"Entrevista - Alex Antunes"
por
Daniel Faria Blog
07/05/2007
Se você é parte da minúscula parcela da população interessada
em cultura pop que costuma conferir o nome da pessoa que escreveu
o que você está lendo, então provavelmente você já ouviu falar
de Alex Antunes, um dos principais nomes do jornalismo especializado
em música no País. Para quem não sabe, Alex foi editor da Bizz
nos anos 80, fundou a revista sobre cinema Set, já passou pelo
Estado de São Paulo, pela Folha de São Paulo e pela revista
Veja.
Para comprovar que todo critico de rock é um músico frustrado, Alex já teve vários projetos musicais, dos quais se destacam o Akira S e as Garotas que Erraram, um dos símbolos do underground paulistano da década de 80, e o Shiva Las Vegas, além de ter atuado como produtor de álbuns tributo para o mutante Arnaldo Baptista e para o rei do baião Luis Gonzada. Seu livro, "A Estratégia de Lilith", está sendo roteirizado para o cinema, e deve ser rodado esse ano.
Acha pouco? Pois bem, Alex é ainda o idealizador de festivais musicais como o Com:Tradição, de 2003, que reunia artistas malditos como Jards Macalé, Arnaldo Baptista e Maria Alcina, e nomes da nova geração, como Wado, Karine Alexandrino e Vulgue Tostoi. A idéia do Com:Tradição ganhou um up em 2007 e rendeu o projeto Supernovas, série de shows no teatro CCBB, em São Paulo, apresentando novas bandas independentes de todo o País, com participação especial de astros do rock nacional (o projeto começou no dia 10 de abril e termina nesse dia 15).
O Scream & Yell tentou traçar com o jornalista-músico-produtor-escritor-agitador
cultural Alex Antunes um panorama do cenário musical e do jornalismo
especializado no País. Alex falou sobre as boas promessas independentes,
sobre a concorrência entre as revistas Bizz e Rolling Stone,
e sobre ética jornalística, além de usar Augusto de Campos,
Tim Maia e Zé do Caixão para tirar uma com o repórter. Confira
o papo:
Como surgiu a idéia de montar o projeto Supernovas?
Fui curador de uma série no CCBB chamada 3 Trios 1000 Sons, com Azymuth, Trio Mocotó, Zimbo Trio e convidados, que foi excelente. Iria fazer algo na mesma praia, mas o CCBB perguntou se havia alguma boa programação de rock que eu pudesse sugerir. Eu disse que o que havia de mais notável é que ótimas bandas estão surgindo de locais inusitados, como Rio Branco (Los Porongas), Cuiabá (Vanguart), Belém (Madame Saatã, Coletivo Rádio Cipó, La Pupuña). De Fortaleza (Montage; depois de Cidadão Instigado e Karine Alexandrino) e Salvador (Ronei Jorge; depois de Tara Code, Nancyta, Rebeca Matta) continuam surgindo coisas legais, como de Recife, de Goiânia etc. Esse foi o conceito da série: ninguém de São Paulo e Rio (bom, tem os Supercordas, mas eles são de Parati). E, para complementar, convidados das bandas que trouxeram o rock brasileiro até este ponto: alguém dos Novos Baianos (Pepeu), dos Secos & Molhados (João Ricardo), Legião (Dado), Sepultura (Igor), mais a Fernanda Takai, do Pato Fu, pra representar os anos 90, e o Cadão do Fellini, pra representar o underground paulista dos anos 80, que, aliás, é de onde eu venho.
Essas são as boas promessas do rock independente nacional?
É uma boa lista. No Abril Pro Rock, gostei dos shows de bandas com frontwomen, aliás, todas do nordeste: Rebeca Mata, transformando o repertório eletrônico do último disco numa porrada híbrida de rock pesado, O Canto dos Malditos na Terra do Nunca, com a Andréa representando super bem as adolescentes insolentes que são a cara desta época (risos), e o Quarto das Cinzas, com a Laya, que é uma figura interessante e intrigante.
O que falta para o brasileiro médio começar a prestar atenção nos independentes?
