Guia falicitado para entender os White Stripes
por Diego Fernandes
d13g0_freejazz@yahoo.com.br 22/04/2002
Hoje em dia é difícil apontar bandas que soem genuínas.
Não me refiro a bandas que possuam um estilo 100% autêntico
e inovador – isso é virtualmente impossível.
O universo pop deriva necessariamente da maneira interligada e,
até certo ponto, derivativa que envolve sua criação
e difusão, e portanto música derivativa obviamente
é a norma. Isso não é propriamente um defeito
– como tenho míseros 21 anos, só posso supor a respeito
de certas coisas, e uma das minhas suposições diz
que, afora o fenômeno de massa e a transformação
social ocasionada por Beatles, e, em menor escala, Rolling Stones
e Stooges, as bandas nunca foram consideradas inteiramente originais
em sua sonoridade.
Mesmo que sua criação musical se desse por vezes surrupiando
linhas de baixo de obscuros bluesmen, ou mesmo harmonias vocais
'emprestadas' de grupos rhytm'n'blues e rockabilly, esses grupos
criaram músicas tão memoráveis e influentes
que ninguém que vive no mundo ocidental passa impune à
sua influência. Nada é original como se possa imaginar,
e nada está livre de se tornar uma cópia vendida com
uma capa desbotada a 5 reais num camelô que desconhece Frank
Zappa ("Aquele da 'New York'?").
Isto posto, o que nos leva a apontar uma banda como sendo do caralho?
Até onde eu sei, arte é algo extremamente subjetivo,
e seus critérios de avaliação são ainda
mais subjetivos. Música tem o poder de mudar sua vida – mas,
até aí, comida integral, um colchão ortopédico
e uma fita pornô também têm: basta que se permita.
Padre Marcelo Rossi pode mudar sua vida. Supla. Mas que merda, até
o Faustão pode mudar sua vida. O que realmente intriga é
o fato de certos artistas se tornarem um marco e outros uma nota
de rodapé.
De qualquer forma, essa introdução enfadonha toda
é para chegar a dois irmãos esquisitos de Detroit,
estado de Michigan (USofA), que, de algum modo bizarro e não
inteiramente livre de controvérsia, conseguiram sintonizar
o espírito do Led Zeppelin através da abordagem lo-fi
do Pavement. Meg White (espancamento de bateria) e Jack White (guitarra
burra, vocais desesperados e teclados tocados, aparentemente, com
os cotovelos), os irmãos singelamente conhecidos como White
Stripes. Existe um procedimento simples para se detectar uma banda
como memorável ou não, que é basicamente:
1) Colocar o troço para tocar.
2) Esperar entre um e dois segundos até que a música
comece (NOTA: se não for necessário esperar, você
colocou no aparelho algum CD de emocore; pressione STOP e tente
novamente com outro CD)
3) Observar os efeitos, que, em linhas gerais, podem ser:
a) tédio mortal,
b) raiva,
c) náusea,
d) pés marcando timidamente o ritmo,
e) luxúria,
f) "como esses caras fazem isso?",
g) movimentos de mão emulando baquetas,
h) "como foi que eu nunca pensei em fazer isso?".
Ao ouvir os três CDs que constituem a discografia dos irmãos
White, recentemente lançados no Brasil pela Sum Records,
é bem provável que o leitor sinta , em conjunção
ou alternadamente, dos tópicos d) a f).
É algo a ser respeitado. Ou melhor, respeitado não:
reverência é justamente a última coisa de que
o rock precisa – algo a ser louvado. E como. Desta forma, o Scream
& Yell oferece a você o (rufem os malditos tambores) o:
GUIA FACILITADO PARA O BARULHO DOS WHITE STRIPES
White Stripes – WHITE STRIPES (1999)
Esse é a tosqueira primeva. A gênese. Onde tudo começou,
etc. Tu pegou a idéia. Ótima, Ótima estréia.
Primeiro contato do mundo com a pouco ortodoxa formação
guitarra-bateria-e-não-mais-que-isso dos White Stripes. O
vocal de Jack aqui se encontra em seu estado mais áspero
e caricato, o que só vem a combinar com a produção
crua do álbum. Existem ecos de toda comunidade indie americana
aqui, e é inevitável uma certa comparação
com os primeiros trabalhos da Jon Spencer Blues Explosion. Os irmãos
White destrincham o blues-rock até o osso, deixando só
o essencial: ritmo rudimentar, marcação simplória,
lirismo falando sobre o amor perdido e um estilo de vida miserável.
Adicione-se a isso doses cavalares de garagem (bateria ressonante
de tontons e bumbos, camadas e mais camadas de distorção
barata), e uma gana por soarem barulhentos que simplesmente não
te deixam desgrudar o ouvido das caixas – o tal aspecto genuíno
de que falei no começo. Em Sugar Never Tasted So Good,
o vocal de Jack e o ritmo desacelerado entregam pela primeira vez
uma grande fixação presente no som dos Stripes: Led
Zeppelin, Yeah! Tivesse sido lançado na mesma época
de Slanted And Enchanted, do Pavement (fixação
óbvia em Velvet Underground) e de Extra Width, o segundo
disco de Jon Spencer (fixação em Stones), seria considerado
um álbum histórico e de igual influência. Aposto.
