Patti
Smith - Elegia ao Punk como Modo de Vida
Parte
2
"YOU CAN'T SAY 'FUCK' IN THE AMERICAN
RADIO"
Lema
de um manifesto promovido pela cantora após incidente com a mídia
e censura
Após uma bem-sucedida turnê
pela América e Europa, ao mesmo tempo que em que se prenunciava
a eclosão do punk safra-77 numa "incendiada" Londres, o Patti Smith
Group retorna ao estúdio em meados de 76. Com produção
Jack Douglas, Radio Ethiopia, o segundo álbum da banda, aponta em
direção ao rock'n'roll básico, ao mesmo tempo em que
contém rupturas radicais com o formato tradicional da canção
pop.
Assim é a faixa-título,
uma canção de 10 minutos que expressa o mais radical desvario
poético e sonoro do quinteto, cuja fórmula foi apropriada
e desenvolvida anos depois pelo Sonic Youth, expoentes da avant guarde
nova-iorquina da década seguinte. Já esperando comparações
com o bem-sucedido álbum anterior, logo de cara, Patti afirmou que
a "culpa" pela sonoridade de Horses se deve única e exclusivamente
à ela e seus músicos. Segundo ela, John Cale apenas deu opiniões
que eram então rechaçadas pelo grupo.
Apesar disso, o disco contém
material apresentando durante a excursão anterior. Ao ponto de duas
canções, "Radio Ethiopia" e "Abyssinia" terem sido gravadas
ao vivo no auge da aclamação da banda, em agosto de 76. Ambas
são uma dedicatória a Rimbaud e, principalmente, ao escultor
Constantin Brancusi, outra de suas influências.
Pouco antes do lançamento do
segundo álbum, numa turnê européia já pairava
no ar um clima não muito agradável para o Patti Smith Group,
muito mais dado a celebrações dionísicas do rock'n'roll
do que para a cretinice estéril com a qual se configurava a nova
cena. O levante punk londrino começava a chamar atenção
e o baterista Jay Dee Daugherty resolveu assistir a um show dos Pistols
no Roundhouse em Londres e se surpreendeu com o discurso do frontman dos
Pistols. Ao entrar no palco, Johnny Rotten gratuitamente bradou contra
o grupo chamando-os de hippies velhos que ficam sacudindo seus pandeirinhos.
"Horseshit" (bosta de cavalo), Johnny aludiu ao LP de estréia do
quinteto. Assustado com a ovação, o baterista achou que seus
quinze minutos de fama já eram coisa do passado.
Outro incidente da turnê européia
se deu em Paris. Patti machucou sua mão direita numa das apresentações,
além do desgaste natural de uma excursão internacional ao
qual não estavam acostumados. E para piorar a situação,
os músicos, inexplicavelmente, ficaram presos em um pequeno camarim
enquanto a multidão gritava para que voltassem ao palco, à
beira de um tumulto de grandes proporções. A turnê
européia mostrou aos músicos uma vida a qual talvez não
estivessem preparados, o que levou alguns amigos da antiga a tacharem Patti
como uma pessoa oportunista e "mascarada".
Mas uma coisa era certa: Radio Ethiopia,
dedicado à Wayne Kramer (guitarrista do MC5, então preso
por porte de maconha), é bem diferente de seu antecessor, ao mesmo
tempo mais comercial e mais vanguarda. Horses era um disco mais autoral,
enquanto Radio Ethiopia foi um trabalho feito em conjunto.
Outro fator que contribuiu para a
repercussão mediana do álbum foi um incidente ocorrido anteriormente,
na ocasião de uma entrevista para a rádio WNEW-FM. O Patti
Smith teria um concerto de final de ano transmitido ao vivo pela rádio,
que se recusou a fazê-lo em razão de Patti ter proferido a
palavra "fuck" um mês antes numa entrevista transmitida ao vivo pela
rádio. Vale ressaltar que um incidente semelhante seria o estopim
para a "aclamação" nacional dos Sex Pistols na Inglaterra,
pouco tempo depois. Só que os ingleses tiveram mais sorte, já
que se tornaram "a bola da vez" aos olhos do mercado fonográfico
(o começo do punk rock do ponto-de-vista do grande público),
enquanto Patti e cia. sofreram certa discriminação, o que
a levou a escrever o manifesto "You Can't Say 'Fuck' in Radio Free America",
publicado em ! março de 1977 por um jornal norte-americano.