Na verdade falta o brasileiro médio (risos). No Brasil, ou você é um zumbi da indústria cultural e é dos 99% que consomem Ivete sem restrições, ou é do 1% que gosta de alguma coisa bem barulhenta e insuportável. Até prefiro o segundo perfil, claro, mas falta boa música radiofônica, que é sinônimo de qualidade de vida, tanto quanto ar puro.
Acredita na possibilidade de viver de música no Brasil longe de uma grande gravadora, assim como acontece no exterior?
Isso significaria que o Brasil se transformou num País de verdade. Não estou exagerando. Essas coisas 'civilizadas' são sintomas de fluxos psicossociais mais profundos, tem a ver com política no sentido mais amplo do termo. Respondendo à pergunta, espero que sim.
E o que você acha que acontece com o nosso mainstream? Porque me parece não existir movimentos, cenas, nenhuma tentativa de estabelecer uma tendência.
A indústria fonográfica do País juntou o pior de dois mundos: o cinismo de mercado dos EUA, sem o bom-senso de manter alguns nichos segmentados de onde saem as coisas que realimentam o mainstream. Foi assim com o pop, com o rock, com a disco, com o punk - que deu no emo, com o hip-hop. Uma geração de músicos transformados em executivos tomou o poder das gravadoras há mais de trinta anos, e esses caras não conseguiram se atualizar. Nos anos 80 já tinham perdido o bonde, então rifaram o rock/pop e mesmo a MPB pra aplicar suas táticas medíocres de marketing em sucessivos subgêneros, cada vez mais diluídos: o breganejo, o axé, o pagode. Ao mesmo tempo subordinavam completamente o sistema radiofônico às suas verbas de jabá. Com o colapso resultante da combinação de internet no nível da musicofilia e da pirataria em níveis industriais, não houve nenhum nicho de confiabilidade para onde se voltar, porque aqui esses nichos (como o hip-hop e o rock contemporâneo) tiveram que aprender a se virar por conta própria, a criar know-how independente. É bem no meio dessa virada que nós estamos.
O Los Hermanos entrou em recesso indeterminado. A Sandy se separou do Junior. O que é mais prejudicial para a música brasileira?
Los Hermanos é uma referência interessante para a molecada, que está aprendendo de novo a gostar de música brasileira. Espero que eles continuem com suas investidas paralelas, como as carreiras de compositor, a Orquestra Imperial e tal. Já Sandy e Júnior não são pessoas, são sintomas de uma doença.
Já há previsão de filmagem para seu livro, "A Estratégia de Lilith"? Sai esse ano?
Ganhamos o BO, o edital de baixo orçamento do Minc - filmes de até R$ 1 milhão. Só falta a liberação da verba; a idéia é filmar no segundo semestre pra lançar no ano que vem.
Vem mais algum livro por aí?
Tenho dois semi-escritos - um baseado em um reality show sexual num canal de TV evangélico, e um outro em que um dentista cético recebe numa visão um objeto mágico, enquanto alucina com o encontro entre Alesteir Crowley e Fernando Pessoa num puteiro em Lisboa (risos). Mas tem um projeto de encomenda pra este ano que deve atropelar os dois.
O Akira S e as Garotas que Erraram ainda existe? Há espaço para a banda hoje em dia?
A gente dá um show anual, quando o Akira vem de Amsterdã com a esposa pra passar uns dias no Brasil. Se tem espaço? Bom, a gente sempre tenta marcar shows com pouquíssimo tempo de antecedência, quando eles marcam a viagem, e consegue. Em 2005 tocamos no 4 Hype, festival internacional de música eletrônica do Sesc, e no Projeto 2 em 1 no Avenida Clube, com uma banda de 11 pessoas (risos). Em 2006 tocamos no CB, com o Fabio Golfetti, Miguel Barella, Giuseppe Frippi e João Parahyba de convidados.
O que você diz para quem o acusa de ter promovido sua banda na época que escrevia para a Bizz?
