Suede
Os Maravilhosos
por
Eduardo Palandi
Inglaterra,
1989. A música pop da ilha estava passando por um período
de transformação. Bem menos acentuado que o punk, por não
ter tentáculos em outras esferas além da musical, mas sabia-se
que ao menos o gosto musical dos habitantes da Inglaterra não seria
mais o mesmo. Os Smiths tinham acabado, o Echo & the Bunnymen perdeu
Ian McCulloch pra carreira-solo e Pete DeFreitas para a eternidade, o New
Order fazia intervalos cada vez mais longos entre um disco e outro, e a
estrela negra do indie-dance subia. Ian Brown e seu Stone Roses levavam
os amantes da boa música à loucura; era a década de
90 começando antes, como um jornalista definiu.
Muitas bandas que conquistariam grandes
êxitos nos anos 90 começaram nessa época. Ride (formado
em 87), Blur (de 89), Charlatans (88). Todas seguindo a cartilha dos Stone
Roses. Mas uma delas, além de beber na fonte dos macaquinhos de
Manchester, carregava suas letras e instrumental de androginia, cinismo,
sarcasmo e ambigüidade, com traços do glitter rock de David
Bowie e das letras mais cáusticas do mestre Morrissey. Também
tinha um nome curto: Suede.
O Suede surgiu da inquietação
de dois moleques que, apesar de não terem lá uma grande amizade,
viram que poderiam criar pequenas obras-primas juntos: Brett Anderson e
Bernard Butler. Anderson escrevia letras com interpretações
dúbias, e Butler tinha um estilo de tocar guitarra rasgante, com
ecos de John Squire e Tom Verlaine. Pegaram o nome Suede de um single de
Morrissey, "Suedehead", e decidiram por apenas "suede" porque a palavra
"suede" (camurça) era uma gíria londrina para "ambíguo".
Nada mais perfeito.
Era hora de procurar outros membros
pra banda, e não demorou para acharem alguém pra assumir
a vaga do contrabaixo: Justine Frischmann, amiga de Brett, juntou-se à
banda tocando o instrumento, mas logo depois encontraram Mat Osman. Justine
então foi deslocada para a segunda guitarra. Pra bateria, chamaram
Mike Joyce, o baterista dos lendários Smiths, recém-demitido
da banda de apoio de Morrissey.
Com essa formação gravaram
uma canção para uma coletânea em cassete com várias
bandas pequenas de Londres, Wonderful sometimes. Os fãs de
Suede hoje disputam essa fita a tapa no mercado de raridades britânico.
Em seguinda, Justine deixou a banda e começou a namorar Damon Albarn,
vocalista do Seymour, que depois viraria Blur. É dessa época
a rixa entre Damon e Brett, que sentia uma certa queda pela garota. O Suede
então decidiu que apenas Butler seria responsável pelas guitarras,
e gravou um single de 12 polegadas com as músicas Art, Be
my god e novamente Wonderful
sometimes, mas o single nunca
saiu. Algumas cópias chegaram a ser prensadas, e hoje valem uma
grana violenta. Mike Joyce então saiu da banda, sendo substituído
pelo baterista que permanece até hoje, Simon Gilbert.
Mesmo com o single abortado, a banda
atraiu a atenção de Morrissey, que incluiu em vários
de seus shows na turnê do disco "Kill uncle", entre 91 e 92, a canção
My insatiable one, de autoria de Anderson e Butler. Com uma projeção
maior, o Suede assinou contrato com o pequeno selo Nude, e um contrato
de distribuição com a Sony Music.
The
drowners
|
Metal
mickey
|
Stay
together
|
Animal
Nitrate
|
So
young
|
Em 1992, finalmente saía o
primeiro single: The drowners, onde My insatiable one aparece
no lado B. Um sucesso razoável, e mais um single saiu no ano: Metal
mickey, com guitarras rasgantes e as já tradicionais letras
andróginas de Anderson. Em abril de 93 saía o primeiro disco,
Suede. Com 11 faixas, o disco foi o trabalho de estréia mais
vendido de todos os tempos até 1999, quando o primeiro trabalho
do Muse tomou seu posto. Rendeu ainda mais dois singles:
Animal nitrate e So young,
que atingiria a oitava posição nas paradas inglesas, assim
sendo o primeiro top 10 do Suede.
Só que nem tudo era flores
para o Suede. Pra começar, a poucos dias do lançamento norte-americano
do primeiro disco, uma cantora americana que usava esse nome conseguiu
uma liminar proibindo a banda de utilizar o nome Suede em
território americano. A solução foi virar The
London Suede para os ianques. Por isso, todos os lançamentos
de discos nos EUA trazem o nome The London Suede. E, pra piorar, a relação
entre Brett Anderson e Bernard Butler estava cada vez mais
difícil, com um se queixando
do outro querer roubar a cena. E ficava difícil esconder isso. Em
julho de 1994, a banda
entrou em estúdio para gravar
seu segundo LP. Depois de um mês de gravações, Butler
pediu as contas e se desligou da banda. Como Butler não havia gravado
as guitarras para todas as músicas, algo deveria ser feito quanto
a isso. A banda optou por arranjos mais sofisticados, algumas das faixas
foram orquestradas e Brett arriscou uma guitarrinha (embora todos os créditos
de guitarras do disco tenham ido para Butler, é Brett quem toca
em The power). Mas Butler saiu deixando gravadas guitarras lindas,
como as de Heroine, New generation e especialmente a de We
are the pigs.