As apresentações do
grupo começavam a se tornar ainda mais caóticas, a frágil
figura de Patti nos palcos evocava um certo instinto protetor nas platéias,
num misto de admiração e medo. Muito em razão aos
temas de algumas letras, que tinham significado um tanto hermético.
Uma overdose em progresso era o tema de "Poppies", a mesma canção
que também narra uma a história absurda de uma mulher dando
à luz a um trator enquanto um artista plástico pintava um
quadro. A canção é uma homenagem à atriz-modelo
Eddie Sedwick, estrela da trupe de Andy Warhol a quem Patti sempre admirou,
encontrada morta com uma "tonelada" de anfetaminas.
Mas o segundo álbum do grupo
trazia material com potencial radiofônico, como "Ask the Angels"
e "Pumping (My Heart)" - esta última uma parceria com Allen Lanier
(Blue Oyster Cult). Uma canção de Radio Ethiopia, "Pissing
In a River", remete à formação religiosa da cantora,
algo como uma tentativa de reabilitação. O disco contém
várias mensagens dirigidas a Deus, artifício estético
que ela nunca mais utilizaria de uma forma tão contundente. Inclusive,
uma das canções mais fortes do disco é justamente
uma em que Patti sexualmente desafia o Criador. Em "Ain't It Strange",
ela o encara de uma forma carnal, fazendo todo um misénsene durante
os shows. Em entrevistas da época, ela chegou a dizer que, se Jesus
estivesse por perto, ela seria uma groupie a acompanhá-lo por todo
o tempo.
Essa canção justamente
serve como pano-de-fundo para uma tragédia na vida de Patti. O grupo
fazia o número de abertura para o cantor Bob Seger, que não
os deixava utilizar todo o seu aparato de luzes. O Patti Smith Group iniciou
a apresentação e receberam uma fria recepção
por parte da platéia. Silêncio total ao final da primeira
canção, o que fez com que os músicos voltassem com
o maior gás para o próximo número, "Ain't It Strange".
Nesta canção, Patti se confronta com Deus. Um de seus versos,
"Come on, God / Make a Move", é o auge do embate, que nos shows
ganhava uma proporção um tanto perigosa.
Patti considerava cada performance
como um embate de vida ou morte com o êxtase e achava que sua obrigação
era fazer com que a platéia entrasse em transe. Nas apresentações,
esse era um número em que Lenny e Patti faziam um pequeno balé,
em que a cantora começava a girar freneticamente no verso acima
citado. Era uma alegoria corporal em que ela simulava uma fêmea entrando
em êxtase após um contato mais "humano" com o criador.
Tanta histeria não poderia
dar em boa coisa. No final de 1976, uma tragédia aconteceu em Tampa
(EUA), quando Patti rodopiou e errou ao tentar agarrar o microfone. Algumas
pessoas ainda tentaram segurá-la, mas a cantora acabou caindo no
foço em frente ao palco, quebrando o pescoço. Esse momento
marcou o auge das apresentações caóticas implementadas
pelo grupo e, ao mesmo tempo, o início de uma redenção
impingida ao quinteto. Durante um ano, a cantora foi forçada a restabelecer
seu estado físico, o que, conseqüentemente, impossibilitou
que o Patti Smith Group participasse do auge da explosão do punk
britânico, em meados de 77.
Patti caiu do palco enquanto cantava
os versos "hand of God, I can feel the finger" e declarou que sentiu como
se tivesse sido empurrada. Depois da queda, Patti nunca mais cantaria canções
"heréges" como "Gloria" e segurou a onda nas poucas ocasiões
em que cantou "Ain't It Strange", com Lenny fazendo o papel da fêmea
que gozava. Apesar dos confrontos "artísticos" com Deus, Patti sempre
foi muito cristã, o que fazia com que a religiosidade fosse tema
recorrente em suas obras. Isso se reflete em seu novo trabalho, algo como
uma "ressurreição", onde apresenta uma nova faceta espiritualista.