Cara, essa é uma questão controversa. Eu nem seria o maior beneficiário do esquema (risos), mas sim o Fellini, do Thomas Pappon, que também escrevia na revista. Acho que também foi um momento histórico de virada, em que as mesmas pessoas (eu, Thomas, Celso 'Minho K' Pucci, José Augusto 'Scot' Lemos, Fernando Naporano, Rogério de Campos) tiveram espaço pra colocar seu conhecimento pop em prática, escrevendo, criando bandas, produzindo discos. Acontece que ao mesmo tempo a gente era sectário, politizado no sentido mais estrito do termo, e rompidos com a turma ligada às grandes gravadoras do Rio de Janeiro. No Rio, a geração dos 80 tinha uma certa conexão com a geração dos 70, através do Circo Voador - eram herdeiros da contracultura, que acabaram tendo acesso a um certo poder midiático. Em São Paulo a gente era praticamente uma geração espontânea, surgida do vazio pós-punk, com pouquíssimos pontos de conexão (só a Patife Band) com o próprio movimento que nos antecedeu em meros dois ou três anos, a Vanguarda Paulistana do Arrigo e do Itamar. Então éramos completamente auto-suficientes e franco-atiradores. Aí fodeu a diplomacia. Hoje avalio que fizemos a revista de 'trincheira' - o que é um erro, mas não o mesmo erro de fazer uma 'panelinha' por razões pessoais. A prova é que abraçávamos qualquer coisa que se parecesse com o que considerávamos um bom som contemporâneo - desde o Black Future, que era do Rio, até o Vzyadoq Moe, que era do interior de São Paulo, passando pelas maluquices gaúchas do Miranda e o DeFalla. Por outro lado, o José Emílio Rondeau, que era carioca e produtor (Legião Urbana, Picassos Falsos, Camisa de Vênus), nunca foi questionado por suas
preferências.
Existe ética no jornalismo musical?
Existe uma ética no pop? Se existe, ela tem pouca intersecção com os valores ditos 'éticos' da sociedade, como confiabilidade, estabilidade, justiça etc. Ela surgiu exatamente para celebrar a ruptura, a contestação, a provocação. Então, necessariamente o jornalismo musical pop sobrevive bem no meio desse paradoxo - senão, como alguém se atreveria a dizer que um álbum tosco, um artista transtornado ou um show precário são momentos 'memoráveis' da cultura (coisa que a gente diz o tempo todo)? Ser ouvido e fazer sentido no meio desse ruído é exatamente a graça da coisa.
Crítico de rock é necessariamente um músico frustrado?
Quando eu lancei o álbum do Akira S, o Giron me fez essa pergunta em uma entrevista, e eu respondi mais ou menos isso: 'Não, é exatamente o contrário: eu só me frustro como jornalista assalariado. Como músico, eu faço exatamente o que eu quero'.
Você já dirigiu a Bizz e criou a revista Set nos anos 80, e hoje escreve para a Rolling Stone. O que mudou no jornalismo especializado em música nesses anos?
Os anos 80 no Brasil eram um momento incomparável. O nosso atraso (incluindo a ditadura) de certa forma adiaram tudo o que aconteceu lá fora nos anos 60 e 70. Então, nos 80 vivemos tudo ao mesmo tempo: o idealismo ingênuo, o coletivismo politizado, o cinismo pós-tudo. Eu saquei isso quando fiz a seleção de faixas pra uma coletânea alemã de pós-punk brasileiro, No Wave. Pesquisando fotos do lendário clube Madame Satã para o encarte, eu descobri a Síndrome do Barbudinho. Em todas as fotos, no meio dos cabelos moicanos, das camisas cortadas, tinha um algum barbudinho. Aí eu pensei: mas que porra esse hippie está fazendo aí no meio?, e caiu a ficha. A Bizz teve um papel fodido nisso. Não só apresentamos bandas como Smiths e Cure pro público brasileiro num momento em que não havia download, e os discos eram de vinil, como acompanhamos a explosão da cena local, da Legião ao RPM. Ninguém se atrevia a nos dizer como fazer a revista, porque ninguém tinha esse know how no Brasil. Então fazíamos um fanzine com orçamento e distribuição corporativos - eu nem fazia idéia de que isso ia ter um ápice de três, quatro anos do máximo. Aproveitei pra aplicar os mesmos conceitos pop em uma revista de cinema e vídeo, no momento em que a distribuição de VHS estava apenas saindo da ilegalidade (alugavam-se vídeos piratas nas melhores casas do ramo) e a crítica de cinema ainda estava atrelada ao cinema de arte europeu. Quer dizer, são tempos que não voltam mais. Não vou tentar explicar como é hoje, as pessoas estão vendo (risos).
