"Favourite Worst Nightmare", do Arctic Monkeys
por Marcelo Costa
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12/04/2007

Você aperta o play e é sumariamente atropelado por... barulho. Uma batida de bumbo aceleradíssima clama por atenção. Uma guitarrinha sacana risca um dos lados do fone até se transformar em quase riff. O baixo de marcação forte, no meio, poderia derrubar um prédio. Confusão. Tudo isso junto causa um estranhamento que exige atenção: "o que está acontecendo", pensa o ouvinte, enquanto o massacre continua. Essa violência dura pouco mais de vinte segundos, e serve para apresentar "Favourite Worst Nightmare", segundo álbum do Arctic Monkeys. Trata-se de "Brianstorm", canção que abre o disco, e o representa como primeiro single. Sem meias palavras: é o single com abertura mais violenta de um álbum de "rock" desde que o Nirvana colocou "Smells Like a Teen Spirit" nas lojas, quinze anos atrás.

Quando a poeira baixa, após os vinte e três segundos de barulho que abrem a música (e o álbum), "Brianstorm" se transforma em uma canção dançante carregada por um baixo marcante, guitarras quadradinhas entupidas de eco, um tecladinho no fundo, e o vocal de Alex Turner bem à frente. O arranjo é esperto e variado. Os riffs de guitarra se repetem, mas a bateria faz vários caminhos diferentes, incluindo o comando de breaks que servem para se olhar para os lados e perceber os destroços deixados pelo chão. "Brianstorm" (não confundir com Brainstorm) conta a história do tal Brian, um anti-herói moderno, amado por uns e odiado por outros. "Alguns querem te beijar, outros querem te chutar", canta Alex. A tempestade no formato de dois bumbos retorna no final da canção.

Após vender 360 mil cópias de seu álbum de estréia na primeira semana de lançamento, o Arctic Monkeys decidiu não facilitar neste retorno. Em sua primeira audição, "Brianstorm" assusta. O ouvinte só consegue digerir a música ali pela terceira audição, quando ela já entrou em algum lugar do cérebro e irá clamar por repetição. E escolher uma música difícil como "Brianstorm" para primeiro single diz muito sobre a banda. Porque qualquer uma das quatro excelentes faixas seguintes poderia ter aberto o caminho para o disco com mais 'facilidade'. Porém, o quarteto de Sheffield optou pela via contrária, e jogou no colo do público a canção mais esporrenta e complicada do álbum, o que pode funcionar para delimitar o domínio da banda sobre seu futuro, tanto quanto para testar os limites de aceitação de seu repertório. Especulações a parte, "Brianstorm" é um dos hits do ano.

"Favourite Worst Nightmare" não é só feito de "Brianstorm". Embora nenhuma das outras onze canções tenha a mesma obsessão pelo barulho – e a mesma qualidade deste primeiro single – ao menos mais cinco canções duelam guitarra a guitarra por sua atenção. São elas: "Teddy Picker", "D Is For Dangerous", "Balaclava", "Fluorescent Adolescent" e "If You Were There, Beware". Nestas cinco canções o ouvinte poderá observar as principais influências do Arctic Monkeys muito mais lapidadas nesta segunda investida. O rap quase discursivo ganha espaço no som da banda envolvido por batidas funkeadas, mas a melodia vocal também marca presença num interessante duelo. E numa audição cuidadosa será possível perceber ecos de Strokes, Smiths e White Stripes perdidos pelo álbum, quase que na mesma dose. E Queens On The Stone Age, mas bem rápido.