EASTER - A RESSURREIÇÃO
Título
do terceiro álbum da cantora e uma canção do disco
No período de recuperação
(quer dizer, "redescoberta", segunda a cantora), Patti aproveitou para
escrever um novo livro de poesias, chamado "Babel". Mas o grupo teve sua
primeira baixa, com a saída do tecladista Richard "DNV" Sohl, em
decorrência de problemas de saúde. Chegou a pensar se um dia
voltaria a se apresentar novamente, mas se rendeu. Contanto, o Patti Smith
Group só voltaria aos palcos em 1978, com uma apresentação
especial no CBGB's, em comemoração à Páscoa
(também o nome de seu novo álbum, Easter). Contando com o
tecladista Bruce Brody no lugar de Sohl, o grupo se mostrou mais sofisticado
musicalmente e Patti mais interessada no Cristianismo, ainda que com um
certo cuidado.
Patti era muito ligada na relação
direta entre Deus e humanidade, enquanto que depois do acidente, começa
a levar em conta essa relação entre criador e criatura por
intermédio de Jesus Cristo. Isso levou-a a reavaliar a figura de
Cristo e seu inabalável magnetismo na massa ao longo dos séculos.
Antes ela achava que a única forma de se comunicar com Deus seria
através de si mesma, razão pela qual ela acredita ter sofrido
o acidente. Já recuperada, declarou que a misenscéne que
ela promovia quando se machucou era uma tentativa de comunicação
cerebral e sexual com Deus. E afirmou que a queda foi a forma que Deus
encontrou para dizer que sabia que ela só pararia de bater naquela
porta quando ele a abrisse e ela fosse ao chão.
Daí vem a temática redentora
recorrente em Easter. Com a produção de Jimmy Lovine, o disco
se referia à celebração da felicidade, algo como um
renascimento após uma circunstância trágica. Um sinal
de mudança: a capa do disco traz a cantora numa foto que explora
sua sempre enrustida feminilidade, a despeito de alguns pêlos nas
axilas de Patti saltarem a nossa vista. Apesar da serenidade, a performance
de Patti nos palcos continuava selvagem, só que mais canalizada
para sua guitarra, instrumento ao qual passou a se dedicar mais.
A maioria das canções
do álbum nunca havia sido apresentada ao vivo, o que nunca ocorrera
antes. Na faixa-de-abertura, "Till Victory", Patti pede a Deus que não
a sacrifique "até que chegue a vitória", porque sabia que
sua missão não havia acabado. Mas ao mesmo tempo, deixa transparecer
no disco certo desconforto com dogmas religiosos. Em entrevistas, também
começava a se mostrar entediada com os rumos do rock'n'roll e com
sua própria carreira.
Esse período coincide com
seu primeiro grande sucesso radiofônico, a baladaça "Because
The Night", parceria com Bruce Springsteen (que nos anos 90 recebeu uma
versão dos 10.000 Maniacs, desprovida da sexualidade encontrada
na versão original). Ambos gravavam no mesmo estúdio e aí
surgiu a idéia de juntá-los. Inpirada em sua incipiente paixão
por Fred, a canção chegou ao Top Ten americano, o que ocasionou
um baita aumento nas vendas do disco. É, até então,
o trabalho mais acessível do grupo e o eleva a um inédito
patamar de popularidade. Patti Smith chegou até a ganhar um Grammy
como "Melhor Artista Novo" (sic).
Em "Ghost Dance" (que posteriormente
receberia versão definitiva a cargo de Marianne Faithful, outro
ícone setentista sobrevivente até hoje) é quase um
cântico indígena de celebração. Segundo a cantora,
era um movimento iniciado por índios americanos no final do século
XIV com o intuito de ressuscitar seus antepassados. A dança era
uma chamada para a comunicação com passado e futuro por intermédio
dos sons e ritmos do presente, prática exclusiva de índios
americanos.
"I don't f*ck with the past / But
I f*ck too much with the future", assim Patti se mostrava liberta do passado
em "Rock'n Roll Nigger". Trecho de um discurso gravado ao vivo no show
de "ressurreição" no CBGB's que serviu de introdução
para "Rock'n Roll Nigger" (que seria o nome do disco, não fosse
a guinada espiritual de Patti) - um embate entre Patti e William Burroughs
no meio do público em que se clama uma redefinição
do conceito de Arte. Essa canção também é uma
ode a todos os que se sentem excluídos socialmente.
Algumas letras do álbum fazem
alusão direta a Babel, seu mais recente livro de poesias. Uma delas
é "High On Rebellion", uma canção que reflete bem
a faceta militante da cantora, também mostrada na já citada
"Rock'n'Roll Nigger". Na letra desta última, ela alertava que "se
você quiser viver fora da sociedade, então vai ter que encarar
todas as responsabilidades" inerentes ao ato.
