Banda
de boteco é coisa nossa
Golden hits
by... Thee Butchers' Orchestra (Ordinary Recordings)
de Fábio
Sooner
Tem quem diga
que o importante não é a qualidade (leia-se origem) da carne
e sim a habilidade do churrasqueiro. Se é assim, nada mais natural
que um país como o nosso, que preza tanto os espetinhos, produza
uma banda que se aventure, e bem, no campo de muitas bandas gringas – ainda
mais se estamos falando de uma que se chama Thee Butchers’ Orchestra
(Orquestra dos Açougueiros).
Golden Hits
by... é o primeiro CD "industrial" do grupo após uma
penca de demos em cassete e cd-r, sempre lançados pela própria
gravadora, a Ordinary Recordings. São três regravações
do trabalho anterior mais 13 faixas inéditas. O que justifica o
nome é o cheiro de acerto atrás de acerto no que se propõem:
rock n’ roll de garagem, daquele que sempre chama os adjetivos "básico",
"contagiante", "enérgetico" – enfim, carne sem gordura. Seria "apenas"
mais um disco bom de ouvir (e como é bom) se não fosse essencial
no presente momento.
Presente momento:
o rock dominado (tá tudo dominado) pela bunda-molice generalizada,
seja via sensibilidade de almanaque, autenticidade de botequim ou rebeldia
vendável. Ficou muito fácil ser "roqueiro" ou "poético".
Basta andar de skate, pôr um piercing, berrar "foda-se o sistema"
ou se perguntar "porque sempre chove em mim", e pronto: em dez segundos
sua banda tem um rótulo e uma fatia de mercado a ser explorada.
É só procurar seu público punk, indie ou "descolado"
e partir para o abraço. Todo mundo fica contente em consumir mais
do mesmo e um sem-número de gurus do jornalismo têm mais munição
para bradar que qualquer banda de boteco americana é melhor do que
as daqui – ainda que os próprios EUA e Inglaterra estejam infestados
de bandas previsíveis, só que com mais dinheiro e mercado
para se produzir melhor.
Pouco importa
que o Butchers’ Orchestra não saia muito da praia de Gories, Make
Up ou Jon Spencer Blues Explosion – banda com a qual não gostam
muito de ser comparados, mas... Pouco importa que cantem em inglês,
quase sempre sobre nada. Então, o que sobressai? A eficiência;
a potência sonora na mixagem, impecável sob qualquer padrão,
gringo inclusive; e o que os diferencia do restolho - a total despretensão
em fazer parte de uma cena (enquanto grupinho de gente pensando igual)
ou o que o valha. Qualquer um, de qualquer faixa etária ou naturalidade,
que goste de riffs e fraseados fortes de guitarra pode se deliciar facilmente
com Golden Hits by... Fãs de Led Zeppelin, blues primal, Stooges,
hardcore, guitar bands e até mesmo Pearl Jam ou Green Day não
terão dificuldade em digerir o som do açougue. Duvida? Faça
o teste. Ou vá a um show.
Poucos conseguem
ser tão abrangentes, mesmo fincados até o talo em suas influências
básicas. Bobagem se preocupar com originalidade ou "brasilidade";
não há nada mais brasileiro do que assumir a farra acima
da imagem, da "atitude" genérica, da adequação a tribos
estabelecidas ou circuitinhos viciados e auto-celebratórios. Em
um ano em que a produção independente cresceu como nunca
- com festivais pipocando pelo Brasil afora e um aumento exponencial da
fatia do setor na fabricação total de CDs – e com o pop/rock
parindo nos porões (vai procurar, mané) cada vez mais bons
artistas no dito som “abrasileirado”, é de se comemorar que, além
do gorjeio dos sabiás, tenhamos bandas de boteco que cantam como
as de lá. Afinal, boteco é coisa nossa.
Fábio
Sooner, 27, é editor do site Pastilhas
Coloridas.
fabio.henrique@petrobras.com.br |