"Testosterona", Bersuit Vergarabat
por Leonardo Vinhas
Blog
12/02/2006

Não ouvi todos os discos, lançados por todos os artistas do mundo, no ano de 2005. Mesmo com a, digamos, facilidade que a Internet traz, é impossível ter acesso a todo e qualquer material gravado no planeta. Então, é bem provável que haja no Sri Lanka uma banda de jazz funk demolidora, ou que nos subúrbios da Guatemala haja um estudante de engenharia que nas horas vagas reinventa a música pop com sons de animais e serrotes aplicados sob um moog cuidadosamente adulterado. Mas dentre as minhas experiências auditivas de coisas lançadas no ano passado, nada se destacou mais que Testosterona, oitavo disco do octeto argentino Bersuit Vergarabat.

Como é possível que um disco de uma banda argentina tenha sido o melhor do ano para alguém, principalmente um "não-argentino"? Como é possível que uma banda, cuja carreira anterior mais parece um pastiche de rock, e que já gravou uma versão em espanhol de O Tempo Não Pára, de Cazuza, (para abrir seu álbum de estréia!), possa fazer algo digno de nota? Por Deus, como é possível que um disco com uma capa tão horrível dessas possa ter um conteúdo digno?

A resposta à maioria dessas perguntas é: eu não sei. Não sei mais um monte de outras coisas, as quais estou tentando saber, mas vou tentar exercer um esforço argumentativo para explicar porque Testosterona emplacou o primeiro posto de minha lista pessoal. Deixemos preconceitos tolos à parte: essa rivalidade Brasil x Argentina é uma das coisas mais palermas de nosso país. E é no nacionalismo portenho, que tanto incomoda aos brasileiros, que os bersuiteros fundamentaram seu maior sucesso, La Argentinidad al Palo, "uma enumeração de nossas virtudes e misérias que continua sem data de validade" (segundo a Rolling Stone argentina) cuja ponte trazia o brado "argentinos, gracías a Díos!".

A moral conquistada pela banda com o álbum duplo epônimo foi algo semelhante ao que aconteceu com os Titãs à época de Cabeça Dinossauro: status de maior e mais atrevida banda do país, ainda que o material revelasse mais uma banda com talento para artificialidade, que consegue soar incrivelmente real para os ouvidos de uma geração que não consegue achar outro parâmetro musical ou lírico. Ainda assim, tal como cabeça, La Argentinidad... tinha boas canções e hits imediatos, que garantiram à banda agendas repletas e estádios idem, além de lhes prover estofo para ressuscitar a carreira do rocker aposentado e junkie em franca atividade Andrés Calamaro (um dos nomes mais importantes da música argentina contemporânea). Tanta coisa também rendeu a Gustavo Cordera, o vocalista careca (são três ao todo) que é a efígie da banda, stress, síndrome do pânico e abuso daquelas substâncias que rockstars juram não consumir.

Tendo recuperado seu cantor, a banda se reuniu em estúdio e se lançou a produzir intensamente, motivada pelo sucesso inconteste e abalada pelo stress decorrente do mesmo e, acima de tudo, pela tragédia de Cromañon (incêndio que matou 194 pessoas e feriu outras centenas no show da banda Callejeros em 30/12/2004 e dividiu a história do "rock argento" em antes e depois do "30-D"). Os resultados foram dores existenciais, escatologia e pauladas no rabo de uma sociedade em crise, revestidas pela combustão dos mais diversos e inusitados estilos musicais.

Assim, enxertaram bolero no reggae (Sencillamente), fizeram britpop como os próprios ingleses não fazem mais (Madre Hay Uma Sola, maior sucesso do álbum até agora), criaram um country rock com toques gardelianos (Esperando el Impacto) e jogaram rock na murga rioplatense (Andan Yugando e En La Ribera).

A última canção citada, essa é uma coisa de louco: toques fantasmagóricos de acordeão sustentam vozes que se revelam gradualmente ameaçadoras ou zombeteiras, até que uma breve orgia de sedução venha no refrão para enfim explodir em outra orgia, agora percussiva, no final. No meio de tudo isso, o verso cruel na voz de Carlos Sbarbati: "é violento o seu desespero".

Ainda que as últimas quatro faixas não mantenham o nível tão alto, por estarem imbuídas de nostalgia (Barriletes em especial) e não tão bem resolvidas musicalmente, o resto do disco traz canções de calibre poderosos, ainda que com acentos mais "reginonais", seja na balada dramática Yo, na celebração irônica e dolorida de Me Duele Festejar ou na cumbia machista O Vas A Misa O Vas A Mi Salamin (algo como as Velhas Virgens tentando tocar no Carnaval argentino, assessoradas por um maestro tradicionalista).

De qualquer forma, antes de Sencillamente (que é a quarta faixa), eu já havia me rendido à violência hormonal de Testosterona, um título que espelha não uma masculinização estereotipada, mas detalhes sutis e traços explícitos de homens que buscam honrar a si próprios. Um disco poderoso, que ganhou edição no Brasil e pode ser encontrado sem muita dificuldade. O melhor de 2005. Argentino, gracías a Díos.


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Site Oficial da Bersuit Vergarabat