Melhores momentos: The Big Three Killed My Baby, Jimmy The Exploder,
e as covers bem situadas de Dylan e Robert Johnson, One More
Cup Of Coffee e Stop Breaking Down, respectivamente.
White Stipes – DE STŸL (2000)
Até agora, o momento definitivo da dupla. A produção
mais bem-cuidada tira parte da maldade embutida no disco de estréia,
mas o som sai privilegiado. Os riffs aqui estão mais ganchudos
e discerníveis, o que inevitavelmente põe a banda
lado a lado com grandes nomes como Sebadoh e Soundgarden, que possuem
em comum uma rara habilidade: fazer música que soa familiar
sem parecer manjada. As credenciais da banda impressionam - harmonias
vocais à la Beatles em algumas faixas, fúria pré-punk
em outras, e, ainda, Little Bird, que é simplesmente
a melhor canção calcada em slide de guitarra desde
In My Time Of Dying, do grande Led Zep. Os momentos destinados
a partir seu coração não desapontam, e, inacreditavelmente,
partem seu coração (Apple Blossom, Sister, Do You
Know My Name?, e, principalmente, I'm Bound To Pack It Up,
uma canção acústica que parece extraída
do terceiro disco de Page, Plant e cia.). Há um certo humor
pueril/misógino na canção de abertura, You’re
Pretty Good Looking (For A Girl), o que só vem a conferir
um charme adicional ao disco. Tente esquecer os riffs de Death
Letter e Hello Operator e terá uma tarefa árdua
pela frente. Boogie envenenado e injustamente ignorado – pelo menos
até agora. Trecho de Why Can’t You Be Nicer To Me?,
a melhor do disco: "Bem, o vento está soprando / Onde estou
indo? / Pra fora de uma ponte e despencando / Ninguém me
procura / No chão, agonizando / Ninguém reza por mim".
Agora, isso sim é que é blues.
White Stripes – WHITE BLOOD CELLS (2001)
A aclamação definitiva. Embora seja um disco de qualidade
supeiror a, digamos, qualquer outra coisa lançada no ano
passado, ainda assim fica a sensação de que a inclusão
do disco nas listas de melhores do ano em diversas publicações
foi mais um meio de corrigir a enorme cagada que foi ignorar De
Stÿl. Não quero perder meu tempo pichando outras
bandas, mas, após ouvir esse disco, é possível
que você olhe para Is This It, dos Strokes, e pense
"Acho que vou ter que tocar isso daqui fora. Simplesmente não
tem propósito. Oh, que tolo(a) eu fui! Oh!". Pra começo
de conversa, é o disco mais experimental da dupla. Mas calma,
não espere nenhuma incursão pelo pós-rock ou
pela música cubana de raiz. De qualquer forma, aquela levada
só voz-e-bateria que se houve em Little Room e The
Union Forever é algo inédito na (curta) história
dos Stripes. Aliás, nessa última, o vocal de Jack
atinge um grau de crueza e fúria adolescente como não
se ouvia desde que Kurt Cobain concebeu In Utero, em vias
de se suicidar e no limiar de se perder completamente. Existem várias
baladas, oscilando entre o folk (We’re Going To Be Friends),
a beatlemania (I'm Finding It Harder To Be A Gentleman, The
Same Boy You've Always Known) e uma verve setentista indefinível
(Offend In Every Way, I Can't Wait). E, claro, existem as
porradas às quais o sujeito que gosta de ouvir os Stripes
se habituou a ouvir e simplesmente não passa sem (Dead
Leaves And The Dirty Ground, que abre o disco majestosamente,
I Think I Smell A Rat, aterradora, Expecting, travadaça,
Aluminum, que beira o metal bluesy do Sabbath, Now Mary,
meio Pixies, só que com acento country, e Hotel Yorba,
a mais alegre). O final, This Protector, fosse cantado em
dueto por Lennon e McCartney, seria uma das grandes canções
dos Beatles, recheada de pianos. Sem exageros. No geral, pode-se
dizer, que, enquanto o disco de estréia aponta para a podreira
como alvo principal, e o segundo para uma sucessão de riffs
cabulosos e inesquecíveis, White Blood Cells procura
acertar a medida com um refinamento que passa quilômetros
distante de parecer bunda-mole. Me arrisco a dizer: brilhante.
Os irmãos White são excêntricos - só
se apresentam vestidos em três cores (a saber: branco, vermelho
e preto). Sua música – o que realmente importa - , todavia,
está longe de ser bidimensional ou restrita como sua opção
de vestiário. É policromática, vívida,
berrante, até. O suficiente para encagaçar o consumidor
indie médio. As fichas estão aí, aposte em
quem achar mais conveniente – eu aposto nos Stripes.
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