiais musicais do Brasil. Segue abaixo entrevista completa com essa figura gente finíssima:

Como surgiu seu interesse pela guitarra e pelo blues?
No começo eu curtia som e quando vi o Johnny Winter tocar Jumping Jack Flash, dos Rolling Stones, fiquei fissuradão. Eu sempre ouvia bastante rock, que foi por onde conheci o blues, daí me amarrei. Sempre gostei muito de rock. Gosto de todas as vertentes que o blues pode dar. Não toco só Texas, ou Chicago ou o blues britânico... o delta tem um (som) acústico que me amarro também...

Você aprendeu sozinho?
É, eu sempre fui autodidata. Sempre fui de tocar sozinho, ouvindo, tirando as músicas. Aliás, eu nunca fui muito tirador de música. Eu sempre fui de botar ao fundo e ficar tocando junto.

E como rolou o contato com a Top Cat?
Foi quando um americano, presidente da Top Cat, o Richard Show, esteve no Brasil, e nos conhecemos. Ele ouviu - na época eu estava (gravando) pela Eldorado - gostou, se interessou e botou uma pilha para fazermos um selo por aqui. E eu não queria muito fazer não. Fui para os EUA gravar meu segundo disco solo, Cap Driver Blues, com o Alan Green, e a gente gravou o CD, ficamos orgulhosos, ficou muito maneiro e pensamos: “vamos partir pro nosso lance, criar a nossa independência”. O Richard produziu o disco. Quando cheguei no Brasil, disse: “vamos fazer”. E tenho muito orgulho por tudo isso. Lançamos um monte de gente legal, o Fernando Noronha, Lan Caster, o Álvaro Osmar. Eu e o Alan descobrimos um disco perdido do Muddy Waters! Lançamos aqui pela Top Cat, começamos a Top Cat com ele, e ele ganhou o Grammy do Blues e temos muito orgulho de ter dado esse pontapé...

Você costuma fazer muitos shows fora do Brasil. Como está o cenário blues no Brasil?
O blues aqui e no mundo todo não é uma coisa fácil, não é um produto de massa, e as gravadoras - um tempo atrás - queriam uma coisa imediatista. Tanto aqui como lá fora não é fácil. Quando comecei lá fora, eu queria provar (pra mim mesmo) tocando lá, uma coisa de auto-afirmação minha. Atualmente é algo de sobrevivência mesmo. No Brasil não daria para sobreviver (tocando blues). Tenho dois filhos que foram criados comigo tocando blues.

Você sempre viveu apenas da música?
Sempre não. Faz uns 14 anos. Eles (os filhos) eram pequenininhos quando decidi largar tudo para viver apenas do blues. E tenho muito orgulho de ter sido super aceito lá fora. Tenho muitos seguidores na América e na Europa, críticas positivas. Eu sempre me considerei um tocador de blues e não um bluesman. Bluesman são os negros e tal, mas eles me consideram um bluesman, coisa que eu mesmo não concordo.

E há alguma diferença entre o público lá de fora e o daqui?
Há muita diferença. Lá os caras conhecem muito, não dá para enganar, tem que mandar brasa mesmo. Tem que evoluir muito para fazer algo lá fora. Por aqui o público aceita muito, por saber que você é bem recebido lá fora. Atualmente há a internet que facilita muito (para) o público, que está se desenvolvendo junto com os músicos. A coisa só tende a crescer mais.

E não acontece de rolar algum olhar torto por você ser brasileiro e o blues ser considerado um estilo de americanos e ingleses?
Acontece até hoje. Rola a diferença. Um brasileiro desperta a curiosidade das pessoas, e foi muito difícil no começo...

Inclusive a guitarra que você está usando atualmente é fabricada no Brasil...
É, uma das guitarras que uso é a Walker, fabricada pela Hering...

E não deixa nada a desejar em relação as gringas?
Não... Já fiz três turnês pela Europa com ela e nos Estados Unidos também.

E como aconteceu esse contato com a Walker?
Coincidiu por que o Jéferson Gonçalves, meu amigo, me apresentou uma empresa séria. O instrumento está sendo distribuído na Europa. Meu amplificador é nacional, o Meteoro. Minha pedaleira é nacional. Eu procuro contribuir com empresas sérias nacionais. Agora mesmo o cara do som riu e perguntou: "Vai usar esse amplizinho aí?" E quando toquei, ele viu o som que saiu. Então existe esse preconceito do brasileiro achar que tudo lá de fora é melhor, mas me sinto super feliz por que tenho um estilo próprio de tocar, cantar. Os estrangeiros desconfiam, mas quando vão ver o som, conferem que tem uma pegada diferente.

E dos caras que você dividiu o palco, qual que você mais gostou ou que possa ser seu ídolo?
Olha, eu não consegui dividir o palco com meus maiores ídolos, que foram Buddy Guy, Eric Clapton, Steve Ray Vaughan, Fred King, enfim... Mas teve o BB King... Toquei duas vezes com ele e foi super emocionante.