Apesar do sucesso, os músicos
deixavam pistas de um certo esgotamento com a via-crucis do rock'n'roll.
Mas ainda não havia chegado a hora. Assim Patti parecia se libertar
de seus fardos, como atesta uma citação bíblica no
encarte do disco: "Enfrentei uma grande luta / Encerrei minha maldição"
(trecho do livro de Timóteo: capítulo 4, versículo
7). Outras referências à Bíblia são encontradas
em "Privilege", com inserções de trechos do Salmo 23.
FREDERICK
Canção
emblemática do quarto álbum de Patti, dedicada a Fred "Sonic"
Smith
A busca à serenidade almejada
por Patti só se concretizou posteriormente, quando ela se apaixonou
por Fred "Sonic" Smith, ex-guitarrista do MC5. Numa ocasião em Ann
Arbor (USA), um problema com o mau tempo fez com que Patti ficasse desguarnecida
de sua banda para uma apresentação. Seus músicos estavam
em nova Iorque e não puderam decolar a tempo de entrar em cena.
Patti teve que recorrer à ajuda da Sonic Rendezvous Band, novo grupo
de Fred. Eles a acompanharam enquanto ela improvisou alguns números
de poesia e dedilhava sua guitarra. Pouco tempo depois já estavam
juntos. Ao término da excursão do álbum "Wave" (lançado
em 1979), o casal se casaria em 1980.
Patti concebeu o álbum como
uma espécie de carta-de-despedida para seus fãs, pois iria
largar tudo para se tornar uma mãe e esposa dedicada. O único
a saber de seus planos era o produtor Todd Rundgren e, sem que Patti soubesse,
Bebe Buel, sua "companheira" na época. Bebe chegou a ter um ataque
de choro no meio das gravação por saber que se tratava de
uma despedida, uma "infidelidade" da parte de Rundgren que irritou Patti,
já que este havia jurado segredo. Uma amiga a visitou nessa época
e se assustou ao ver a cantora no tanque lavando uma cueca de Fred: "Qual
é? Estou lavando a roupa do meu macho?", falou na ocasião.
A capa do álbum traz Patti
libertando uma pomba branca aprisionada numa gaiola. Após um período
de reclusão, o tecladista dissidente Richard "DNV" Sohl retornou
à banda nesse período, cheio de gás e morrendo de
saudade dos ex-companheiros. Mal-recebido pela crítica, "Wave" celebra
sua paixão por Fred em temas como a 'fleetwoodmackiana' "Dancing
Barefoot" (um tema sobre heroína, já gravado pelo U2, em
que Patti emula o vocal de Stevie Nicks) e "Frederick", uma declaração
de amor e um emblema da nova fase na vida da cantora-poetisa. Nesta última,
Patti faz poesia com as coisas simples e bonitas da vida, e também
acena adeus - como em várias passagens do disco.
O discurso contundente tem lugar na
obra, ainda que de uma forma aleatória em algumas canções.
A exceção vai para uma releitura de "So You Want To Be (a
Rock'n'Roll Star)", uma antiga dos Byrds), um cantor bastante conhecido
nos anos 60, que reflete seu descontentamento com a vida de estrela do
rock. Era uma canção que Patti já conhecia há
tempos, mas que antes não havia levado fé no desencantamento
com o métier roqueiro sugerido pela música ainda que com
certo otimismo.
Os dois últimos shows da primeira
encarnação do Patti Smith Group foram na Itália e
transcorreram sob clima de estresse. Garotos da platéia invadiram
o palco no final da apresentação e os músicos não
tinham o mínimo amparo de segurança. Mas todo o caos se resolveu
em paz, respeitosamente os rapazes sentaram no palco, num misto entre respeito
e honra. Isso foi visto pelo grupo como uma metáfora na qual eles
estavam passando a bola para que outros mostrassem a que vinham. Patti
se despediu de um público de 70.000 pessoas com a saudação
"Bye bye, hey hey", tirada de "Frederick", faixa-de-abertura de "Wave".
Para celebrar o fim da banda, cogitou-se o lançamento de um disco
ao vivo, o que não se concretizou.
Fred oficializou seu amor a Patti
em 1980 e logo o casal se mudou para Detroit. Apesar da vida doméstica,
a música serviu aos dois como hobbie, sem as pressões da
vida na estrada. Como foi dito na época, Patti conseguiu ser um
mito do rock'n'roll sem ter que morrer para isso.