We
are the pigs
|
Dog
man star
|
The
wild ones
|
Saturday
night
|
Lazy
|
Dog man star foi lançado
em outubro e, mesmo não repetindo o desempenho de vendas do primeiro
álbum no Reino Unido, vendeu bastante e teve boa recepção
da crítica, que cansou de tratá-lo como "épico". Mas
o Suede não poderia seguir como um trio. Assim começaram
os testes para recrutar um novo guitarrista. Centenas de candidatos apareceram
e todos não satisfaziam Anderson, Gilbert e Osman, até que
um garoto de 17 anos surgisse no estúdio e os encantasse com seu
jeito de tocar.
Richard Oakes sabia todas as músicas
da banda e era quase dez anos mais novo que os três membros restantes.
Foi admitido na hora, e lá foram os quatro para a turnê de
Dog man star, que foi registrada no vídeo Introducing
the band. Ironicamente, as primeiras composições da banda
com Oakes foram os lados b do single de New generation.
Uma grande expectativa cercava as
gravações do terceiro disco do Suede, em 1996. Como seriam
as músicas com Oakes? Perderiam para os riffs rasgantes de Butler?
A verdade é que Oakes tinha um estilo diferente, com mais uso de
distorção e efeitos, e muitos fãs antigos ficaram
ainda mais desconfiados quando a banda anunciou que gravaria o disco todo
com o tecladista convidado Neil Codling. No final das sessões de
gravação, Codling foi efetivado na banda, que virava um quinteto,
e
então surgiu Coming Up,
a obra-prima injustiçada do Suede.
New
generation
|
Trash
|
Beautiful
ones
|
Filmstar
|
Electricity
|
Nas dez faixas do álbum, o
Suede faz um grande disco pop, elegante como só a banda poderia
fazer (e talvez o Pulp), e sem trazer nenhuma ligação entre
as músicas. Trash trazia mais daquele frescor juvenil hedonista,
By the sea tinha uma letra menos egocêntrica, além
da batalha entre o conjunto piano/baixo/bateria e a guitarra. Beautiful
ones é dançante até a
medula, e assim o disco se mantinha
perfeito até o final com Saturday night (não sem antes
passar por Picnic by the motorway, grande canção).
Foi o disco de maior vendagem nos
EUA, mas boa parte dos fãs puritanos torceu o nariz para "Coming
Up". Diziam que a banda havia acabado com a saída de Bernard Butler.
Alheios aos comentários, os cinco rapazes do Suede encararam uma
grande turnê que se estendeu até outubro de 97, quando ainda
lançaram uma compilação dupla com 27 lados B de seus
singles, intitulada Sci-fi lullabies. A capa desse álbum
é, na modesta opinião do signatário dessa matéria,
a capa mais linda
de um disco em todos os tempos. O
conteúdo não deixa a desejar também: desde o primeiro
lado b, My insatiable
one, até coisas recém-saídas
à época, e as lindas My dark star, These are sad
songs, Duchess, The big time e Europe is our playground.
Durante todo o ano de 1998 o Suede
gravou apenas uma música: Poor little rich girl, de Nöel
Coward, para um disco-tributo ao autor, chamado Twentieth century blues.
Em toda a carreira, foram poucas as covers registradas oficialmente pela
banda: para uma coletânea intitulada Help!, gravaram Shipbuilding,
de Elvis Costello; e para o single de Lazy, foi escolhida uma gravação
ao vivo de Rent, dos Pet Shop Boys, com Neil Tennant participando
da música.
She´s
in fashion
|
Everything
will flow
|
Can´t
get enough
|
Mas os fãs queriam material
inédito. Brett Anderson disse, em 1996, que em um ano o sucessor
de Coming Up ganharia as ruas. Mas só em fevereiro de 1999
foi que Head Music viu a luz do sol. Os fãs de começo
de carreira da banda que restaram depois de "Coming Up" foram quase todos
embora com este disco, que teve suas letras criticadas como "simples demais",
além de terem sido percebidos sinais de cansaço e estranheza
na parte musical. Mas é um grande disco, com
faixas subestimadíssimas como
Everything will flow, Indian strings e Asbestos. Ruim
de verdade, só a faixa-título.
E agora, ainda em 2001, a banda promete
um novo disco. Mas há uma notícia importante: no dia 23 de
março, o tecladista Neil Codling anunciou sua saída da banda,
alegando motivos de stress, a mesma razão pela qual se ausentou
de alguns shows da turnê de "Head music" e do show solitário
que a banda fez em outubro de 2000, pelo festival Iceland airwaves,
na Islândia, onde tocaram nove músicas inéditas. Alex
Lee, que tocou com a banda nas ocasiões em que Neil não esteve
presente, foi anunciado como seu
substituto.