Temos que perguntar isso: hoje, qual é a melhor, a Bizz ou a Rolling Stone?
Pra mim, pessoalmente, é a revista onde escrevo, a Rolling Stone.
A Bizz está no meu coração, mas eu não teria seguido esse caminho,
de acompanhar o envelhecimento dos leitores antigos. Eu tentaria
falar com a molecada de hoje, que é interessante pra caralho.
As bandas não são interessantes, mas o público é (risos).
Porque as revistas de música não vendem mais como antigamente? O problema é a internet, ou tem algo mais?
Ficou multifacetado e simultâneo demais. Se você for a um festival de música moderno, verá que a 'cultura eletrônica' não consiste em usar equipamentos eletrônicos, mas em lidar com a simultaneidade. Você vai ter coisas consideradas tão importantes tocando umas quanto as outras, tocando ao mesmo tempo, em diferentes palcos. A tendência é haver cada vez menos um 'gran finale' (ou uma matéria principal) pra onde tudo converge, mas uma desierarquização total. E as mentes jornalísticas positivistas ainda não mataram a charada de como lidar com a Mente Hipertexto no papel. O Alexandre Matias tentou, na Play, mas a revista ficou picadinha demais, difícil de ler. Deve ter um jeito. O David Carson, na Ray Gun, chegou a publicar uma entrevista com o Bryan Ferry naquela fonte symbol, que não dá pra ler. Ele era louco pra fazer isso; um dia o Ferry deu uma entrevista meia-boca e o Carson disse 'é hoje' (risos). Foi o ápice do experimentalismo (anti-) jornalístico pra mim, mas vá explicar pra um professor de faculdade que se pode usar uma fonte ilegível. Se bem que os caras que fazem logotipos e capas de death metal já descobriram essa possibilidade e a usam o tempo todo (risos).
Você já escreveu para praticamente todos os grandes jornais e revistas do país. Qual te motivou mais? Quais são as principais diferenças que você percebeu entre um e outro?
Escrevi para a Veja, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo.
O Estado é o mais conservador e lento nas mudanças, mas é um
lugar mais razoável para se trabalhar - se você não fizer questão
de escrever textos que não incluam a palavra "bunda",
por exemplo. E eu faço. A Folha é mais friendly com textos esquisitos:
a Ilustrada - e o extinto Folhetim - adquiriram essa reputação
de caderno inovador nos anos 80. A geração de bons escribas
foi-se, mas a paciência com 'enfants terribles' (verdadeiros
ou não) ficou. A pressão do fechamento lá, por outro lado, é
insana. E a Veja é o pior de dois mundos, horrível em todos
os aspectos - um péssimo lugar para se trabalhar, e onde a exigência
de homogeneidade no texto é ridícula. Aquela inteligência formal
e direitizante, sabe? Eu brinco de chamar a Veja de "manual
de instruções da vida para a classe média angustiada". Tem medo
do funk carioca? Leia a Veja. Tem raiva do governo petista?
Leia a Veja.
Alex Antunes já escreveu um livro, tem uma banda e participa de filmes. Cinema, literatura ou música?
O Rogério Sganzerla (ou foi o Júlio Bressane?) disse que o cinema aspira ser música. Música é um troço abstrato, inexplicável na sua magia. Mas cinema é legal pra caralho - estou a fim de trabalhar com roteiro, o que é completamente distinto de literatura. Estudei cinema na faculdade. Mas literatura foi por onde eu comecei - minha casa tinha muitos livros, e desenvolvi o talento de escrever. Sei lá. Pintura (risos).
Então me fale um bom livro, um bom filme e um bom disco (não vale os seus)?
Vou falar três que me transformaram. "Neuromancer" (William Gibson), "O Inquilino" (Polanski), "Island" (King Crimson). Não são necessariamente os meus preferidos hoje, mas são os que tiveram maior impacto sobre mim na ocasião.
Muito obrigado pela entrevista. Considerações finais?
Tim Maia disse: 'tudo é tudo, e nada é nada'. Zé do Caixão tinha questionado: 'será o tudo nada, e o nada... tudo?' Augusto de Campos acrescentou: 'agora póstudo/ extudo/ mudo'. Já eu me contento em por tudo (risos).
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Dedo do Meio é a Mensagem, por Alex Antunes
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