DREAM OF LIFE: UMA CELEBRAÇÃO
À VIDA DOMÉSTICA
Referência
ao Título do quinto disco de Patti Smith
Patti e Fred foram morar num subúrbio
de Detroit e se dedicaram com afinco à vida em família. Nesse
período fizeram poucas aparições públicas -
na maioria das vezes, em eventos beneficentes. Somente nove anos depois,
Patti voltaria à cena - só que acompanhada pelo marido. Em
1988, o casal lançou o plácido "Dream of Life", álbum
produzido por Fred e Jimmy Lovine. Apesar de um trabalho concebido pela
dupla, Fred achou melhor que se promovesse o álbum como o primeiro
trabalho solo de Patti. Isso deixa bem claro que o extinto Patti Smith
Group era uma banda que prestava auxílio luxuoso ao seu trabalho.
Do antigo grupo, só participaram Jay Dee e Richard Sohl, line up
complementado por músicos de estúdio.
É seu melhor trabalho segundo
os mais ferrenhos fãs da cantora, incluindo este que vos escreve.
No disco, Patti parecia se inspirar em Chrissie Hynde, uma de suas "pupilas".
Trata-se de uma retratação a seu público em formato
pop, longe de sua imagem militante, presente apenas na inspiradora "People
Have the Power": um hino populista em que clama que as pessoas não
se rendam à líderes.
São oito canções
em que celebra sua felicidade: seu amor por Fred e sua família.
Para se ter uma idéia, "The Jackson Song" é uma canção
de ninar composta para seu filho mais novo. Mas "Dream of Life" também
tem seu épico, "Where Duty Calls", uma canção sobre
as filosofias religiosas da humanidade. Essa é uma prova da serenidade
que a cantora passava naquele período.
Patti concedeu poucas entrevistas
e logo voltou à reclusão doméstica, onde se realizou
como ser humano na educação e criação de seu
casal de filhos: Jackson Frederick (agora com 17 anos) e Jesse Paris (8).
Só reapareceria no início dos anos 90, quando fez aparições
em recitais em alguns recitais de poesias. Apesar do "ostracismo" voluntário,
o casal continuou trabalhando informalmente com música em jam sessions
familiares que varavam a madrugada.
Fred e Patti ainda planejavam lançar
outro álbum em dupla em 1995, projeto interrompido após sua
morte em decorrência de um ataque cardíaco, no final de 94.
Um mês depois, seu irmão Todd morreria pela mesma razão.
Outras mortes também são espectros aos quais Patti é
levada a abordar com perspicácia durante o período em que
compõe o novo repertório: Robert Mapplethorpe, seu "irmão
espiritual", também morreu alguns anos antes, assim como seu antigo
tecladista Richard "DNV" Sohl, morto logo após a gravação
de "Dream of Life", a primeira morte decorrente de enfarte entre seus entes
queridos. No novo repertório, a cantora "acende velas para seus
mortos e continua dança", conforme a citação de Allen
Ginsberg inserida no encarte de seu próximo álbum, repleto
de alusões a anjos e fantasmas.
Nessa ocasião, Patti foi confortada
por Ginsberg, um de seus ídolos a quem havia se tornado amiga. Ela
só aparecia em público em 1995, recitando poemas de Allen
em Ann Arbor. Esses acontecimentos infelizes seriam retratados em seu próximo
disco, trabalho em que tratou de sua dor a base de música.
Mas antes do lançamento do
álbum, Patti fez aquecimento colaborando para duas trilhas sonoras:
uma versão para o standard de Nina Simone "Don't Smoke In Bed" foi
incluída na trilha de "Ain't Nothing But She" e uma releitura para
"Walkin' Blind", de Oliver Ray, presente em "Dead Man Walking". Ela ainda
fez alguns shows em Nova York, antes de integrar a turnê itinerante
Loolapalooza daquele ano. E só depois da excursão, adentrou
novamente o Eletric Ladyland para registrar o repertório do novo
disco, intitulado "Gone Again".
ATÉ QUE A MORTE OS SEPARE
Título
de uma canção do álbum Gone Again
Lançado em 1996 e produzido
por Malcom Burn e pelo escudeiro Lenny Kaye, "Gone Again" recebeu imediata
aclamação da crítica. Já na capa do álbum,
Patti aparece de luto e com a cabeça baixa. Sua fotografia faz uma
discreta alusão ao trabalho de Mapplethorpe em Horses, mas ouvimos
no disco são reflexões da cantora sobre a morte do marido.