Nesse momento, a banda está
em estúdio com o produtor Tony Hoffer, que trabalhou em "Mutations"
e "Midnite Vultures", de Beck, e deve finalizar o disco até abril.
Uma das novas canções, com o título Simon,
fará parte da trilha sonora do filme Far from China, a ser
lançado no festival de Cannes, e provavelmente não estará
no novo disco.
Discografia
Suede (1993)
Uma ótima estréia. Coloque
o disco desde o começo e sinta bem as cinco primeiras músicas:
a luxúria de So young, a citação ao lança-perfume
de Animal nitrate, o lamento córneo de She's not dead,
a power ballad Moving e o grande momento do disco, a belíssima
Pantomime horse. Afora isso, a correta The drowners e duas
grandes outras canções: Sleeping pills é uma
balada onde as guitarras cortantes de Bernard Butler fazem cama para Brett
Anderson pedir pra seu anjo que não tome "essas pílulas do
sono", e Metal mickey, que, ao lado da supra-citada Animal nitrate,
já me fez tocar muita guitarra aérea no meu quarto. De zero
a dez, nota nove.
Dog Man Star (1994)
O canto do cisne de Butler é
um disco um pouco irregular, mas dos bons. A bateria tribal de Introducing
the band rola a bola para a fantástica We are the pigs,
com dois shows: o mestrado vocal de Anderson e o doutorado guitarrístico
de Butler. The wild ones, o hit do disco, chegou até a estar
no Top 10 da MTV brasileira em janeiro de 95, com um lindo clipe e versos
como "'cause on you my tattoo will be bleeding, and the name will stain".
Juntam-se a elas as belas Daddy's speeding, The power e a
chorosa The 2 of us, além da orquestração apocalíptica
de Still life. O ponto baixo fica por conta da horrível This
hollywood life. De zero a dez, toma oito.
Coming Up (1996)
Richard Oakes chega chutando o pau
da barraca. Trash é possivelmente a melhor música
da banda, que ainda ataca com o convite ao ócio e à luxúria
em Lazy, tem a balada neurótica de By the sea, o hit
Beautiful ones, a subestimada Starcrazy e os versos de Picnic
by the motorway: "I'm so sorry to hear about your way / Don't you worry,
there's been a speeding disaster so we'll go to the motorway / I'm so sorry
to hear about the scene / Don't you worry, just put on your trainers and
get out of it with me, oh / Hey, such a lovely day...". Grande disco, mas
que foi subestimado demais e está a espera de gente sensata. De
zero a dez, toma onze. Ok, fica só com dez.
Sci-fi Lullabies (1997)
Como toda coletânea de b-sides,
irregular. E ainda é dupla. Mas tem My insatiable one, W.S.D.
e Europe is our playground, que deveria ter entrado em "Coming Up",
pra que o disco ficasse ainda mais perfeito. A capa desse cd é maravilhosa,
você devia passar cinco minutos da sua vida olhando pra ela. É
bem verdade que o que realmente importa é a música, mas a
capa é um outro atrativo. Se você não tem sensibilidade
suficiente para apreciar aquela capa, vá ler o lo-fi zine. Ou ouvir
guns and roses. De zero a dez, ia tomar sete, mas por causa da capa, oito
e pronto.
Head music (1999)
Estranho, bem estranho esse disco.
Mas não dá pra falar mal, tem grandes músicas. Down
e She's in fashion, duas puramente inspiradas nas aventuras glitter
de David Bowie, não me deixam mentir. E ainda tem a linda balada
Everything will flow, com cordas orientais (que também aparecem
em Indian strings, a outra grande balada do álbum). O primeiro
single, Electricity, também
vale uma ouvida, bem como a tristíssima He's gone e Elephant
man, escrita inteiramente
pelo tecladista Neil Codling e motivo
de risos pros fãs antigos, que injustamente chamam este disco de
"Bad music". De zero a dez, a mesma nota que a Bizz deu: nove, sem exageros.
Eduardo
Palandi é o maior indie de Aparecida e criador do MFAPJ
"MFAPJ
- movimento pela felicidade do Álvaro Pereira Júnior - porque
deus quer que até os indies sejam felizes, só que nesse caso,
deus é o Álvaro Pereira Júnior. nós somos pela
não-pegação de pé Alvaresca porque sim, somos
um bando de capiaus isolados numa galáxia que não fala inglês.
o movimento pedirá diariamente para que Alvarão reze por
nós diretamente de Sanfra, sem que discutamos a qualidade de Weezer,
Suede, Bidê ou Balde ou qualquer outra. porque só ele, Álvaro
Pereira Júnior, trinta e oito anos de Golden Gate, é o ser
supremo do indie nacional (e os incomodados que ouçam um pagodão)"
|