Ele é mesmo o rei do blues?
Eu acho que esse lance de rei do blues é muito mais de marketing, mas que acaba ajudando e divulgando o blues. Um rei não existe. Tem vários reis. Há quem é bom e quem não é bom. Mas com certeza ele é o maior embaixador do blues, que fez mais sucesso fora do estilo.

Quais os projetos para esse ano?
Nesse ano acho que não volto mais para a Europa, mas toco nos Estados Unidos e no Brasil. E no próximo semestre vou lançar um disco muito maneiro, que acho que é o melhor disco que já gravei. E posso dizer o nome em primeira mão: chama-se Chrysals. É um fruto de uma parceria que fiz com um cantor inglês chamado The Wolf.

Você até excursionou com ele na Inglaterra...
É... Fiz show na Inglaterra com ele. Nos Estados Unidos, infelizmente, ele teve um ataque cardíaco fulminante e faleceu. Faremos uma homenagem para ele. Todas as músicas são inéditas, minhas e da banda, com algumas letras do Wolf e de sua mulher. Será muito diferente. Os puristas talvez não gostem muito. É uma mistura de blues com country, rockabilly...

Já fez algo completamente fora do blues?
Já fiz coisas mais rock, mas misturando o blues...

Você se ofende em ser chamado de roqueiro?
Eu adoro rock. Minha essência é rock. Jamais tive problema com isso. Agora, na Inglaterra eu tinha um show num pub e no show da banda que tocaria antes, o guitarrista passou mal e me chamaram pra fazer o show com eles. E era uma banda de covers de clássicos do rock, como Stones, Beatles, Led Zeppelin... Fui lá e fiz o show com os caras. E acabei ficando uma semana a mais tocando com outra banda e foi muito maneiro. Adoro The Who. O outro guitarrista não solava e eu ficava lá só olhando e mandando ver.

E como você concilia as aulas com a estrada?
É complicado, pois só dou aula no Rio e as agendo mês a mês. Vejo o que vai ter, como dá para encaixar e vai indo. Aqui no Brasil nunca tem uma turnê grande para fazer. Dá para conciliar bem; só quando vou para fora que complica.

Quer deixar um recado pra quem curte blues?
Que o pessoal curta mesmo e ouça de tudo, mas que ouçam o blues. Quem pega o blues não solta mais. O bacana na música brasileira é que as pessoas gostam de tudo. Lá fora não; mesmo no blues, o cara gosta ou do (som de) Chicago ou West Coast... O conceito de blues no Brasil é muito mais vasto. Os caras nem consideram Steve Ray Vaughan blues lá fora. Lynard Skynard é considerado classic rock. Eu acho isso uma besteira. O negócio é som bom e mandar brasa.


Big Gilson no Bar do Sesc de Santos - 20/04/06
por André Azenha
Foto: André Azenha
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25/05/2006

O Bar do Sesc de Santos teve a oportunidade de receber o "tocador de blues" carioca Big Gilson, que havia acabado de chegar de uma turnê pela Europa e faria seu primeiro show no país depois da excursão. Como geralmente acontece nas quintas, o local ficou lotado, com gente de todas as idades, sendo que para essa noite, muitos músicos compareceram para presenciar essa fera do blues brasileiro.

No repertório, Big Gilson mesclou músicas de fases diferentes de sua carreira e espertamente reuniu blues de todos os estilos. Os suingados agradaram mais a platéia. Entre as executadas; destaque para a abertura com Puro Feeling e a seqüência com Tell me Baby e Fell To Good. Após essas - e com a platéia na mão - ele pôde se soltar mais e improvisar solos incendiários. O rapaz também canta, e bem. Sua voz com sotaque carioca se encaixa no seu modo de tocar e os músicos que o acompanham, Caio Doghione na bateria e Izal de Oliveira no baixo, são muito competentes. Gilson ainda brincou com a platéia sobre seu sotaque, pediu para baterem palmas, foi atendido e seguiu com Mr. Freeze, uma bela versão slide de Tell Me Baby e saiu do palco para um retorno triunfal no bis.

E não foi só um bis, foram dois!!! No primeiro retornou com o blues e no segundo surgiu o rock’n’roll. A alegria de alguns jovens universitários que chegaram no meio da apresentação estava feita. Eles haviam dançado, gritado e chegaram a entoar o famoso coro “Toca Raul”. Big disse - espertamente - que não rolaria Raul, mas que a música que ele tocaria seria de alguém que Raulzito lhe havia dito gostar muito, um pout-pourri com as clássicas Gret Balls Of Fire e Johnny Be Good. Pessoas subiram no palco, que ficou lotado e o moço ainda colocou a guitarra em volta do quadril de duas belas garotas (uma de cada vez) e seguiu solando. Ao final, ganhou beijos e abraços de ambas. Após uma hora e meia de show e cerca de quinze números, a certeza de que o Brasil segue bem representado no blues.

Site Oficial de Big Gilson