Flores, sofá quebrado e vinho barato

Buganvilia - Penélope 
por Leonardo Vinhas
leonardo.vinhas@bol.com.br

Buganvilia é o novo disco da banda Penélope. Espere, deixe os preconceitos de lado e continue lendo. Acredite: esse é um disco muito bom para o pop brasileiro. E para nossos ouvidos. Penélope é formado por Érika Martins (voz e guitarra), Érika Nande (baixo), Luisão (guitarra), Mário Jorge (bateria) e Constança Scofield (teclados e flauta - e o nome dela está grafado corretamente, pode acreditar). Estrearam para o "grande público" em 1999 com o álbum Mi Casa, Su Casa. Desde essa época, agüentam a pecha de "banda de menininhas", graças ao visual retrô infantilizado das garotas. E esse rótulo, convenhamos, não esclarece nada sobre o som, um rock simples nas melodias, mas elaborado nos arranjos e melodias, com sacadas e referências inusitadas e letras espertas. Mesmo com essa equação, o sucesso não se avizinhou da banda, contudo a boa reputação conquistada com shows e clipes legais garantiu o segundo disco.

Buganvilia não tem nada do quilate de "O Circo", música do primeiro disco que seria considerada um clássico da MPB, caso fosse cantada por qualquer "cânone" da mesma. Mas o conjunto da obra supera a estréia do quinteto, por conter os elementos supracitados numa combinação mais exata e fluída.

Björk, claro, continua sendo uma influência vital para o vocal de Érika Martins, que todavia abandonou os gritinhos que por vezes incomodavam anteriormente e está, efetivamente, cantando bem. A influência da islandesa também está na parte musical, explícita na dixieland suavizada de "Um Quarto Para as Horas" e discreta em uma ou outra nuance nos arranjos. Mas aqui há muitas boas novas: a riqueza melódica da faixa título, com belos violões e acordeom, a indecisão pelo comprometimento definitivo em um relacionamento ladeada por um instrumental angustiado na perfeita "Oportuno Silêncio", o synth da radiofônica "Continue Pensando Assim" (que, se conheço as rádios, não vai colar) e detalhes, muitos e importantes detalhes.

"Junto ao Mar", por exemplo. Herbert Vianna presenteou a banda com essa bela composição, que poderia figurar no ótimo "Hey Na Na" dos Paralamas, dada a sua estrutura melódica, mas que ficou perfeita para a Penélope, que foge da tentação de torná-la um hit cansativo preferindo conferir à canção um arranjo que traduz o clima melancólico-marítimo impregnado em sua letra. Wanderléa participa marotamente de "Não Vou Ser Má", faixa que mostra o quanto a Jovem Guarda pode ser legal se for usada como influência, e não referência constante e preguiçosa. Sacaneando o machismo e pretensa ingenuidade desse período que cismaram de considerar "fundamental" para o rock brasileiro, construíram um rock de breque levado por um... riff de flauta! E para encerrar o quesito "citações", tem um cover fenomenal da impagável "Ciranda da Bailarina", de Chico Buarque e Edu Lobo, mas essa não vale, pois só um pedreiro de mão pesada e coração de pedra para estragar essa música. Ainda assim, a versão não se limita a repetir o original, mas o reapresenta de uma maneira empolgante, de fazer você deixar a função "Repeat" funcionando por muito tempo.

Os rockinhos rapidinhos, na "fórmula Penélope" (riff de guitarra + cozinha acelerada) ainda estão presentes, claro. Mas - repito - os detalhes fazem toda a diferença. Como nos metais de "A Menor Distância Entre Dois Pontos", no órgão de "Plus", na alfinetada dos versos de "O Mundo É Minha Colcha" ("quero ouvir tua voz/ antes de te deixar"), ou na flauta de "Olhos Caramelos" (outra composição do mancebo Ronei Jorge, da banda baiana Saci Tric, que compusera duas ótimas faixas de "Mi Casa, Su Casa", inclusive "O Circo").

(Aliás, Constança parece ser a única tecladista do cenário brasileiro que ouviu outros timbres de teclado além dos presentes em discos de reggae e em instrumentais dos Beastie Boys, além de tocar flauta sem lembrar produções do Mário Caldato).
As letras são outro diferencial: tratam de coisas do dia-a-dia com diálogos criativos que passam a quilômetros da banalidade e da pretensão literária, nunca subestimando a inteligência do ouvinte. Relacionamentos, indecisões, certezas, frivolidades e sentimentos são tratados de uma maneira inteligente, direta e bem humorada, virtudes muito falta nos discursos engraçadinhos ou "de protesto" das turminhas atuais.

Se você ainda não se convenceu, tem ainda "Caixa de Bombom", hit perfeito e incontestável, com um dos melhores vocais de Érika Martins. Basta uma simples audição da música para comprovar.

Resumindo: Buganvilia tem tudo que os fãs do bom rock brasileiro (só brasileiro?) gostam: boas letras; melodias assobiáveis, mas nem um pouco chinfrins; bom humor; bons músicos e carisma pessoal. Sintetizando ainda mais: é um discaço! E se você tem algum preconceito em relação à banda, azar seu. No dia em que sobrarem só cabeludos desbocados, frangotes de mullets e terninho ou alternativóides "guítar" (ou tudo junto, já pensou no horror?), não reclame.

Leonardo Vinhas, 22, discorda da "Teoria da Noemi" formulada pelo Analista de Bagé, mas isso não o impede de ter os dois discos da Penélope. E aproveita para esclarecer que até acha a Jovem Guarda legal, ainda que ela não mereça nem metade da babação de ovo vigente. Se for para "recuperar" alguém, que sejam os Golden Boys, injustiçados como rockers até hoje