"Teddy Picker" parece saída dos anos oitenta com sua linha de baixo saltitante. "D Is For Dangerous" tem um começo Strokes que é logo esquecido pelo vocal em dueto suingado de Alex Turner com o baterista Matt Helders. É a canção que traz o título do álbum na letra, e uma das que lembram White Stripes (no refrão). "Balaclava", a próxima, é acachapante. Começa com Alex cantando sobre uma linha de baixo até entrarem os outros instrumentos, em uma freqüência alucinada. Difícil decidir se acompanhamos o vocal ou prestamos atenção na cama instrumental feita por baixo dele, completamente ensandecida. "Fluorescent Adolescent" é outra em que a introdução exala audições de Strokes numa primeira ouvida, mas cujas raízes remontam aos Smiths fase final. Baixo, vocal e guitarra fazem linhas melódicas diferentes que se encontram no refrão pop.

"If You Were There, Beware" é outra das boas canções do álbum a rivalizar em sandice com "Brianstorm". Lembra algo de White Stripes (novamente, e para ser mais especifico, é a melodia do refrão de "Seven Nation Army") e tem potencial de single. "The Bad Thing" é outra das que lembram Smiths, agora fase inicial (na letra, Alex culpa o vinho vermelho pela traição) enquanto "Old Yellow Bricks" também tem algo de White Stripes. Esse é o lado dançante de "Favourite Worst Nightmare". Mas há também calmaria no disco, representado não a toa pelas canções que fecham o lado A e B da versão em vinil do álbum: "Only One Who Knows" (lado A) é uma baladinha sixtie de voz e duas guitarras que conta sobre um romance verdadeiro que não poderia ser vivido nos dias de hoje. "505" (lado B) narra o amor separado por um vôo de 45 minutos. Começa com a voz sobre teclados climáticos, e depois cresce até virar barulho, e morrer.

Com seu segundo disco, o Arctic Monkeys mostra que continua o mesmo. Como bem disse o baterista em entrevista para a revista Bizz, apenas um ano separa "Favourite Worst Nightmare" de "Whatever People Say I Am, That's What I'm Not", a estréia recordista. Não mudou muita coisa na vida destes quatro moleques. Eles ainda estão vivendo os 15 minutos de fama proféticos de Andy Warhol. E é por isso que, mais do que mudanças ou evolução, o que "Favourite Worst Nightmare" revela é a mão de James Ford na produção. Muitos acreditavam que o produtor (de bandas como o Klaxons e Simian Moble Disco) fosse levar os Monkeys para o lado eletrônico da força, mas isso não acontece. O que Ford realçou foi o acento funk/rap do grupo. Ele limpou quase toda a sujeira das guitarras, colocou a voz de Alex à frente dos instrumentos, e ao lado dela o baixo, responsável pelo suingue de canções como "Brianstorm", "Teddy Picker" e "D Is For Dangerous" (e também "Temptation Greets You Like Your Naughty Friend", b-side do single "Brianstorm", que conta com a participação do rapper Dizzee Rascal). Assim, as guitarradas ficaram em segundo plano, mas estão por ali fazendo barulho e charme. Com exceção dos tais vinte e três segundos demolidores do primeiro single, o Arctic Monkeys que conquistou a Inglaterra no ano passado ainda é exatamente o mesmo. E isso é uma boa notícia.

Se você é daqueles que se incomodam com o hype em torno da banda, por alguns minutos, feche os olhos e preste atenção na música. O Arctic Monkeys não tem culpa de ser o queridinho da imprensa britânica, do mesmo jeito que não tínhamos culpa de sermos os queridinhos daquela tia rechonchuda que adorava apertar nossas bochechas (argh!) quando éramos crianças enquanto repetia "que bebê fofo, que bebê fofo" (e que hoje, dezenas de anos depois, nem se lembra do nosso nome – hehe). Tampouco, a banda pode ser culpada por ser apontada como o novo Messias do rock por críticos exagerados que enxergam coisas que não existem (ainda). Em dois anos, estes quatro moleques ingleses lançaram dois álbuns acima da média. Eles estão amadurecendo frente ao público (e a imprensa), e estão se saindo muito bem. "Favourite Worst Nightmare" é prova disso, mas você precisa deixar seus preconceitos de lado. E ouvir a música. Vale a pena.

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