"Gone Again" foi um trabalho planejado pelo casal. Inclusive, o título
do álbum foi escolhido pelo próprio Fred, que na época
ensinava sua esposa a tocar guitarra. Algumas canções são
parcerias com o falecido, com destaque para a maravilhosa "Summer Cannibals",
melhor momento do álbum.
No disco, Patti contou com o auxílio
inestimável da guitarra de Tom Verlaine (Television) e de John Cale
em algumas faixas e reúne antigos companheiros como Lenny Kaye e
o baterista Jay Dee Daugherty. Este último é, até
hoje, o único músico a acompanhá-la em todos os seus
discos. Completaram o line up o baixista Tony Shenahan e o tecladista Luis
Resto. "Gone Again" é marcado por canções lentas,
arrastadas, que fazem fundo para as narrativas poéticas da cantora.
Um dos temas mais fortes do álbum é "Dead to the World",
que trata a morte como uma coisa boa, como se as pessoas apenas caíssem
em sono profundo. Assim também é "My Madrigal", uma referência
explícita ao luto por Fred.
Para admiradores não-ortodoxos
do trabalho de Patti, este é o seu melhor trabalho. Mas o álbum
não é apenas uma elegia ao marido morto. Prova disso é
uma homenagem a Kurt Cobain em "About a Boy", canção em que
a improvisação impera nos shows, ao ponto de sua duração
atingir quase quinze minutos. Outra homenagem é dirigida a Bob Dylan,
na boa releitura de "Wicked Messenger".
Paralelamente, Patti se concentrava
esforços em dois novos livros. "Wild Leaves" e "The Coral Sea".
No primeiro, compila textos em verso e prosa em memória de seus
entes queridos; enquanto o segundo traz poemas em prosa em homenagem a
Robert Mapplethorpe, compostos logo após sua morte em 89, em decorrência
da AIDS. Nesse período, a poetisa também teria suas primeiros
trabalhos compilados em um único livro, chamado "Early Work 1970/1979).
Aproveitando uma folga da turnê
de Monster, Michael Stipe (R.E.M.), um de seus maiores fãs se ofereceu
para acompanhar Patti e sua banda em turnê junto Bob Dylan. Na ocasião,
ele mesmo se descreveu como um mero roadie e fotógrafo. E aproveitou
para publicar esses registros fotográficos em um livro chamado "Two
Times Intro: On The Road with Patti Smith". O livro contém fotos
de toda entourage da cantora, além de polaróides de seus
ilustres amigos-ídolos William Burroughs e Allen Ginsberg. Michael
se disse um privilegiado por testemunhar a turnê e mensurar a influência
de Dylan no trabalho de Patti e, por conseguinte, a influência que
a obra da cantora teve em sua carreira.
Em turnê, Patti voltou a apresentar
sua versão para "Gloria", mas com uma mudança no primeiro
verso. Este passou a ser cantado assim: "Jesus died for somebody sins /
Why not mine?", mais uma prova da constante reavaliação existencial
a que sempre se submeteu.
Em 1996, a Arista preparou um presente
para seus fãs: Patti teve todos os seus álbuns remasterizados
e acrescidos de faixas inéditas. Eles podiam ser comprados individualmente
ou compilados em um boxset. Em abril deste ano, Patti e Allen Ginsberg
fizeram uma aparição pública num evento beneficente
para a Jewel Heart (uma organização budista tibetana). Na
ocasião, Ginsberg fez uma memorável introdução
à apresentação de Patti e recitou vários de
seus poemas. Nada mal para uma pessoa que era tida como lunática
na ocasião de seus primeiros trabalhos com poesia.
Posteriormente, o poeta beat ainda
a acompanharia em várias de suas performances até a última
colaboração conjunta no evento beneficente Tibetan New Year's,
no Carnegie Hall em fevereito de 97. Nesse ano, Ginsberg morreu de câncer,
aos 71 anos.
PAZ E BARULHO
Título
do sétimo disco da cantora, Peace And Noise
Em 1998, Patti retorna à cena
com Peace And Noise, seu trabalho mais introspectivo. Esse estado de espírito
se reflete na capa do CD em que a cantora aparece sentada em sua cama rabiscando
alguns versos. O disco também deixa transparecer seu flerte com
a cultura tibetana, principalmente sua filosofia espiritual a qual foi
iniciada pelo clássico Livro Tibetano da Vida e da Morte - a mesma
obra que inspirou Billy Corgan no épico Mellon Collie and Infinite
Sadness.
