Let It Bed -
Arnaldo Baptista
por
Marcelo Costa Foto: Divulgação Outracoisa
maccosta@hotmail.com
20/09/2004
Let It Bed, CD que surge encartado na revista Outracoisa número 6, marca o retorno do ex-Mutantes Arnaldo Baptista à música. 'Retorno' em termos, já que Arnaldo nunca deixou de tocar, mas morando em um sítio em Juiz de Fora, Minas Gerais, o músico se afastou de tudo e todos. Foi preciso que um 'mutirão', capiteando primeiramente pelos músicos John (guitarrista do Pato Fu) e Rubinho Troll (ex-vocalista da banda Sexo Explícito) e "comprado" por Lobão, montasse um PC para Arnaldo com vários programas de áudio em seu sítio para que a veia musical do ex-Mutante falasse mais alto. E fosse gravada.
Arnaldo tocou tudo no disco: baixo, bateria, guitarra, piano,
violão, banjo, gaita, caixa de fósforos e um gerador de freqüências.
A produção é assinada por John. Let It Bed é, mais
do que qualquer coisa, um registro histórico. Não é um disco
de fácil audição, com refrões, músicas pegajosas e melodias
assobiáveis. Seria difícil esperar isso de um disco que tem
faixas inspiradas em Bach e Shakespeare. Quem for ouvir esperando
algo popularesco, não irá saborear a genialidade de um homem
que sabe que "a carne é triste". "Não é um disco de rock.
É um disco de canções", conta o produtor John em entrevista
para a Outracoisa.
"Não queríamos um CD que soasse como um disco moderninho de
música eletrônica com samples do Arnaldo. Queríamos que ele
registrasse à sua maneira suas novas canções e depois ajudaríamos
a dar um acabamento à altura do seu talento", explica John.
Das 13 faixas, Arnaldo assina 10. Gurum Gudum é uma
canção que o músico recorda da infância. "Meu avô, que tinha
14 filhos, era coronel e construiu o próprio violão. Há muitos
anos ouvia o vovô entoar uma música que decorei", conta Arnaldo
na publicação. A música traz sapos, bois e parece uma canconeta
infantil. Arnaldo canta com dificuldade, e emociona. Everbody
Thinks I'm Crazy é da trilha de um filme do Pica-Pau,
de 1941, mas faz a ponte com o Arnaldo mágico de Balada
do Louco, de 1972. "Dizem que sou louco, por pensar asssim.
Se eu sou muito louco, por eu ser feliz", dizia o clássico
mutante. "Everbody Thinks I'm Crazy, Yeah! Crazy is Me, And
What More Can I Do?", pergunta a canção do Pica-Pau.
Como conceito, o disco começa realmente na terceira faixa.
"LSD tem a ver com Bach", explica Arnaldo. "Ele andava
15 quilômetros até a igreja para poder tocar em um orgão.
Louvado Seja Deus também combinou com LSD, que tem
a ver com Lucy In The Sky With Diamonds, de endeusar-se
algo, de alguma coisa que se adora", completa. "É uma das
mais emblemáticas", diz John sobre LSD. "É psicodélica,
tem aqueles 'statements' do Arnaldo", resume. Arnaldo tenta
encaixar voz e letra na melodia, o piano escapa, volta, parece
tudo se perder e, ao mesmo tempo, parece tudo tão poeticamente
rock que chapa.
Já To Burn Or Not To Burn tem relação com Shakespeare. "Literatura inglesa, teatro e rock'n'roll", segundo Arnaldo. "Essa dá para dançar", completa Rubinho Troll. O baixo comanda enquanto Arnaldo brinca com a voz. Bailarina é uma balada ao piano que remete a... balé. Tem um pouco de bossa e de música clássica também. Deve Ser Amor é viajandona. "Eletricidade solar nos carros não poluem nem gastam nada", canta Arnaldo na introdução. Um baixo forte sugere dança logo depois até a canção enlouquecer no meio e cair novamente no baixo matador: "Deve ser amor o que estou sentindo", diz o refrão.
Nobody Knows é um gospel tradicional americano que
Arnaldo improvisa ao piano, enquanto Imagino e Encantamento
são líricas e Ai Garupa brinca com violões, gaitas
e o backing vocal de Lucinha Barbosa para desenhar uma paisagem
poética de rara beleza: "Deixa essa paisagem passar, tenho
medo e cuspo em tudo, só não cuspo no chão e no violão".
Apenas duas canções não fazem parte do rol de músicas gravadas recentemente por Arnaldo. Tacape foi gravada ao vivo em fevereiro de 1981, no TUCA, em São Paulo. E Cacilda, que foi gravada em fita K7 no final dos anos 70 (ou ínicio dos 80), originalmente em voz e piano.
Além da reportagem sobre Arnaldo Baptista, que conta com um 'faixa-a-faixa' escrito pelo músico, a sexta edição da revista Outracoisa traz Lobão entrevistando o jornalista e produtor Carlos Eduardo Miranda, e um especial sobre o festival independente Bananada, de Goiânia.
História
Após lançar alguns clássicos da música brasileira com Os Mutantes (que incluía, além de Arnaldo, Rita Lee e Sergio Dias), Arnaldo lançou em 1974 seu primeiro disco solo, Lóki (que também está sendo relançado), constantemente apresentado como uma das obras-primas do rock brasileiro. Em 1976, já fora dos Mutantes, o músico passou a tocar com o grupo Patrulha do Espaço. No ano seguinte, gravou um álbum no Estúdio Vice-Versa, que se manteria inédito até 1988, quando foi lançado em vinil: O Elo Perdido. O disco nunca foi lançado em CD.
Em 1980, Arnaldo lançou o álbum Singin' Alone, na estréia do selo Baratos Afins, de Luís Calanca. Porém, a carreira do músico sofreu um baque no início de 1982, quando, internado em uma clínica de São Paulo, o músico sofrue um acidente, que muitos acreditam ter sido uma tentativa de suícidio: Arnaldo caiu da sacada do 3º andar do hospital quebrando sete costelas, obtendo um edema cerebral e outro pulmonar, uma lesão do braço esquerdo além de várias outras espalhadas pelo corpo.
Com o carinho e os cuidados de Lucinha Barbosa, Arnaldo, aos poucos, voltou a viver. E a compor. "Não dá nem para acreditar. No fundo, no fundo, eu já sabia que ia acontecer, mesmo com a medicina toda falando que não tinha jeito. Logo após o acidente, ele era um vegetal, uma bela cenoura. Os médicos diziam que com a lesão cerebral que ele teve seria difícil voltar a tocar e impossível voltar a criar", disse Lucinha em entrevista para o jornalista Pedro Alexandre Sanches, da Folha de São Paulo.
Foram 22 anos desde o acidente e Let It Bed marca o retorno de uma das cabeças mais inteligentes do rock brasileiro em todos os tempos. Como diz uma de suas novas canções, LSD, "Louvado seja Deus que nos deu o rock'n'roll".
O disco ainda conta com uma faixa multimídia contendo fotos, discografia e videos animados com desenhos e pinturas do Arnaldo Baptista. A revista Outracoisa número 6 está nas bancas, ao preço de R$ 12,90.
Site oficial da revista Outracoisa
Site Oficial de Arnaldo Dias Baptista
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