Na nova empreitada, Patti contou com
Lenny Kaye e o novato Oliver Ray, nas guitarras, além do baixista
Shanahan e J. D. Daugherty. Oliver é seu novo namorado e deu sangue
novo à banda, em muito contribuindo ao novo repertório. Praticamente
gravado ao vivo em estúdio, Peace And Noise traz de volta a rusticidade
de Radio Ethiopia, e uma de suas faixas, "Memento Mori" é um improviso
de 11 minutos dedicado à memória de seu ídolo-amigo
William Burroughs. Trata-se de um trabalho igualmente passional ao anterior
"Gone Again", mas com um ponto de vista externo à vida da cantora.
Sonoramente, o álbum alude
à pegada roqueira do Patti Smith Group, lá pelos idos anos
70. Mas no que diz respeito ao discurso, da primeira ("Waiting Underground")
à última faixa ("Last Call"), "Peace And Noise" é
um trabalho mais direcionado para questões políticas e deveres
sociais do que para adversidades particulares. Para se ter uma idéia,
"Last Call" faz alusão ao episódio de suicídio coletivo
dos adeptos da seita Heavens Gate, que acreditavam no fim do mundo. Esta
conta com a participação de Michael Stipe (REM), nos backing
vocais, como uma retribuição à participação
de Patti no álbum "New Adventures In Hi-Fi" (na faixa "E-Bow the
Letter").
Uma das razões para tal preocupação
ideológica se deu após uma comparação dos dias
de hoje com os anos 60, época em que as preocupações
sócio-políticas eram bem mais evidentes. Patti reconhece
que atualmente paira no ar uma certa alienação conformista.
Para promover o álbum, Patti
começou dando entrevistas para zines e jornais ginasiais, em vez
de privilegiar dinossauros da imprensa musical como as revistas Spin e
Rolling Stone. Expressando sua militância underground, a despeito
dos antigos fãs que a tacharam como "vendida" em determinado momento
de sua vida, a cantora começou sua excursão em shows memoráveis
no minúsculo CBGB's, antecipando uma turnê nacional. De acordo
com
o noticiado na época de seu lançamento, boa parte de Peace
And Noise é composto pelo material idealizado como o segundo disco
do casal "Fred & Patti".
Apesar de promovido como um trabalho
em conjunto, uma das canções do álbum foi composta
somente por Patti: "Death Singing". A canção foi dedicada
a Robert Curtis Dickerson, vulgo Benjamim, líder da banda Smoke.
Benjamim era um expoente da cena musical de Atlanta há pelo menos
uns dez anos e nessa época fora apresentado a Patti por Richard
Sohl. As canções de seu grupo eram tragicômicas, repletas
da decadência e dos riscos a quem se submetem o que se configura
como a escória da sociedade.
Um assumido speedfreak esquecido pelos
parentes, Benjamim era portador do vírus HIV e seu estado físico
somado ao auto-paródico senso de humor muitas das vezes afastava
as pessoas que queriam ajudá-lo. Uma pessoa que não se deixou
levar pelo medo foi Patti Smith, a mesma pessoa que mudou sua vida em 1976
quando este se deparou com o álbum Horses. Esta começou a
visitá-lo após uma de suas freqüentes estadias em hospitais,
havia escutado seus CDs e, para seu espanto declarou-lhe que seu trabalho
havia sido fonte de inspiração para ela. Em forma de alegoria,
esta faixa conta a história de um vocalista de uma banda de rock
que morre de AIDS em pleno palco.
Boa parte do novo repertório
foi composto à moda antiga, em jam sessions promovidas pelos músicos
- o que se confirmado em ótimos shows. Após se dar por satisfeita
com a promoção do álbum, Patti recolheu-se ao lar,
o que fez com que alguns fãs achassem que a cantora fosse se dedicar
a outro período em exílio doméstico. Isso não
se confirmou e estes podem agora se contentar com Gung Ho, mais um motivo
para que estes continuem ardorosamente a adulá-la por vários
anos.
No momento, fala-se de uma coletânea
abrangendo o melhor de toda a discografia da cantora, com um repertório
escolhido pelos fãs na Babel List e no site oficial de Patti Smith!
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